Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, ambas de 24 anos, descobriram no movimento feminista um caminho importante: ajudar as mulheres em situação de violência a buscarem seus direitos
06.09.2016 - POR DANIELA CARASCO
As advogadas Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, ambas de 24 anos, fazem parte deste quadro. Feministas declaradas, elas decidiram promover a igualdade de gênero por meio do acolhimento abrindo um escritório voltado ao atendimento de mulheres, o “Braga & Ruzzi”, que começou a funcionar no fim de maio.
“A gente sentiu que existia uma demanda muito grande de mulheres por advogadas feministas ou que fossem mais sensíveis”, contou Ana Paula em entrevista à Marie Claire. “Dos casos de divórcio aos de pensão, passando por estupro e violência doméstica, existe uma carência de atendimento e julgamento que entendem as especificidades femininas. Precisamos exigir que o Poder Judiciário considere a igualdade de gênero, temos que trazer teses jurídico-feministas para o Direito.”
Apesar do lançamento recente, elas já contam com um número inesperado de clientes, muitas delas motivadas pela recente mobilização contra a cultura do estupro.
A seguir, Ana Paula e Marina falam do machismo ainda presente no Poder Judiciário, do despreparo das autoridades no atendimento às vítimas e de algumas questões ainda desconhecidas pelas mulheres no que diz respeito à luta por mais direitos.
Marie Claire – O Direito no Brasil ainda é machista?
Ana Paula Braga - O Direito foi criado pelos homens e para os homens. Embora na nossa Constituição exista o ideal de que homens e mulheres são iguais perante a lei, a gente não nota isso na prática, porque ainda existe uma desigualdade estrutural, que prejudica as mulheres. Isso implica em dificuldades para levar o caso adiante, situação que não é comum aos homens.
Marina Ruzzi – Em casos específicos de violência de gênero, que normalmente acontece entre quatro paredes, as vítimas não têm gravação, nem testemunha. Ou seja, é a palavra dela contra a do agressor. E a voz feminina muitas vezes não é ouvida. A mulher é constantemente revitimizada pelo Estado. E isso impede que elas denunciem ou sigam adiante com a queixa.
MC – Faz diferença vítimas mulheres serem defendidas e julgadas por mulheres?
MR – Só a gente sabe o tipo de violência que sofremos, o quanto a nossa palavra não é ouvida ou valorizada. Quando nos deparamos com uma mulher sofrendo algum tipo de violência, sabemos da dificuldade enfrentada e agimos para ajudá-la.
MC – Existe um despreparo das autoridades no trato de casos de violência contra a mulher?
AP – Existe um prazo de seis meses para que a mulher preste a queixa na delegacia. Esse tempo é muito curto para ela entender o que sofreu e ter coragem de denunciar. Se esse período for estourado, o exame de corpo delito não aponta vestígios. Em alguns casos, a violência não chega nem a deixar marca. E aí a vítima acaba sendo desacreditada pela autoridade. Isso sem falar nas perguntas sem cabimento feitas pelos oficiais: ‘Por que estava na rua naquela hora?’, ‘Por que sozinha?’, ‘Por que bebeu?’, ‘Que roupa usava?’.
MR – Falta sensibilidade. O tratamento por parte das autoridades também muda quando a vítima está desacompanhada de um advogado. Mas é quando está sozinha que ela precisa de mais cuidado, de alguém amparando seus direitos.
MC – Qual o primeiro passo que uma mulher deve tomar na hora da denúncia?
AP- É importante saber que não basta fazer o Boletim de Ocorrência neste prazo de seis meses. É necessário fazer uma Representação, que significa expor claramente o desejo de processar o agressor e solicitar que a denúncia seja investigada criminalmente. O problema é que muitas autoridades não informam isso.
MR – Quando você faz só o B.O., essa queixa não segue adiante, vira só uma estatística, não um inquérito policial. Neste caso, ela perde a chance de processar.
