domingo, 13 de dezembro de 2015

Como o Google combate a pornografia de vingança?

Advogada digital Carrie Goldberg (Foto: Divulgação/ C. A. Goldberg)


Advogada digital Carrie Goldberg, consultora da Iniciativa dos Direitos Civis Cibernéticos, nos EUA, explica a Política de Remoção de Conteúdo do Google
PAULA SOPRANA
13/12/2015
A engenharia de busca do Google funciona por algoritmo: se uma pessoa com nome de Juliana Silva (fictício), por exemplo, tiver fotografias nuas divulgadas na internet de forma não autorizada, ao digitar seu nome no Google, os primeiros resultados poderão mostrar não o currículo de Juliana no Linkedin ou o seu perfil no Facebook, mas imagens íntimas de seu corpo, expostas a milhões de usuários.
Se muitos interessados clicam no site que contém a imagem de Juliana nua, o Google entende que essa associação é, entre outros critérios, a mais popular da rede. Ele oferece, então, esta página nos resultados imediatos da busca. O movimento é cíclico: quanto mais cliques determinada página tem, mais o Google entende que ela deve estar bem posicionada nos resultados para seus consumidores.
Esse é um dos motivos que explica por que um conteúdo viraliza tão rápido na internet. Com o crescente número de casos de pornografia de vingança (do popular termo "revenge porn", em inglês) – que nem sempre se trata de vingança, mas sempre de pornografia não consentida –, em 2015 o Google alterou  sua política de remoção de conteúdo. A atualização permite que uma imagem  ofensiva seja retirada com mais rapidez dos resultados de busca. A foto permanece na rede, mas fica mais difícil encontrá-la. 
A advogada especialista em direito digital Carrie Goldberg, que dirigirá o primeiro programa de assédio virtual da Escola de Direito de Nova York, explica a ÉPOCA o que, de fato, muda com esta nova política. Ela também integra a ONG Iniciativa dos Direitos Civis Cibernéticos (CCRI, na sigla em inglês), que oferece suporte jurídico e emocional às vítimas de pornografia de vingança (24 horas por dia) e mantém a campanha End of Revenge Porn (Fim da Pornografia de Vingança, na tradução para o português), que busca abolir a distribuição ilícita deste tipo de imagem.
ÉPOCA – O que determina a nova política de remoção de conteúdo do Google?
Carrie Goldberg –
Foi uma mudança apocalíptica. Quando ela saiu, as pessoas ao lado do meu escritório devem ter achado que estávamos loucos de tanta alegria. Um dos prejuízos mais sérios da pornografia de vingança era a devastação à reputação digital das vítimas. Até então, em mais da metade dos casos, o nome das vítimas ou outras informações de identificação eram postadas junto às imagens de pornografia – e as imagens dominavam os resultados de busca [pelo nome] das vítimas. Hoje, ninguém faz nada sem "dar um Google" em uma pessoa, seja para uma entrevista de emprego, para marcar um encontro, para alugar um apartamento ou para se informar sobre um intercâmbio. As vítimas eram humilhadas e discriminadas por isso. Agora, elas podem completar um formulário e o Google removerá a imagem dos resultados da engenharia de busca. A imagem, no entanto, não é excluída da internet. Para isso, ela precisa ser removida da respectiva plataforma onde foi postada. O que muda é que, agora, a ferramenta torna as imagens menos acessíveis enquanto as vítimas buscam sua remoção completa da internet.
ÉPOCA – Como essa  política contribui para as vítimas de pornografia de vingança?
Carrie – Elas recuperaram o controle do seu futuro. Antes, a pornografia de vingança era um problema para a perpetuidade. O impacto de um resultado no Google [sobre o nome de alguém] não pode ser superestimado neste mundo moderno e, quando as primeiras cinco páginas de resultados são dominadas por imagens da vagina de uma vítima, é difícil se sentir seguro ou confortável participando desta cultura.
ÉPOCA – O Google pode remover as imagens da sua engenharia de busca. O problema é que alguns sites as mantêm. É por isso você diz em um artigo que a questão dos mecanismos de busca sobrevive a tudo?
Carrie – 
Exato. A questão dos mecanismos de busca do Google é uma coisa e a remoção da imagem da internet é outra. Se a URL exata é digitada ou os visitores acabam entrando na página, a imagem ainda estará lá. Isso não significa que os sites têm o direito de mantê-la. Aí entram outras leis que podem requerer judicialmente que o site remova o conteúdo. Mas a desindexação dos mecanismos de busca já nos dá algum conforto nesse meio tempo.
ÉPOCA – Você menciona que a engenharia de busca é o veículo e também a estrada para que consumidores de pornografia de vingança cheguem às imagens. Como o Google poderia aperfeiçoar ainda mais sua política para impedir isso?
Carrie – 
