quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Pelo direito de existir

“O oposto de invisibilidade não é notoriedade. Desde o começo do ano, mais de 50 travestis e mulheres trans foram assassinadas. São cerca de dois crimes de ódio por dia e a sociedade não se importa. Se fosse invisibilidade, as pessoas não seriam percebidas, mas é invisibilização das violências contra a minoria. A sociedade se nega a ver por achar que essas pessoas devem morrer. As autoridades agem como a sociedade.”

O depoimento acima é de Leonardo Peçanha, homem trans, professor de Educação Física e blogueiro, e reflete a realidade vivida por um segmento da população historicamente marcado pela exclusão e por todo tipo de violência, da física à simbólica e psicológica. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas no Brasil 604 mortes no país, de acordo com pesquisa da Transgender Europe (TGEU), o que faz do país o que mais mata travestis e transexuais no mundo. Segundo o doutor em psicologia social Pedro Sammarco, autor do livro Travestis Envelhecem, a expectativa de vida desse grupo social não passa dos 35 anos, menos da metade da média nacional de 74,9 anos da população em geral (dados do IBGE de 2013).

Mas, aos poucos, alguns avanços têm sido conquistados. Isso essencialmente em função da luta empreendida por diversos movimentos e associações que batalham pelos direitos de travestis e transexuais e promovem a Semana Nacional de Visibilidade Trans, iniciada este ano no dia 25 de janeiro. Na área de saúde, por exemplo, em agosto de 2009 foi definido como direito o uso do nome social no Sistema Único de Saúde (SUS), e, em 2013, a portaria nº 2.803 redefiniu a assistência no processo transexualizador no SUS, incluindo procedimentos como a hormonioterapia mesmo sem a indicação para a cirurgia de transgenitalização, e ampliando o atendimento também a travestis e homens transexuais.

Na área da educação, em 2014 foram 95 transexuais que exerceram o direito de usar seu nome social para fazer a prova do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), número que subiu para 278 na edição de 2015. Para Indianara Siqueira, fundadora do curso Prepara Nem, a entrada de transexuais no ensino superior pode trazer mudanças na forma como as pessoas encaram esse segmento. “Quanto mais pessoas trans entrarem para a academia, mais a sociedade vai ter um choque. Porque tudo o que é contado na academia vai entrar em choque com essa vivência com a qual não se tinha contato”, diz, em entrevista à Agência Brasil. “Isso faz parte da conquista da visibilidade. Para que saibam que existimos.”

A mudança esperada por Indianara é necessária para alterar o atual quadro, no qual a baixa escolaridade e o preconceito barram a entrada da maior parte da população trans no mercado de trabalho. “Estima-se que 90% das travestis e transexuais brasileiras se prostituem atualmente no Brasil. Esta é uma proporção alarmante, porque nunca houve 90% de um grupo de pessoas prostituindo-se para viver, nem na história do Brasil, nem no mundo. Só mesmo travestis e transexuais”, diz Indianara, em entrevista à Fórum.

Nesse aspecto, há iniciativas públicas e também privadas para combater a exclusão. Uma delas é o Transcidadania, da prefeitura de São Paulo. Implantado em janeiro de 2015, ele garante um auxílio de R$ 820 mensais e recoloca as beneficiárias na escola, oferecendo cursos profissionalizantes, estágio e assistência especial na área de saúde, com médicos especializados no atendimento dessa população e psicólogos à disposição. Em 2016, está previsto o reajuste do valor oferecido às travestis, homens e mulheres trans, que passará para R$910,14 a partir deste mês.

A taxa de evasão foi de 4% no primeiro semestre de 2015 e todas as beneficiárias e beneficiários tiveram inscrição no ENEM, sendo que 79% dos inscritos estavam aptos a realizar a prova. Destes, 27 tiveram o direito ao uso do nome social concedido, representando 20% do total de travestis e transexuais que fizeram a prova em todo o estado de São Paulo.

Entre as alunas do programa está Cyara, que não concluiu o ensino médio por ser vítima de constante perseguição no ambiente escolar. Nunca teve um emprego fixo que não fosse a prostituição e não saía durante o dia para “evitar constrangimentos”. “Como iria arrumar trabalho se não tinha um curso de qualificação? Como estar inserida se não tinha dinheiro?”, descreve. “Nós também temos o direito de estudar, de trabalhar e que temos potencial para conquistar os nossos objetivos e não sermos olhadas apenas como objeto de sexo”, defende.

