quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Festival de quadrinhos de Angoulême exclui mulheres de prêmio e autores se retiram de lista


Todos os 30 finalistas para Grand Prix dos quadrinhos em 2016, selecionados pela organização do festival, são homens; 10 quadrinistas, entre eles Milo Manara e Chris Ware, já se retiraram de votação em protesto e solidariedade às colegas

O elenco de finalistas para o Grande Prêmio do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, o mais prestigioso evento do gênero no mundo das HQs, é ansiosamente aguardado a cada ano por profissionais do meio. Este ano, no entanto, quadrinistas e amantes de HQ do mundo todo reagiram com incredulidade quando se depararam com a lista divulgada nesta terça-feira (05/01) dos 30 nomes possivelmente agraciados com o Grand Prix de 2016 do festival francês: todos os nomeados eram homens.
O Coletivo de Mulheres Quadrinistas contra o Sexismo (Collectif des créatrices de bande dessinée contre le sexisme, em francês), formado por quadrinistas francesas em setembro do ano passado para se contrapor a exclusões como a realizada pelo Festival de Angoulême, reagiu chamando um boicote ao Grand Prix deste ano. “Este prêmio não é somente honorário, mas tem um óbvio impacto econômico: a mídia cobre o vencedor do Grand Prix ostensivamente, e essa distinção tem um grande impacto nas livrarias, beneficiando livreiros, editoras... e a pessoa agraciada com o prêmio”, escreveram elas em um comunicado.
Reprodução

O início da lista de 30 homens indicados para o Grand Prix do Festival de Quadrinhos de Angoulême
“Protestamos contra essa óbvia discriminação e esta total negação de nossa representação em um meio praticado por cada vez mais mulheres a cada ano. Pedimos apenas a consideração da realidade de nossa existência e de nosso valor”, finalizam as autoras. Em dezembro, o coletivo já havia lançado um comunicado denunciando a falta de mulheres no quadro de jurados do Festival de Angoulême.
A ministra da Cultura da França, Fleur Pellerin, também se pronunciou sobre a controvérsia, dizendo que achava “anormal” que o Festival de Angoulême não tenha incluído nenhuma mulher no elenco de finalistas para o Grand Prix. “Este tema me afeta como mulher e como ministra da Cultura. A cultura deve dar exemplo em termos de paridade e de respeito à diversidade. Ainda é um pouco surpreendente que  as mulheres estejam sub-representadas entre os autores de quadrinhos e que não tenham encontrado, entre trinta nomes, um nome para homenagear uma mulher. Isso me perturba um pouco”, declarou a uma rádio francesa.

Também em protesto e em solidariedade às colegas, pelo menos 10 dos 30 quadrinistas nomeados já pediram a retirada de seus nomes da lista de finalistas do Grand Prix de Angoulême – entre eles, autores como o italiano Milo Manara e os norte-americanos Daniel Clowes e Chris Ware. “Em vista da importância que as mulheres sempre tiveram em minha vida artística e do fato de que eu sempre tentei respeitar o papel delas como sujeito e não como objeto em meu trabalho, eu quero retirar o meu nome da lista de candidatos ao Grand Prix de Angoulême, que esqueceu qualquer menção a minhas colegas quadrinistas neste importante reconhecimento de nossa profissão”, declarou Manara.
O Grand Prix de Angoulême não é uma premiação para o melhor do ano, mas um reconhecimento à obra do quadrinista agraciado. Seu vencedor, escolhido por votação popular no site do festival, é nomeado presidente da edição do evento naquele ano.
Desde 1973, quando foi realizada a primeira edição do festival, somente uma mulher foi agraciada com o Grand Prix de Angoulême: a quadrinista francesa Florence Lestac, vencedora em 2000. Confrontada pelo jornal francês Liberation com o questionamento sobre se há mulheres suficientes que mereçam o prêmio, a quadrinista francesa Mirion Malle citou uma série de autoras, como Alison Bechdel, Trina Robbins e Jeanne Puchol, com prestígio entre a crítica especializada e no mercado de quadrinhos, que poderiam ter sido ao menos nomeadas pela comissão organizadora do evento, responsável por escolher os finalistas.
Franck Bondoux, diretor geral do evento, afirmou ao Liberation que “não haverá cotas” para mulheres no festival. “O Grand Prix reconhece o autor pelo conjunto de sua obra e por sua carreira, e na história dos quadrinhos até os anos 1980 a produção era essencialmente masculina”, afirmou. “O festival reflete a realidade deste universo.”
No entanto, após a enxurrada de críticas e a retirada de um terço dos autores nomeados, Bondoux afirmou nesta quarta-feira (06/01) ao site France TV Info que o festival vai divulgar um novo elenco de finalistas ao Grand Prix, dessa vez com mulheres.

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