quinta-feira, 14 de julho de 2016

Por que muitos homens já não querem mais ver pornografia

Ana Freitas 13 Jul 2016

‘Porn reboot’ é o nome do movimento que prega o afastamento dos vídeos pornô da internet. De acordo com os seus integrantes, os benefícios são sociais, sexuais e até físicos e mentais

Existem incontáveis comunidades na internet formadas por homens que trocam diariamente conselhos, dicas e experiências sobre como se manter abstêmio do hábito de assistir a vídeos pornográficos.

Composto por fóruns de discussões e sites-manifesto, o movimento já tem um nome: é conhecido como “porn reboot” (“reinicialização pornô”).

Os integrantes desses grupos são homens de diferentes idades, tipos físicos, classes sociais e origens geográficas que decidem, voluntariamente, se afastar do consumo de pornografia e da masturbação.

E eles não fazem isso por razões morais ou religiosas. O movimento “porn reboot” e seus adeptos defendem que não assistir a vídeos pornô e reduzir a masturbação traz benefícios físicos, psicológicos e sociais.

Os efeitos da pornografia no cérebro
A ciência sabe pouco sobre os efeitos no homem de se assistir a muita pornografia. Ou mesmo os efeitos que a abstinência do hábito pode causar.

No entanto, alguns pesquisadores defendem que a pornografia consumida pela internet tem características muito específicas que atingem um mecanismo ancestral do cérebro humano: o sistema de recompensas.

Por isso, ela tende a causar vício - o que, segundo eles, pode afetar como esses homens estão se sentindo quando tiram a pornografia de suas vidas.

Em 2009, o pesquisador Simon LaJeunesse, da Universidade de Montreal, no Canadá, identificou em uma pesquisa que a maior parte dos meninos de seu país começa a procurar pornografia na internet aos 10 anos.

Existe uma geração de homens que cresceu consumindo pornografia na internet, com frequência e variedade.

Para entender como isso afeta o cérebro, em 2009, LaJeunesse decidiu estudar os efeitos do consumo de pornografia entre homens jovens.

Para isso, ele precisava reunir estudantes dispostos a falar sobre seus hábitos com pornografia na internet e outros estudantes que não consumissem pornografia - e comparar os resultados das perguntas feitas a eles.

O pesquisador precisou cancelar a experiência porque não encontrou jovens universitários que não assistissem a filmes pornô na internet para compor o grupo de controle.

“Imagine se todos os meninos começassem a fumar aos 10 anos e não houvesse nenhum grupo de meninos que não o fizesse. Acharíamos que ter câncer de pulmão é normal, porque não haveria base de comparação”, explicou o pesquisador Gary Wilson, autor do livro “Your Brain On Porn” (“Seu cérebro quando vê pornografia”), em um TED Talk.

A armadilha para o caçador-coletor
Em seu livro, Wilson defende que a oferta virtualmente infinita de pornografia on-line é uma armadilha para o cérebro de caçador-coletor. O motivo é que o cérebro percebe as fêmeas nos filmes pornô como possíveis parceiras.

Para incentivar que o homem siga buscando novas possíveis parceiras para fecundar, o cérebro libera dopamina, um hormônio associado ao sistema de recompensa, que gera sensação de prazer.

No entanto, esse sistema foi construído para lidar com uma oferta baixa de seres atraentes sexualmente. Quando essa oferta é infinita, como é o caso da pornografia disponível na internet, Wilson teoriza que o mecanismo de recompensa faz com que o sujeito siga clicando em busca de um vídeo novo que ative essa sensação prazerosa.

Afinal, a mentalidade é de caçador-coletor: “acumule o máximo que puder porque você não sabe quando terá abundância de novo”, sugere o cérebro.

O resultado, para o pesquisador, é que os sensores de dopamina perdem a sensibilidade e o vício muda o cérebro. O usuário tem como consequências uma hiper reatividade à pornografia, mas uma resposta pouco sensível à qualquer outro tipo de prazer. Os prazeres cotidianos perdem a graça.

Além disso, a força de vontade também é prejudicada. Esse é o mecanismo cerebral para qualquer vício: em comida, em jogos, em videogames, o sistema de recompensa é acionado muitas vezes e acaba gerando perda de sensibilidade.