Outra iniciativa importante para a inclusão da população trans é o Transempregos, um site que tem como objetivo auxiliar homens e mulheres transexuais a conseguirem colocações no mercado de trabalho. Desde que foi criado, há três anos, ele busca trabalhar em prol da conscientização de dezenas de empresas para que pactuem um compromisso de não discriminação e já viabilizou mais de 80 vagas de empregos a mulheres e homens trans.

“Hoje temos 720 fichas de candidatos e candidatas do Brasil inteiro. Tem muitas empresas parceiras dando oportunidade, entrando no site, contratando. E é tudo gratuito. Hoje são 27 as empresas que têm compromisso com a diversidade”, conta Marcia Rocha, empresária, advogada e mulher trans que é uma das idealizadoras do projeto. Ela também vê avanços na luta da população trans ao longo dos últimos anos. “Na minha época, ninguém podia nem falar de trans. Hoje você tem a mídia, trabalhos científicos feitos, muita informação. Então, as pessoas acabam assumindo mais cedo. Por conta disso a gente vê mais casos de pessoas discriminadas na escola, na faculdade. Mas aí as pessoas brigam. Hoje nós temos armas pra enfrentar”, diz. “Faço parte do grupo de diversidade sexual e combate à homofobia da OAB. Temos mais armas hoje pra ajudar pessoas trans a enfrentar o preconceito, conscientizar diretorias de escolas etc. As coisas estão mudando. É lento, é doloroso, mas estão mudando.”

Confira abaixo alguns depoimentos que compõem um retrato da realidade que travestis e transexuais enfrentam cotidianamente.

O oposto de invisibilidade não é notoriedade”
560-leonardopeçanha_facebookLeonardo Peçanha, homem trans, professor de educação física e colunista do Negros Blogueiros.
Acredito que, no caso dos homens trans, como não tem referência, o que acontece é que já eram homens mas não sabiam que eram, não tinham o que se identificar. Depois do livro do João Nery é que muitos homens trans têm conseguido entender sua identidade. É sabido da possibilidade de travestis e mulheres transexuais, mas de homem trans ainda é muito restrita essa informação. Sempre existiram homens trans, mas muitos nem sabiam que eram por conta desse não lugar que os homens trans estão.
O oposto de invisibilidade não é notoriedade. Desde o começo do ano, mais de 50 travestis e mulheres trans foram assassinadas. São cerca de dois crimes de ódio por dia e a sociedade não se importa. Se fosse invisibilidade, as pessoas não seriam percebidas, mas é invisibilização das violências contra a minoria. A sociedade se nega a ver por achar que essas pessoas devem morrer. E as autoridades agem como a sociedade.
No caso dos homens trans, a invisibilização impede e dificulta o acesso a todos os espaços. Como na saúde, por exemplo, onde muitos homens trans têm o acesso negado ao atendimento ginecológico apenas pela aparência masculina. Os que já retificaram os documentos são barrados por não conseguirem convencer as pessoas da especificidade dos seus corpos.
Por todos estes motivos, os homens trans deixam de ser atendidos pelo SUS e na rede particular e isso é consequência da invisibilização, que apaga as demandas e necessidades específicas da minoria. Também há a violência simbólica ou física que a pessoa sofre nas mãos de profissionais despreparados e preconceituosos, o que leva muitas vezes os pacientes a desistirem de procurar tratamento e cuidar da própria saúde.
O preconceito afetou, afeta e afetará a carreira. Não existe superação individual do preconceito. Ele aparece de diversas formas; só existe mesmo resistência e sobrevivência. As pessoas trans e travestis podem ser condicionadas a empregos de maneira compulsória, como no caso da prostituição. A não aceitação do uso do nome social e o desrespeito à identidade de gênero faz com que sejam obrigadas a ter empregos com os quais não se identificam. Quem tem o privilégio de ter uma condição melhor ou acesso à universidade pode ter uma chance melhor, Mas, caso não tenha ainda retificado a documentação, pode não conseguir emprego. A superação é o que faz continuar, já que as portas são fechadas na maioria das vezes.
A militância ‘T’ é mais marginalizada porque as demandas são básicas, como, por exemplo, ter um nome ou ir ao banheiro. E isso faz com que muitas pessoas trans e travestis sejam impossibilitadas de ter cidadania. A militância ‘T’ é dividida de maneira politicamente organizada como sendo Travestis, Mulheres Transexuais e Homens Trans. Essa foi a nomenclatura que foi escolhida, politicamente. O segmento ‘T’ está organizado com instituições, ONGs, fóruns, encontros e nos locais onde são debatidas essas demandas, que têm particularidades, embora existam demandas que sejam comuns entre os três.
Dia 29 de janeiro não é dia de celebrar. É mais um dia de luta e resistência para que a gente não desista de seguir em frente. O Brasil é o país que mais mata travestis e mulheres transexuais no mundo. Não temos o que comemorar, temos muito o que pensar e refletir sobre estratégias de ação para evitar isso e nos proteger. E resistência não é celebração.

