sábado, 9 de julho de 2016

Os cafajestes sofredores

Não adianta se envolver com gente que está com a cabeça em outra pessoa

IVAN MARTINS
06/07/2016

Nos aplicativos de encontros, há garotas que avisam logo de cara: se você está enrolado com outra mulher, dispenso a atenção. Acho esperto da parte delas. Não há nada mais frustrante do que se envolver com um cara que parece disponível, mas continua preso a outro sentimento. Cedo ou tarde ele vai causar um grave desapontamento.

Cansei de ver amigos fazer isso, eu mesmo fiz muito, perdi a conta de amigas e conhecidas que quebraram a cara com homens apaixonados por outra mulher.

Outro dia, uma moça me contou que estava prontinha para dormir com um cara quando ele avisou que não poderiam ir para a casa dele, porque morava com a ex-mulher. “Não rola mais nada entre nós, mas é chato”, disse o rapaz. Ela chamou um táxi, deu um beijo na bochecha do sujeito e soltou a frase que quase deu título a esta coluna: “Quando passar, me liga”.

Os homens mentem para si mesmos com tanta convicção que nem percebem que ainda não passou.

Juram que acabou todo sentimento pela ex. Repetem que a mulher que os trocou por outro não representa mais nada. Garantem que estão leves, livres, desimpedidos. Mas é conversa fiada. Na verdade, sentem-se abandonados e carentes. Precisam desesperadamente de colo. Mas, tão logo se levantam da cama onde acabaram de transar, a cabeça deles volta no tempo e viaja na direção do caso mal-acabado. Quem está ao lado percebe o silêncio, o olhar perdido. Se ficar lá vai ter de lidar com o telefonema que não vem no dia seguinte, ou no outro. Que nunca vem, na real.

Falo de homens porque em geral as mulheres costumam lidar com isso de outro jeito. Muitas sabem que ainda estão enroladas e são mais verdadeiras. Avisam que não vai rolar. Ou deixam rolar, mas de uma forma que não se confunde com namoro. Não é perfeito para quem está envolvido com elas, mas pelo menos é claro. Você leva a mulher para jantar – ou se deita com ela – sabendo que a qualquer momento uma mensagem de celular pode tirá-la de você. É uma roubada, mas a placa de advertência está pregada no peito, escrita em letras maiúsculas. Ninguém foi enganado.

Ao contrário das mulheres – que se seguram emocionalmente nas amigas, no trabalho, nos filhos –, os homens ficam miseravelmente vulneráveis em situações de sofrimento amoroso. Se socorrem do carinho de outras mulheres, se refugiam no sexo com elas. A beleza feminina traz conforto para a alma dolorida do sujeito, mas é insuficiente para apagar uma paixão, muito menos um grande amor. Por isso, na manhã seguinte, o sexo ardente e o olhar apaixonado dão lugar à mera educação e cortesia. Senão à impaciência. O efeito analgésico da beleza e do desejo ficou para trás. O sujeito está novamente sozinho com os sentimentos dele, mesmo diante de uma mulher linda de cabelos molhados.

Muitos acharão que não há nada de errado nessa situação. Somos adultos num mundo de adultos, afinal. Todos sabemos com quem estamos nos metendo. Não fazemos escolhas conscientes apenas na prateleira do supermercado. Mas é verdade, também, que nossas expectativas emocionais existem. Não estamos nesta vida apenas pelo sexo. Quem consegue sair meia dúzia de vezes com a mesma pessoa e não se envolver? Só alguém que já está envolvido, eu acho. Quem não está com a casinha bloqueada acaba se apaixonando – então perceberá que o outro é uma espécie de Himalaia emocional, inexpugnável.

Como eu não gosto dessas situações, tento aplicar um código que diz mais ou menos assim: se você saiu três vezes com a mesma pessoa e não se apaixonou, desocupa a vaga. Ou vira amigo. Alimentar as expectativas dos outros para saciar suas próprias carências é sacanagem.

Mas eu posso agir desse modo porque não sou garoto e sei como minhas emoções funcionam. As coisas acontecem ou deixam de acontecer num espaço limitado de tempo. Depois de algum tempo, eu simplesmente sei. Acho que todos sabem. Parto do princípio, ademais, que todo mundo quer aprofundar relações. É parte dos direitos humanos. Se eu não quero, se já saquei que não vou ficar apaixonado, prefiro abrir mão do prazer e da boa companhia e buscar aquele grande sentimento em outro lugar. Há que ter ambição afetiva nesta vida.

(É verdade também que, às vezes, a gente se confunde e se apega de um jeito que faz os outros sofrer, porque desejam mais do que podemos oferecer. Não há muito o que fazer nesses casos, além de permitir que o tempo clareie nossas emoções. A dúvida e a confusão são parte legítima da vida, embora às vezes se confundam com cafajestagem.)

Pelo volume das queixas que escuto, parece haver nas ruas do Brasil um exército de homens dispostos a usar os ombros das mulheres (e outras partes de seus corpos macios) para se consolar de seus amores naufragados. Sem deixar clara a sua condição desesperada de náufragos, veja bem. São os cafajestes sofredores. Sujeitos sensíveis, modernos, sedutores e, no frigir dos bolinhos, tão egoístas como costumam ser aqueles que estão se afogando.

Se você esbarrar num cara desses, e sentir uma inclinação irresistível de apaixonar-se, talvez seja melhor bancar a difícil, sorrir como uma esfinge para o sujeito e usar a frase elegante da minha amiga: “Quando passar, me liga”. Essas coisas, como todos sabemos, passam. Uma hora, o mesmo sujeito aparecerá no seu celular, ou na porta da sua casa, com uma palavra escrita na testa com batom: livre. Ele nem sabe, mas a palavra estará lá, para todo mundo que sabe ler.

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