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domingo, 3 de julho de 2016

The Good Wife não estava à sombra do marido. Escondia a sombra na dele

Alicia Florrick se identificava com as falhas e o caráter do marido muito mais do que gostaria de assumir para si mesma
CLARICE CARDOSO · JUNHO 25, 2016
Sempre se mostraram enganados aqueles que se fiaram em aparências para decifrar Alicia Florick, a protagonista de The Good Wife vivida por Julianna Margulies. Desde o primeiro episódio, ela se mostra à opinião pública como a mulher que, mesmo traída, aceita posar como a esposa resiliente ao lado de um homem público de pouco ou nenhum escrúpulo.
Sete anos depois, a série chegou ao fim levando a advogada de volta a um lugar semelhante àquele em que a conhecemos: posando ao lado de Peter como testemunha de seu caráter diante da opinião pública. Não pense nem por um segundo que isso significa que Alicia termina o arco da série no mesmo lugar em que começou. Muito pelo contrário.
No trabalho, no amor, e mesmo nas amizades, Alicia recebeu rasteiras impiedosas da vida quando menos esperava. Recomeçar de novo, do zero, tornou-se o mote de sua vida. Situações que pareciam reforçar um determinismo que a levava sempre de volta àquele homem tão poderoso quanto inadequado para sobreviver.
A grande virada, e um dos principais trunfos da produção, é justamente acompanhar o momento em que a sra. Florrick aceita sua sina, mas não como vítima das circunstâncias. Antes, ela vai aos poucos se transformando numa mulher forte, segura, que sabe transformar o que todos apontam como suas fraquezas em plataforma para suas ambições.
Jornalistas internacionais gostam de propagar que a série trouxe à televisão uma perspectiva que acena ao feminismo como o fez, em sua visão, Sex and the City – por mais que a redenção última de suas protagonistas tenha sido ao lado de homens. Também, firmas de advocacia e campanhas políticas são símbolos mais interessantes e preferíveis a lojas de sapatos de grife.
É difícil dizer se The Good Wife pautou o feminismo na televisão ou se foi o corpo que o movimento tomou nos últimos tempos, especialmente nas redes sociais, que obrigou os produtores a levá-lo em consideração, posto que tinham em mãos uma protagonista feminina.
Fato é que Alicia Florrick floresce diante de nossos olhos ao longo de sete anos num mundo antes dominado pelos “homens difíceis”. São sujeitos complexos e controversos, com quem a identificação e empatia do público não se dá de forma simples, e cujas ações muitas vezes flertam com o indefensável. Se é verdade que ela não chega de fato a pisar nesse território, sempre se esforçou para ser mais do que apenas outro programa de TV aberta americana – campo conhecido pelo conservadorismo em termos ficcionais.
Nos episódios que encaminhavam para o desfecho, The Good Wife já mostrava sinais de cansaço e parecia recorrer a velhas fórmulas. Como quando Lucca e Jason conversavam sobre Alicia num bar, num cena que bem poderia ter sido encenada por Kalinda e Will alguns anos atrás. Dois personagens que, inclusive, eram mais bem construídos e intrigantes que suas contrapartes.
Quando uma produção decide-se pelos finais abertos, sem poucas respostas prontas e amarradinhas, a narrativa tende a ganhar pelas possibilidades de interpretação que oferecem. Terminamos sabendo pouco ou nada sobre a inocência ou culpa de Peter ou sobre o futuro das relações de Alicia com aqueles à sua volta, mas isso nos revela mais sobre a protagonista do que qualquer epílogo poderia oferecer.
A questão é que, de certa forma, nenhuma dessas questões jamais importou muito para a mulher do governador. Estar ao lado de Peter, ela mesmo explica, é benéfico para sua carreira, por isso o mantém por perto a despeito de tudo. Pouco importa, portanto, a responsabilidade que ele possa ter nos crimes de que é acusado, contanto que siga servindo de espelho e escada para a ambição pulsante que Alicia leva dentro de si. A verdadeira essência daquele homem, na verdade, pouco importa para Alicia e seu público.
É interessantíssimo ter a oportunidade de acompanhar o crescimento de um personagem feminino forte, cujos criadores não pautam suas escolhas pela necessidade de torná-la mais “palatável”. Santa Alícia é falha, humana. Toma decisões controversas, erra.
Nas últimas cenas da série, temos a certeza de que ela leva mais de Peter dentro de si do que pensávamos, e é um bom sinal que tenhamos aprendido com ela a não julgá-lo de forma precipitada. Talvez toda a “paciência” demonstrada ao longo de toda a primeira temporada fosse já um indício de que Alicia se identificava com as falhas e o caráter do marido muito mais do que gostaria de deixar transparecer ou de assumir para si mesma. Ela nunca esteve à sua sombra. Ela compartilhava com ele.

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