Agora a política do Google está muito boa. Os próximos passos são a certificação de que a política está sendo implementada da forma correta e a cobrança para que eles respondam rapidamente aos pedidos de remoção. Tenho tido alguns relatos de clientes que não tiveram suas fotos removidas da busca porque o Google entendeu que se tratava de pornografia, não de pornografia não consentida.
ÉPOCA – A empresa deveria ter mais responsabilidade sobre compartilhamentos?
Carrie  – Eu amaria se o Google e outras grandes empresas de tecnologia fornecessem mais suporte financeiro aos benfeitores que combatem o abuso online, como a Cyber Civil Rights Initiative (Iniciativa dos Direitos Civis Cibernéticos), Without My Consent (Sem meu Consentimento) e o Cyber Civil Rights Legal Project (Projeto Legal dos Direitos Civis Cibernéticos). Estes grupos estão provendo serviço direto às vítimas, dão recursos aos advogados e acompanham todas as mudanças políticas e legais. Além disso, em agosto de 2016, estarei dirigindo o primeiro programa contra o abuso cibernético na Escola de Direito de Nova York. O Google deveria dar suporte a empreendimentos como este, desenvolvidos para ajudar vítimas da escória da internet.
ÉPOCA – Que outra medida seria eficaz?
Carrie  –
 Eles poderiam reforçar a equipe de funcionários, os treinando para responder adequadamente às solicitações de remoção.
ÉPOCA – É necessária uma notificação judicial para que redes sociais como Facebook e outros sites retirem as imagens da rede?
Carrie – Facebook e a maioria das redes sociais, como Twitter, Reddit, Instagram, Periscope e Tumblr banem a pornografia de vingança. Então não é necessário que as vítimas obtenham uma ordem judicial para remover suas imagens. Elas devem completar um formulário solicitando a remoção. Muitas imagens são removidas assim todos os dias.
ÉPOCA – Os usuários que compartilham pornografia de vingança também podem ser punidos em algum nível? Até então, só quem divulga a foto é incriminado.
Carrie  – Nos Estados Unidos, nossas leis de pornografia de vingança são direcionadas às pessoas que fazem o upload de imagens [no Brasil também é assim]. Nós temos leis federais, o Communication Decency Act [a primeira medida do Congresso dos Estados Unidos para regular o material pornográfico na internet] que protege sites e outros serviços online de consequências civis ou criminais pela conduta de seus usuários. Então é difícil processar ou prender indivíduos que visitem esses sites, a menos que eles estejam postando o conteúdo ou quebrando outras leis, como roubo de informações (com ações de hackers), extorsão e pornografia infantil. Ao contrário de quem posta as fotos, aqueles que gerenciam o site podem sair impunes.
ÉPOCA – Como os Estados Unidos lidam com a questão da pornografia de vingança? O que prevê a Constituição americana?
Carrie  –
 Nos Estados Unidos, temos 50 Estados, cada um com seu código criminal. A pornografia de vingança é um crime sem fronteiras. A legislação federal fornece proteção para pessoas em estados onde não existe lei contra a pornografia de vingança e também um jeito uniforme para lidar com isso quando o ofensor e a vítima vivem em Estados diferentes. Promotores e aplicadores da lei federal (o FBI e o Departamento de Justiça) estão legalmente aptos a investigar e processar nesses casos. Estamos mandando uma mensagem para a comunidade internacional que expressa nossa intolerância com esse tipo de crime.
ÉPOCA – Como pessoas que divulgam imagens de pornografia de vingança são punidas hoje no país?
Carrie –
 Frequentemente elas não são. Nós temos 26 Estados além de Washington DC com leis para a pornografia de vingança. Com exceção de dois deles, todas foram criadas nos últimos três anos. Então, estamos recém aprendendo a aplicar estas leis. Alguns Estados, como California, são pioneiros e estão mandando pessoas para a cadeia. Em Nova Jersey, uma pessoa foi sentenciada a seis meses de prisão.
ÉPOCA – Educação digital deveria ser um tipo de matéria nas escolas?
Carrie  – 
Sim. E não é assunto para um dia no ano. É algo que precisa ser ensinado na educação primária com um currículo que evolua de acordo com os níveis de maturidade até a formatura. No meu escritório de advocacia, tenho três reclamações contra escolas que lidaram mal com a situação quando alunas reportaram ser vítimas de pornografia de vingança. As escolas logo irão aprender que a forma com que elas ensinam sobre ética digital e como lidam com problemas relativos à internet podem não só impactar os estudantes, mas sua própria elegibilidade para garantir financiamentos federais.
ÉPOCA – Qual o perfil das vítimas que você atende?
Carrie  – 
Tenho clientes de todos os gêneros, preferências sexuais, classes socioeconômicas, raças, religiões. Já tive duas clientes de 13 anos como já tive uma com mais de 60 anos. As vítimas são dos dois gêneros. O agressor é quase sempre masculino.

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