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domingo, 3 de julho de 2016

Campanha "Uso de álcool e família"

A campanha “Uso de álcool e família” tratou de temas relacionados ao uso de álcool por jovens e adolescentes focando o papel da família e dos educadores na prevenção do uso de álcool por menores de idade. Entre os assuntos abordados estão: a influência dos pais e do grupo de amigos, o papel das escolas, a proibição da venda de bebidas alcoólicas a menores de idade, e a ingestão de álcool durante a gravidez.

Os entrevistados foram:

Roberta Tito PereiraPsicóloga

Evelina HolenderAssessora pedagógica e coordenadora do Projeto Adolescência e Saúde do Colégio IL Peretz

Flávio FrassetoProcurador da Vara da Infância e Adolescência de São Paulo

Vera ZimmermannPsicanalista, psicóloga clínica, professora do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP/Escola Paulista de Medicina e coordenadora do Ambulatório do Centro de Referência da Infância e Adolescência (CRIA-UNIFESP)

Ronaldo Torres
Psicólogo clínico do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (PROMUD) do IPq-HC-FMUSP e coordenador de projetos da Associação Veredas - Políticas Públicas em Álcool e outras Drogas

Sandra Scivoletto
Psiquiatra especialista em adolescentes, chefe do Ambulatório de Adolescentes e Drogas do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA) do IPq-HC-FMUSP e presidente do Conselho Científico do CISA.

Mauro Sancovski
Médico especialista em ginecologia e obstetrícia, e professor da Faculdade de Medicina do ABC


Para a psicanalista Vera Zimmermann, “todo ser humano estrutura sua personalidade a partir de identificações que geralmente são pautadas nos modelos familiares, figuras vinculares mais próximas e constantes.” A partir deste ponto de vista, podemos dizer que a família tem um papel central na formação dos jovens e na prevenção dos problemas relacionados ao uso de álcool.

A influência da família e do grupo de amigos em relação ao consumo de álcool foi um dos principais pontos abordados nesta campanha. Outros assuntos como o papel da escola, a proibição da venda bebidas alcoólicas para menores de idade, a ingestão de álcool durante a gravidez e as peculiaridades apresentadas por mulheres alcoolistas também foram tratados pelos especialistas que participaram da campanha.


A influência dos pais

Os entrevistados atribuíram grande importância ao papel da família na formação dos jovens e na prevenção dos diversos problemas que podem ser causados pelo consumo de bebidas alcoólicas.
 
Para a psicóloga Roberta Tito Pereira, “tudo que os pais fazem desperta certa curiosidade na criança. Se o pai está fazendo ginástica a criança quer tentar também, quando a mãe está passando creme a criança quer passar também, se a mãe está cozinhando ela quer cozinhar também”.
 
Em relação à ingestão de álcool, Roberta Tito Pereira afirma que tal atitude também gera curiosidade nas crianças, mas ressalta que o importante é a maneira como os pais se relacionam com a bebida: “a bebida alcoólica deve entrar na vida dos pais como um dos lazeres possíveis e deve ser ingerida moderadamente. Este modelo influencia positivamente, passando para os filhos a idéia de que apesar da bebida dar prazer, ela tem um tamanho limitado na vida das pessoas”.
 
Vera Zimmermann, professora do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, falou sobre o impacto de pais alcoolistas na vida dos filhos. Ela destacou os conflitos com os quais os filhos se deparam quando os pais encontram-se fragilizados pela dependência do álcool. Segundo ela, tais conflitos atrapalham o desenvolvimento da criança e a conduta dos pais pode provocar um isolamento do filho: “a criança, muitas vezes, se retira de situações sociais e evita relações novas por temer a necessidade de fazer aproximações dos amigos com sua família”.
 
A presidente do Conselho Científico do CISA, Sandra Scivoletto, afirma que os pais “devem estar atentos ao exemplo que eles estão dando aos seus filhos” e que “a medida que deve ser tomada está principalmente na atitude dos responsáveis”. A doutora salientou ainda que, na hora de coibir o uso de álcool por parte de jovens e adolescentes, a prevenção afetiva (que parte da família) é mais eficiente do à prevenção pela informação (principal papel da escola).


O que fazer?
Sobre como os pais devem lidar com a questão do consumo de bebidas, os entrevistados destacaram muitos pontos comuns. Além do diálogo aberto com os filhos sobre o álcool, os entrevistados recomendaram que os pais sempre deixem claro o exemplo a ser seguido, que fiquem atentos no comportamento dos filhos e que não os “aterrorizem” com o assunto.
 
