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segunda-feira, 11 de julho de 2016

"Apesar de acontecer muito, não é normal", diz especialista em atendimento a vítimas de estupro


Os altos números não podem contribuir para a normalizar episódios graves capazes de deixar traumas profundos. Estupro é crime e o debate precisa ser escancarado

09.07.2016 | POR DANIELA CARASCO

Na sexta-feira (8), Marie Claire encerrou a publicação de 33 relatos de violência sexual. A iniciativa foi motivada pelo estupro coletivo de uma adolescente carioca e também uma forma de jogar luz nas estarrecedoras estatísticas sobre a violação de mulheres.
A campanha recebeu mais de 1.200 relatos e continua nas redes sociais com a hashtag "se ela disser não, é estupro", na qual leitoras postam retratos nuas para lembrar que sem consentimento não existe sexo. Celebridades como Cleo Pires, capa da edição de julho, Adriane Galisteu, Gloria Pires e Mariana Ximenes já apoiaram a causa.
A violência contra a mulher segue sendo normalizada por meio da culpalização da vítima. “Não podemos banalizar o estupro”, alerta Ana Flavia Lucas d’Oliveira, professora do departamento de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP. “É preciso ter clareza que, apesar de acontecer muito, isso não é normal. A violência não está no DNA e nem é algo trivial. Cada episódio tem um impacto muito profundo e importante sobre quem viveu. Não é porque é numeroso que não seja grave.”
Marie Claire recebe 1.200 relatos de estupro (Foto: Marie Claire)
"Sofri muitos abusos na infância. Por pior que seja dizer isso, cheguei a achar que era uma coisa natural. Na minha cabeça, era uma maneira de me tornar mulher”, declarou a paulista Carolina*, de 29 anos.
Para a professora, é fundamental entender também que estupro ninguém inventa. “É um assunto tão maltratado pela sociedade, que não dá para aumentar uma experiência dessa.” E isso vai além da esfera social.
“Na Delegacia da Mulher, passei por uma situação mais traumatizante que o próprio estupro”, contou a estudante Larissa*, de 32 anos, que foi violentada pelo namorado aos 16. “Lembro da delegada me dizendo: ‘Fala a verdade, você gostou. Você está fazendo isso porque sua mãe descobriu que você não é mais virgem. Você sabe que se for pra frente com esse processo vai acabar com a vida dele? Isso já passou.’”
O resultado acaba sendo uma grave individualização e internalização de um trauma que pode afetar o emocional das vítimas de maneira crônica, ocasionando quadros de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade.
PRECISAMOS FALAR DE CONSENTIMENTO
Não importa com quantos a mulher transou, o que bebeu, nem o que estava vestindo – ou despindo. Mesmo nua, quando ela diz “não” é “não”.
O entendimento do consentimento é crucial para que qualquer invasão ao corpo de uma mulher seja definitivamente encarada como um crime hediondo, que gera traumas também sexuais. Além do impacto sobre a saúde reprodutiva - risco de contrair DST, gravidez indesejada, aborto provocado -, as especialistas destacam problemas direcionados à sexualidade.
“Quando o abuso acontece na infância, fase em que a criança ainda não se dá conta da sexualidade genital, a vítima só percebe o que aconteceu na puberdade. E a descoberta costuma ser traumática. Elas costumam ficar hipersexualizadas. Portanto, acabam tendo mais risco de serem abusadas novamente. Se isso não for trabalhado por uma profissional, elas se tornam mais vulneráveis”, explica Ana Flavia. “Alguns estudos epidemiológicos mostram ainda que essas meninas têm mais chance de sofrer violência física dos parceiros futuramente, porque elas têm menos senso de autonomia e de direito sobre o próprio corpo, que foi violado.”
Ainda em depoimento à Marie Claire, Carolina* acrescentou: “Infelizmente essas situações me fizeram descobrir muito cedo o desejo sexual. Quando menina já me via como mulher. E na maioria das vezes me senti culpada, por achar que eu tinha dado abertura para que aquilo acontecesse.”
Já mulheres adultas costumam direcionar o trauma a uma falsa noção de “perda de valor”. “A parte sexual pode ficar anulada, elas podem se tornar inseguras, produzir respostas emocionais de submissão. Algumas chegam a uma adotar uma postura de rejeição extrema a relacionamentos amorosos”, conta psicóloga Diana.
Durante muito tempo, Maria Luiza*Marcela* e Juliana* não conseguiram se relacionar com alguém. Medo, insegurança, decepção... Um misto de sentimentos negativos costumam falar mais alto neste momento tão difícil.
“Estamos inseridos em uma sociedade muito doente, que precisa começar a educar os homens a respeitar as mulheres. Padre, professor, médico, namorado, marido. Todo mundo quer mandar no corpo da mulher. No entanto, essas mesmas pessoas são responsáveis por violá-lo”, comenta Diana.
E ao contrário do que muita gente pensa, é importante ressaltar que a violência sexual é uma questão de gênero, ela afeta também mulheres ricas e de classe médial e alta. Trata-se de um problema que perspassa as classes sociais e cuja mudança precisa começar no âmbito familiar e escolar.
*Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas
Marie Claire

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