Quando vejo um bar com mesas na calçada, dou um jeito de desviar. Se veem você como mulher, mexem. Se percebem que é trans, eles ofendem”
560-nicolepresottoNicole Presotto é fotojornalista e estudante de Cinema.
Sempre gostei de me vestir com roupas femininas. Quando tinha uns 13 anos, eu e um primo brincávamos de nos vestir com as roupas da irmã mais velha dele, mas depois ela nos proibiu, disse que era errado. Eu continuei fazendo isso às escondidas. Eu mesma achava errado, uma depravação. Na escola, sempre sofri muito bullying, usava cabelo comprido, era baixo e magro. Tive uma depressão profunda quando tinha 15 anos; nessa época eu me automutilava inclusive dentro da sala de aula. Acho que era uma forma de afastar as pessoas de mim. No ano seguinte, cortei o cabelo bem curto e comecei a treinar boxe com o meu pai, foi uma forma de tentar enfatizar minha masculinidade.
Nessa época, eu estava em crise, queria entender o que eu era, afinal. Passei a me ver como crossdresser, era mais cômodo, tinha um termo moderno e não precisava me expor. Não tinha coragem, era mais fácil preservar minha segurança e dignidade assim. Eu já me relacionava com ambos os sexos. Conheci uma menina que também era bissexual e namoramos durante dois anos. Ela me incentivava muito a viver esse lado feminino, quando estávamos em casa juntas, éramos duas garotas. Comecei a usar roupas femininas também fora. Meus amigos a demonizavam, diziam que era a culpada por isso. Minha família, que sempre me apoiou, também passou a ficar preocupada. Pensaram que era só uma fase e que eu poderia me arrepender pelos danos que causaria na minha imagem.
Depois que esse relacionamento acabou, voltei para dentro do armário. Mas, aos 21 anos, essa vontade voltou com tudo. Procurei ajuda psicológica e seis meses depois comecei o tratamento hormonal. Meu corpo já começava a mudar e decidi passar o final do ano retrasado como mulher. Na volta das férias, pedi demissão da revista onde estava fazia quatro anos. Acho que seria traumático fazer a transição lá, no meio de tanta gente que me conhecia antes. Desde junho do ano passado, vivo com o Cesar, estamos casados. Agora, no começo do ano, fiz um implante de seios. Ainda passo constrangimentos, mesmo com o direito garantido do uso do nome social.
Tem professores na faculdade que nem sempre me chamam pelo meu nome e me tratam no masculino. Já tive esse problema também em hospitais, quando fui fazer exames. Tem vezes que você sente o preconceito do médico na maneira como ele examina, sem tocar quase no seu corpo. Outro problema é com segurança. A gente vê tanta notícia sobre agressões e mortes por transfobia que fica com medo de sair na rua sozinha. Quando vejo um bar com mesas na calçada, dou um jeito de desviar. Se veem você como mulher, mexem. Se percebem que é trans, eles ofendem.