Na fase da adolescência, os pais devem ficar mais atentos na maneira como os filhos estão lidando com suas dificuldades pessoais e na ajuda que eles precisam. Para isso, é importante manter um diálogo aberto para que os filhos possam conversar sobre seus problemas. Quanto mais o adolescente se sente capaz de lidar com seus problemas, menor é a chance que ele tem de procurar no álcool uma saída para amenizá-los. O importante é ter conversas esclarecedoras com os filhos. O terrorismo afasta o adolescente podendo cortar um canal de conversas que deve permanecer aberto”.
(Roberta Tito Pereira)
 
Em relação ao álcool tanto quanto nos demais aspectos, o principal é que os pais observem os filhos, saibam o que estão fazendo e onde estão indo. O controle absoluto é impossível e também, creio, não recomendado. O que não pode é os pais ficarem alheios ao cotidiano dos filhos, de modo a sequer perceberem quando, reiteradamente, chegam em casa embriagados. Acredito que a orientação quanto aos riscos, o diálogo, o exemplo e uma intervenção enérgica quando necessária  sejam a melhor estratégia para os pais inibirem a compra e o consumo de bebidas alcoólicas pelos filhos. Creio também equivocadas campanhas que superestimem os danos, e operem na base do amedrontamento, já que o discurso do "terror" parece ineficaz para adolescentes”.
(Flávio Frasseto)


A influência do grupo de amigos
Ao falar dos motivos que podem levar o jovem a fazer uso do álcool, Roberta Tito Pereira sugere que a “simples curiosidade”, o “desejo de ser aceito no grupo de amigos”, a “disposição de querer testar limites e viver experiências novas” podem levar o jovem a experimentar bebidas alcoólicas, e que essas experiências não necessariamente trazem consequências negativas.
 
A professora Evelina Holender, assessora pedagógica e coordenadora do Projeto Adolescência e Saúde do Colégio IL Peretz, afirma que geralmente o que leva os jovens ao consumo de álcool “consiste numa forma de afirmação perante o grupo”.
 
Para Sandra Scivoletto, o que mais influencia o consumo do jovem é o status que o álcool carrega. Segundo ela, “a influência do grupo se dá principalmente na questão da experimentação, isto é, do primeiro contato com a bebida, muito mais do que na manutenção do uso”.
 
Sandra atribui o uso de bebidas a outros fatores que estão relacionados ao status do álcool:  “Muitas vezes, o uso de bebidas alcoólicas está associado à idéia de sucesso, de desinibição, ou de maior facilidade nos relacionamentos amorosos. Esse status do álcool é mais importante que a influência do grupo de amigos isoladamente, pois representa justamente a imagem que o jovem deseja ter, o que também influencia na escolha do grupo. O que geralmente acontece em relação às influências do grupo é a facilidade do primeiro contato do jovem com a bebida, a oportunidade de usar”.
 
Determinadas situações ou determinados lugares, como cocktails, por exemplo, onde são servidas bebidas alcoólicas somente, também levam ao consumo de álcool, segundo Sandra Scivoletto. “O status que o álcool carrega traz às vezes um certo glamour que leva as pessoas a consumirem. É bastante comum que as pessoas bebam para construir uma imagem de si próprio, principalmente quando estão em situações em que devem se expor para outras pessoas”.


O papel da escola

A campanha “uso de álcool e família” tratou também do papel da escola em relação ao consumo de álcool por jovens e adolescentes. A professora Evelina Holender afirma que o uso de bebidas pode comprometer o rendimento escolar do aluno: “um adolescente cujo desenvolvimento neurológico ainda não se completou terá seu desempenho escolar seriamente afetado, seja pelo efeito depressor da droga, seja por ela provocar alterações de comportamento, entre outros males que ela pode causar”.
 
Para contornar o problema do consumo de álcool pelos alunos, Evelina Holender defende a criação de uma política de atuação conjunta entre escola, pais e a comunidade do entorno. Ela fala em “verificar como se processa a venda de álcool nos estabelecimentos da redondeza”, “adotar medidas legais”, “orientar professores e prepará-los com informações científicas atualizadas” e “buscar propostas para elevar a auto estima dos jovens”  sempre dividindo com os pais a preocupação da escola com os jovens.
 
