P Sivaramakrishnan
BBC Tamil 5 janeiro 2016
Em uma casa da capital indiana, Nova Déli, um grupo de crianças de rua está concentrado em uma incomum reunião editorial.
BBC Tamil 5 janeiro 2016
Mansi Thapliyal Image caption / Crianças que tiveram de viver nas ruas ou trabalhar tratam do tema em jornal na Índia |
Elas estão ligadas pela paixão ao Balaknama (Voz das Crianças), um jornal de oito páginas dedicado às crianças que vivem e trabalham nas ruas.
A publicação orgulhosamente se autointitula "o único jornal do mundo para e feito por crianças de rua que trabalham".
Chandni, de 18 anos, a editora, se junta à animada discussão sobre o conteúdo da próxima edição do jornal, cuja circulação aumentou de 4 mil para 5,5 mil cópias desde que ela assumiu o comando, um ano atrás.
Os repórteres são crianças de rua ou que trabalhavam em Nova Déli ou localidades vizinhas. Elas foram resgatadas pela Chetna, uma ONG que atua na reabilitação de pessoas nessas condições.
Segundo estimativas, mais de 10 milhões de crianças vivem nas ruas e são forçadas a trabalhar na Índia.
'Catártico'
A vida de Chandni tem sido permeada pela extrema pobreza. Além de ter já ter trabalhado como artista de rua ao lado do pai, ela teve de atuar como catadora para sustentar a família.
Um programa de extensão da ONG a estimulou entrar para a escola e deu uma pequena remuneração para fazer com que ela não voltasse a catar lixo nas ruas. Além disso, a treinou para ser repórter.
"Eu estou muito orgulhosa de editar esse jornal porque ele é único na Índia. Crianças cuja infância foi roubada, que passaram fome, mendigaram, foram abusadas e forçadas a trabalhar escrevem sobre outras crianças que estão passando por situações semelhantes", conta Chandni.
"Não é só catártico, mas também dá a cada um de nós um propósito. Só podemos nos tornar melhores a partir disso."
Chandni administra uma Redação de 14 repórteres que cobrem Déli e as regiões vizinhas de Haryana, Uttar Pradesh e Madhya Pradesh.
A maioria deles narra seus trabalhos aos colegas no escritório de Déli, pois frequentemente não têm acesso a e-mail.
Para ficar de olho no conteúdo que é produzido, Chandni conduz duas reuniões editoriais por mês.
O tabloide é vendido por 2 rúpias (R$ 0,12) e é financiado e publicado pela Chetna. Além de ter dificuldade em encontrar anunciantes, a publicação não recebe nenhuma ajuda do governo.
Recursos limitados
Shanno, de 19 anos, abandonou a escola após a 5ª série. Sua história de vida inclui, entre outros dramas, trabalhar horas a fio e lidar com um "pai bêbado".
Hoje, ela estuda em busca de um diploma de Serviços Sociais e espera ter uma carreira como ativista. Ela também treina outros repórteres do jornal.
"Fizemos uma pesquisa por amostragem em Déli em novembro e rastreamos 1.320 crianças vivendo nas ruas e trabalhando", ela conta.
"Queríamos mostrar à polícia e ao governo que era possível fazer uma contagem correta do número de crianças de rua. Se nós conseguimos fazer isso com recursos limitados, então eles podem fazer o mesmo com todo o pessoal e recursos que têm."
"Tem-se falado de uma pesquisa sobre crianças de rua conduzida pelo governo de Déli e pela polícia, mas nada saiu até agora."
Shambhu, que também trabalha no jornal, afirma que enfrentou muita resistência e sofreu ameaças enquanto atuava na pesquisa.
"Tivemos que encarar muita oposição e até mesmo ameaças quando fomos conversar com crianças que trabalham em restaurantes e hotéis. Seus empregadores eram agressivos. Mas nós firmemente dissemos a eles que nós ligaríamos para o serviço de assistência a crianças se eles não nos deixassem conversar com elas", conta ele.
Chegar até crianças trabalhando em residências particulares, restaurantes e fábricas deu um propósito a outra Chandni, esta uma jovem de 16 anos.
Ela ecoa a dor e o horror de muitas crianças sem nome nas histórias que produz para o jornal – e, inclusive, se prepara para ser a próxima editora da publicação.
"Eu quero aumentar o alcance do jornal e fazê-lo dar lucro. Ele é a voz de todos nós que sobrevivemos às dificuldades nas ruas, nas casas de outras pessoas e em oficinas, e que agora podemos falar por vários outros que continuam a lutar. O silêncio deles deve ser ouvido", conclui ela.
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