Hoje sou uma mulher empoderada, pensava que não tinha esse poder”
560-amandaAmanda Marfree, mulher trans formada pelo Transcidadania.
“Você é homem!”; “Tiazinha!”; “Mulher é o caralho” e ofensas ainda piores faziam parte do dia a dia da transexual que, por conta da violência e do preconceito, abandonou os estudos aos 17 anos para se aventurar no mundo da prostituição. “Era o único caminho que nós, travestis, tínhamos para seguir”, conta.
Amanda Marfree tem 30 anos e nasceu no corpo de um menino em São Gonçalo (RJ), cidade em que começou a se prostituir para bancar os hormônios que tomava e outras modificações necessárias para ficar mais parecida com o que ela realmente é e se sente: uma mulher.
Depois de sofrer todo o preconceito, marginalização e opressão a que travestis e transexuais estão expostas, depois de se prostituir no Rio de Janeiro, na Itália por meio da cafetinagem e de ter sido deportada para São Paulo, Amanda vive um ano diferente de todos os outros: ela encontrou, na capital paulista, o programa Transcidadania e se tornou a primeira beneficiária a concluir o ensino médio, sendo também a primeira transexual a se candidatar a uma vaga de conselheira tutelar da história do município.
Considerada a melhor aluna da sala – que era, inclusive, uma turma mista que contava com homens e mulheres cisgêneros, jovens e adultos –, a transexual foi incentivada a se candidatar à vaga de conselheira tutelar em Itaquera, bairro em que vive em São Paulo, por sua empatia e sua sensibilidade para com os mais desamparados. “Me falaram que tinha essa oportunidade. Eu me interessei porque crianças e adolescentes que recorrem ao conselho tutelar são crianças desamparadas, que não têm proteção. Pessoas que já sofreram na vida e que foram desamparadas, como eu, entendem essa situação. Você tem que sentir na pele pra saber o que é”, diz.
“Hoje em dia sou a Amanda com segundo grau completo, com apoio, com políticas que nunca deveriam ter me tirado. Pretendo me formar, sair da prostituição, ajudar meu próximo, aquele que está desamparado. E pretendo concluir minha trajetória de estudos, que nunca deveria ter parado. Hoje sou uma mulher empoderada, pensava que não tinha esse poder. Não só eu, como várias. Na região, muitas que me conhecem ficam felizes porque sabem que elas podem correr atrás de seus direitos”.
Confira a matéria original aqui http://www.revistaforum.com.br/semanal/o-unico-lugar-que-travesti-tinha-era-esquina-agora-tem-escola/

Quem sente na pele assume como prioridade lançar luz sobre o tema”
560-amaramoiraAmara Moira, doutoranda na Unicamp.
Hoje, somos em 13 ou 14 pessoas transexuais dentro da Unicamp, mas nenhuma entrou na instituição como tal. Acho que a universidade, principalmente a pública, facilita o processo. A distância dos pais e da comunidade em que se foi criada dá uma sensação de liberdade maior, um espaço para se recriar. Ao entrar na faculdade, o estudante tem mais condições de barganhar a aceitação da família, ainda mais se não tiver dependência econômica. Com uma bolsa de estudos e moradia estudantil, a aluna transexual sabe que não vai ter a prostituição precária, em condições violentas e vulneráveis, como única alternativa.
Formamos um coletivo trans e temos conseguido fortalecer o processo de aceitação dentro da universidade. Mas é algo que depende também da área de estudos. Nas Humanas, existe uma disposição maior de professores e alunos para lutar contra a transfobia. O ambiente das Exatas é mais inóspito, lá o debate é menos intenso e as pessoas acabam tendo de buscar um “refúgio”. Graças às redes sociais, conseguimos saber melhor sobre alunas de outras instituições e manter contato com algumas delas.
A nova estrutura de acesso à universidade, com o Sisu e o Enem, está facilitando o acesso de transexuais, mas ainda existe muita dificuldade, porque as que se assumem cedo acabam sendo afastadas do ambiente escolar por causa da violência. A presença é importante porque obriga as instituições de ensino superior a repensar a forma de acolhimento desse grupo, não dá para fingir mais que não existimos. É um lugar importante para as pessoas transexuais porque elas também passam a produzir conhecimento acadêmico sobre o tema, como já acontece com as questões das mulheres, negros e homossexuais. Quem sente na pele assume como prioridade lançar luz sobre o tema.

