quinta-feira, 5 de maio de 2016

Estatuto da Primeira Infância

04/05/2016 por Válter Kenji Ishida
O que disciplina o Estatuto da Primeira Infância?
A Lei nº 13.257/2016 trata primordialmente da primeira infância. Esta abrange  o período dos primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança (art. 2º). Não se trata propriamente de um Estatuto, que seria um conjunto de normas maior, normalmente contendo uma parte geral e uma parte especial. A Lei nº 13.257, de 08 de março de 2016 na verdade, é uma lei que dispõe sobre políticas públicas sobre a primeira infância, além de realizar várias alterações sobre o ECA, sobre a CLT, sobre a Lei nº 11.770/2008  e sobre o CPP.

O que vem a ser a doutrina da proteção integral?
A doutrina da proteção é baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes. É prevista no texto constitucional, no art. 227, instituindo a chamada prioridade absoluta. Já em 1924, a declaração de Genebra determinava a necessidade de uma proteção especial à criança e também a Convenção Americana sobre direitos humanos, que previa em seu art. 19 a necessidade das chamadas “medidas de proteção”. A doutrina da proteção integral constitui, portanto, uma nova forma de pensar e de atuar, com o escopo de efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. A CF, em seu art. 227, afastou a doutrina da situação irregular e passou a assegurar direitos fundamentais à criança e ao adolescente, passando estas de objeto para sujeito de direitos. Tratou-se na verdade de uma alteração de modelos. A doutrina da situação irregular limitava-se basicamente a 3 (três) matérias: (1) menor carente; (2) menor abandonado; (3) diversões públicas. O ECA ampliou sobremaneira os assuntos abordados e também a própria visão sobre a criança e o adolescente, tudo em função da doutrina da proteção integral. Esta doutrina ainda é citada na Lei nº 13.257/2016, no art. 3º, caput.

Quais normas o novo estatuto muda?
Basicamente, a Lei nº 13.257, de 08 de março de 2016 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452/1945), a Lei 11.770/2008 (cria o programa Empresa Cidadã) e o CPP (Decreto-lei nº 3.689/1941).

O que muda no ECA?
Quanto ao ECA, várias normas foram alteradas.  Assim, o art. 8º foi ampliado para não mais tratar apenas da gestante e alcançar todas as mulheres, com o escopo de permitir o acesso a programas e políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo. Para as gestantes, a nova lei ampliou e especificou o seu atendimento, incluindo nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, e ao atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral. Este atendimento deve ser realizado através do Sistema Único de Saúde (SUS). Destaque também para o art. 8º, § 4º, que trata da assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré-natal e pós-natal. Outra modificação que julgamos importante incidiu sobre a norma do art.  11, § 2º do ECA. Trata-se de uma norma utilizada para obrigar o Poder Público ao fornecimento de medicamentos. Nesse ponto, o texto foi ampliado, mencionando com detalhes as hipóteses: “medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas necessidades específicas.” E dentro desse escopo de ampliar as possibilidades de acesso das crianças e adolescentes, o art. 12 ao tratar do acesso dos pais ou responsável como acompanhante, incluiu as unidades neonatais, as de terapia intensiva e as de cuidados intermediários. Outra importante modificação foi a realizada pelo § 2º do art. 13 quanto à possível violência contra crianças da primeira infância. Nesse caso, os serviços de saúde em suas diferentes portas de entrada, os serviços de assistência social em seu componente especializado, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente deverão conferir máxima prioridade ao atendimento dessas crianças. Trata-se de um modo de ampliar a defesa da primeira infância.

Quais são as implicações no Processo Penal?
Uma das modificações essenciais recai sobre a preocupação tanto na fase de inquérito policial como no próprio processo penal de colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. Essa diretriz é de fundamental importância, pois sabe-se atualmente a grande quantidade de mães que são presas por exemplo por crime de tráfico de entorpecentes. Então, é necessário checar se tal pessoa possui filhos, qual é a idade, se a criança ou adolescente é portadora de algum tipo de deficiência. Como Promotor de Justiça Criminal, sempre que nos deparávamos com algum caso envolvendo situação de risco da criança ou adolescente (art. 98 do ECA), oficiávamos à Vara da Infância e Juventude competente, até por experiência com a área menorista. Outra mudança que detalhamos mais com a nossa obra “Processo Penal”, foi a alteração sobre a medida cautelar pessoal de prisão domiciliar do art. 318 do CPP. Existiram basicamente três alterações que procuraram resguardar os cuidados para o preso provisório que possuía filho ou presa provisória gestante: 1) não se exigem condições para a gestante (a partir do 7º mês de gravidez ou gravidez de alto risco). Nesse caso, a Lei nº 13.257/2016 fala simplesmente em ser “gestante”. 2) mulher com filho de até doze anos incompletos (o que corresponde à noção técnica de criança). 3) homem caso seja o único responsável pelo cuidado de filho de até 12 anos incompletos.

Como o Superior Tribunal de Justiça vem aplicando esta nova norma?
Se tratarmos das alterações da prisão cautelar, podemos citar decisão liminar recente no HC 351.494, do Ministro Rogerio Schietti Cruz, substituindo a prisão preventiva por prisão domiciliar no caso de uma jovem de dezenove anos acusada de tráfico de drogas. Esta estaria grávida e com um filho de dois anos e fora detida quando tentava entrar com uma porção de cocaína e duas porções de maconha onde seu companheiro cumpria pena em São Paulo. O Ministro Schietti fundamentou com a doutrina da proteção integral e com o princípio da prioridade absoluta à infância, previstos no art. 227 da Constituição Federal, no ECA e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Ainda segundo o Ministro, a alteração sobre o art. 318 do CPP, permitindo que a prisão preventiva seja substituída pela prisão domiciliar está em consonância com o fortalecimento da família no exercício de sua função e cuidado e educação de seus filhos na primeira infância.

O que muda em relação à CLT?
Em relação à CLT, o art. 473 foi alterado para garantir o direito do marido ou companheiro em gozar dois dias de ausência do trabalho para acompanhar a esposa ou companheira em consultas e exames e do pai para poder faltar um dia por ano para acompanhar filho de até seis anos em consulta médica.

O que muda em relação às políticas públicas?
A Lei nº 13.257/2006 estabeleceu princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas. Nesse sentido, pode-se destacar o objetivo de reduzir as desigualdades  relativas aos bens e serviços relativos à primeira infância (art. 4º, IV). Considera-se primeira infância os primeiros seis anos completos (art. 2º).

Há alguma inovação em relação das crianças e o Direito do Consumidor?
Sim, o art. 5º elenca como área prioritária, a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica. Em minha obra, Estatuto da Criança e do Adolescente, já abordei a matéria inclusive mencionando estudos que demonstram a incapacidade da criança de até 8 (oito) anos de idade de compreender o conteúdo das mensagens publicitárias, podendo nesse caso constituir-se em propaganda abusiva.

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