Com relação a programas educativos, Evelina Holender defende programas “que envolvam a saúde física e emocional dos alunos, sem cunho moralista, com base em informação científica atualizada e estratégias que procurem fortalecer os jovens para enfrentar pressões externas”. Mais uma vez, a professora fala em envolver pais de alunos nos trabalhos junto aos alunos, pois “sozinha, a escola não faz prevenção”.
 
A doutora Sandra Scivoletto também defende uma atuação conjunta entre pais e educadores, e adverte: “os pais parecem estar se eximindo do papel que eles têm na formação dos filhos e, muitas vezes, acabam delegando a ‘paternidade’ às escolas. Não se pode esperar que a escola cumpra o papel da família, pois esse papel é insubstituível”.


O uso de álcool por menores de idade
Quando se fala em ingestão de álcool por jovens e adolescentes, acaba-se tocando num assunto bastante delicado que é a proibição da venda de bebidas alcoólicas para menores de idade. Flávio Frasseto, procurador da Vara da Infância e Adolescência de São Paulo, discorreu sobre a legislação concernindo a comercialização de bebidas: “A lei não pune o ato de consumir bebida alcoólica. Assim, o adolescente que foi surpreendido comprando ou consumindo bebida não poderá ser responsabilizado pela Justiça. O que é punido é o ato de vender bebida alcoólica a crianças ou adolescentes”.

Flávio Frasseto falou também sobre a dificuldade de fiscalização na venda de bebidas para menores: “Suponho que a maior fonte de renda, sobretudo dos pequenos estabelecimentos, advém da venda de bebidas em dose, de alto teor alcoólico, daí porque o interesse econômico aliado à falta de fiscalização acaba motivando a transgressão da norma”. Ele também opinou sobre como deveria se dar a fiscalização: “O controle da venda através de posturas municipais, que podem resultar em multa e  possibilidade de cassação de alvará para infratores reincidentes, parece ser mais eficaz no controle da venda do que a criminalização severa da conduta de vender”.


Uso de álcool e gravidez
Outro ponto importante discutido nesta campanha foi a ingestão de álcool durante a gravidez. Mauro Sancovski, médico especialista em ginecologia e obstetrícia, advertiu sobre as principais consequências deste tipo de consumo. Ele salienta que os danos estão vinculados tanto às doses quanto ao tempo de exposição ao risco durante a gestação: “O consumo moderado e eventual de álcool na gestação poderá não trazer repercussões, e esta quantidade se refere a  1 drinque eventual. Os riscos estão associados a doses acima de 28,5 ml de álcool (2 drinques comuns) ou mesmo ao uso isolado de grande quantidade de álcool. Associam-se ao consumo de álcool a restrição do crescimento fetal, o retardamento mental e a síndrome dismórfica fetal.”

Sobre a Síndrome Fetal Alcoólica (SFA), Mauro Sancovski explicou que: “Tal síndrome apresenta alterações faciais, fenda palpebral curta, nariz curto, maxilar hipoplásico, boca com retrognatia, micrognatia ou prognatia), associada a disfunção do sistema nervoso central podendo apresentar retardo mental, microcefalia, hiperatividade e deficiência no crescimento. Estima-se que em alcoólicas intensas a ocorrência da síndrome atinge 56%, com taxa de mortalidade perinatal de 17%”.

Ronaldo Torres, psicólogo clínico do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (PROMUD), abordou a questão do tratamento específico para mulheres dependentes de álcool. Ele explicou que as mulheres, apesar de serem mais suscetíveis aos efeitos do álcool, não são mais vulneráveis ao desenvolvimento da dependência. O risco do desenvolvimento da dependência é igual para homens e mulheres e depende da maneira como cada um se relaciona com a bebida.

A necessidade de haver tratamentos especiais para mulheres alcoolistas se dá, segundo ele, principalmente por causa do forte estigma sofrido pelas mulheres: “o estigma do qual falamos cumpre um papel importante. Como a maior parte dos tratamentos oferecidos é mista em relação ao gênero e a prevalência de homens é bem maior, as mulheres não encontram espaço apropriado nesses serviços, sendo vítimas de preconceitos dos próprios pares, encontrando dificuldades para endereçar suas questões pessoais. Por isso, é imperioso levar em conta a necessidade de criar tratamentos específicos para as mulheres que construam um espaço próprio que atenda suas particularidades e as protejam de estigmas”.

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