O que Wilson defende é que o modelo atual de oferta e de acesso à pornografia é quase uma armadilha que leva a esse vício. Se os meninos buscam esse conteúdo aos 10 anos e não têm nenhum tipo de restrição quanto à quantidade de material que podem acessar, já que estão na internet, as chances de que sigam clicando até se viciar são altas.

“Se você começa aos 13 ficando excitado com um [vídeo de] sexo grupal, você forma sua sexualidade baseada nesse cenário. Aí, mais tarde, seu cérebro fala ‘ah, mulher nua, só isso? não quero’”, exemplifica Gabriel Mitsu, de 28 anos, que não assiste mais a pornografia e diz ter percebido uma melhora em sua vida sexual.

Para Wilson, é como se vivêssemos uma epidemia de homens viciados em pornografia. Ele compara esse fenômeno à epidemia de obesidade devida à grande oferta de alimentos com alto teor de açúcar e gordura, que também ativam o centro de recompensa do cérebro e causam vício.

O que sentem os homens que largaram a pornografia
As comunidades de “porn reboot” apresentam técnicas para se desvencilhar do hábito. E recomendam a abstenção de pornografia - às vezes, também de masturbação, mas nunca de sexo com parceiros.

Os homens que fazem parte das comunidades de “porn reboot” na internet apresentam motivos diferentes para interromper o hábito. Alguns relatos dão conta de que decidiram parar porque de alguma forma perdiam muito tempo e energia.

Outros queriam testar o autocontrole ou conservar energia sexual para os parceiros. Em outros casos, esses homens sentiam que a pornografia e a masturbação atrapalhavam sua vida sexual - geralmente, causando disfunção erétil.

“[Depois que eu parei de assistir pornografia] minha vida sexual começou a ficar normal, por assim dizer. Eu não conseguia manter uma ereção perto de uma mulher real até os 22, 23 anos. A mulher nua na minha frente me deixava semierotizado, mas nunca com uma ereção funcional. É que o cérebro se acostumou com o extremo daquele estímulo [a pornografia], então qualquer nuance que não chegava ao extremo não tinha qualquer reação.”
Gabriel Mitsu, 28 anos
Redator

Wilson diz que uma epidemia de disfunção erétil é, provavelmente, o que está fazendo esses homens buscarem ajuda e se afastarem de pornografia. Outros sexólogos e urologistas também já se posicionaram sobre como desconfiam que a oferta digital de pornografia está causando problemas de sexualidade para jovens homens do mundo todo.

Esses homens que voluntariamente estão buscando ficar longe da pornografia serão possivelmente o primeiro grupo de controle para que seja possível analisar, de fato, como o acesso precoce e frequente à pornografia muda o cérebro dos homens.

Os resultados descritos pelos adeptos do “porn reboot” são bastante abrangentes - e, segundo Wilson, são uma prova de que há algo de diferente no cérebro daqueles que não são abstêmios.

Veja alguns dos benefícios que aparecem nos relatos de homens que decidem se afastar de masturbação e pornografia:

As vantagens do ‘porn reboot’, segundo adeptos

SOCIAIS
Mais autoconfiança em situações sociais e relacionamentos, mais interesse por relações interpessoais sem viés sexual, mais sensibilidade com o outro, mais conexão emocional, mais empatia.

FÍSICOS E MENTAIS
Mais energia, sono melhor, clareza mental, mais disposição, mais concentração, memória melhor, relaxamento, menos irritabilidade, mudanças no tom de voz.

SEXUAIS
Ereções mais duradouras, mais interesse pelo prazer sexual dos parceiros, ímpeto sexual mais intenso.

Esses relatos foram coletados pelo Nexo por meio de entrevistas e consulta a fóruns sobre o tema. O designer Rafael Trabasso, de 30 anos, fez um texto para descrever o que mudou depois de um ano sem masturbação e pornografia.

“Passar por um ‘reboot’ não irá te transformar em outra pessoa; suas qualidades, defeitos e particularidades continuarão contigo. No entanto, você terá mais energia e um olhar renovado sobre a vida e as coisas, podendo assim lidar de maneira mais franca com as adversidades e fazer escolhas mais conscientes”, escreveu.

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