A solidão quanto a ser uma pessoa trans num mar de pessoas cis guarda um silêncio bem barulhento”
560-biapaglariniBia Pagliarini Bagagli, formada em Letras na Unicamp.
A entrada na universidade me serviu como espaço de empoderamento, mas ao mesmo tempo me mostrou como estava sozinha. Entrei na Unicamp em 2011, época em que nem ao menos se falava de nome social em estabelecimentos de ensino. Quer dizer, a visibilidade de pessoas trans na educação era nula (e ainda é, apesar de mais casos como o meu pipocando por aí nos últimos anos). Essa exclusão esconde em si um monte de processos violentos. Pude desfrutar do ambiente universitário porque tenho inúmeros privilégios em relação a muitas pessoas trans. Pude estabelecer uma rede de amizades nova. Mas, mesmo assim, a solidão quanto a ser uma pessoa trans num mar de pessoas cis guarda um silêncio bem barulhento.
O que me ajudou principalmente foi o fato dos meus pais não serem transfóbicos, acho que isso é o que pesa mais. E, aliás, só pude ser universitária justamente porque tive apoio familiar. Além da ajuda financeira, estudei em escola particular, tem o lado emocional. Eles fizeram muitas coisas importantes para que eu pudesse iniciar e terminar o curso. O que torna tudo isso ainda mais grave é que a sociedade como um todo ignora a dimensão e as especificidades deste problema.
Parece que a sociedade não está disposta a mexer neste assunto e quem vai sofrer com isso na pele são as pessoas trans, que vão continuar sendo excluídas desses espaços. Se as pessoas trans são sistematicamente excluídas destes espaços, elas se encontram numa situação de pauperização enorme. Poder se inserir no trabalho e acessar a educação formal e de qualidade é essencial para qualquer pessoa. As pessoas trans são sistematicamente negadas a ocupar estes espaços enquanto trans. Isso é o mesmo que exclusão.
Nós, como militantes, temos que mostrar que essa exclusão não é natural, não é culpa das pessoas trans; em suma, não é justo. A transfobia, assim como todas as opressões, causam injustiça social. E também discutir especificidades, como o uso do banheiro. As pessoas trans não vão conseguir acessar esses espaços se não for garantido o uso do banheiro e do nome social. Ninguém pode estudar e trabalhar sem o mínimo e isso inclui ser respeitado, ser chamado pelo seu nome de fato e poder usar o banheiro. Só pra falar do mais evidente… Como um todo, nós temos que pensar em criar espaços que, de fato, sejam inclusivos.

Quando eu vinha a pé, os homens paravam o carro perto de mim e já perguntavam quanto era o programa”
Juh, estudante de cursinho e balconista em uma padaria.
Quando tinha 12 anos, mandei uma carta para a minha mãe em que falava sobre o meu desejo sexual por meninos. Minha família sempre me aceitou bem, mas só passei a me ver como transexual quando completei 15. Ao mesmo tempo que sabia do meu desejo de me ver como mulher, resistia à ideia de ser vista como transexual ou travesti. A gente tem sempre aquela visão de que a única possibilidade de alguém assim é a prostituição. Meu sentimento mudou quando vi uma reportagem na TV sobre a modelo Lea T. Foi a primeira vez que vi que existiam outras possibilidades de vida para travestis e transexuais fora da prostituição. Isso me deu coragem e passei a pesquisar bastante sobre o assunto na internet.
Comecei o meu tratamento hormonal aos 16 anos, com um hormônio indicado em sites. Parei neste ano, estou com 17, depois de saber dos riscos da automedicação. Agora, estou procurando um endocrinologista para fazer o tratamento com todos os cuidados. Mas é difícil encontrar, principalmente na cidade onde moro, no litoral do Paraná, um médico que aceite fazer o tratamento. Até agora, os que fui diziam que só tratavam de doenças na tireoide e diabetes. Quando me mudei para cá, fui bem recebida na escola, que é estadual. A diretora conversou comigo e com os colegas antes de eu chegar à sala de aula. Terminei e vou iniciar o cursinho, quero fazer faculdade de Oceanografia ou Biologia Marinha. Consegui um emprego numa padaria graças à indicação de um dos meus cunhados.
Não uso nome social, mas todos me tratam pelo meu apelido, Juh. Um dos problemas que enfrento aqui é porque saio tarde do emprego, por volta das 22 horas, e a padaria é longe da minha casa. Quando eu vinha a pé, os homens paravam o carro perto de mim e já perguntavam quanto era o programa. Só porque eu estava nesse horário na rua, mesmo que andando, eles já me tratavam como prostituta. Agora, estou indo trabalhar de bicicleta.
Foto de capa: Reprodução. Fotos da matéria: Reprodução/Facebook, menos a de Amanda Marfree (foto de Caio Costa)


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