MC – Quais outras questões as mulheres ainda desconhecem no sentido de buscar ajuda e denunciar?
MR – É importante saber que a Lei Maria da Penha prevê vários tipos de violência, inclusive a sexual. Isso vale para casos em que o companheiro a obrigada a tomar pílula, abortar ou seguir com uma gravidez quando o aborto é possível, ou seja, invade o corpo ou a intimidade da mulher dentro de uma relação familiar ou conjugal.
AP – A Lei Maria da Penha também não se trata de uma estratégia só contra agressão física. A violência doméstica envolve ainda violência psicológica - da ameaça ao controle de ações, como regular conversas, não deixar trabalhar... Tudo isso é relacionamento abusivo e está protegido por ela.
MC – O que é preciso melhorar no atendimento das vítimas?
AP – Sem dúvida, a humanização do atendimento, do acolhimento. Além disso, a mulher precisar prestar depoimento diversas vezes durante o processo, e isso faz com que ela reviva o trauma inúmeras vezes. É terrível. Em relação à violência sexual, na teoria, a mulher que foi estuprada pode se dirigir ao IML fazer o corpo delito e receber o coquetel retroviral e a pílula do dia seguinte. Porém, na prática, eles vão exigir dela um B.O. Se ele não estiver nas mãos, tem toda a espera prolongada na delegacia. E se ela pular etapas e se dirigir previamente ao hospital por estar machucada, a prova se perde.
MR – Em caso de violência doméstica, a Lei Maria da Penha prevê atendimento multidisciplinar às vítimas. Como é um ato que mexe com a nossa autoestima e psicológico, o Estado tem a obrigação de oferecer profissionais aptos a atendê-las em um tempo hábil. Poucas cidades, no entanto, tem estrutura pra isso, que quando acontece é só seis meses após a queixa ter sido prestada. Fora que é um atendimento previsto apenas em casos de violência doméstica, mas deveria ser estendido a outros âmbitos.
MC – A criação da Delegacia de Defesa da Mulher 24 horas [aberta em São Paulo] é um avanço importante?
AP – Sem dúvida. À noite, numa delegacia comum, a mulher vítima de violência vai disputar espaço com outros crimes. Uma vez eu estava de madrugada prestando queixa de um furto e encontrei uma moça que havia sido vítima de um estupro coletivo. Ela estava há cinco horas esperando sozinha pelo atendimento, porque todo flagrante passava na frente. Só quando decidi acompanhá-la como advogada, os policiais a atenderam.
MC – Como ajudar as vítimas a tomar a iniciativa de denunciar?
MR – O trabalho do convencimento é o mais difícil. O homem costuma minar completamente a autoestima dela, que acaba se culpando pelo ocorrido. Além disso, rola um sentimento por aquele cara que é o agressor, mas também o companheiro dela. O primeiro passo é trabalhar o empoderamento da mulher para que ela perceba que a conduta abusiva não é aceitável, não é amor. Através da denúncia, a gente consegue fazer um trabalho de conscientização de toda a sociedade, para que todo mundo entenda que a violência contra a mulher é inaceitável.
AP - Para isso a gente precisa trabalhar grupos de mulheres mesmo. Quando a gente compartilha e fala sobre as coisas, conseguimos perceber que aquela situação foi violenta. Quando ela ouve relatos de denúncia que foram efetivos, se sente mais estimulada a denunciar. O movimento feminista é importante pra isso.
Marie Claire
MC – Faz diferença vítimas mulheres serem defendidas e julgadas por mulheres?
MR – Só a gente sabe o tipo de violência que sofremos, o quanto a nossa palavra não é ouvida ou valorizada. Quando nos deparamos com uma mulher sofrendo algum tipo de violência, sabemos da dificuldade enfrentada e agimos para ajudá-la.
MC – Existe um despreparo das autoridades no trato de casos de violência contra a mulher?
AP – Existe um prazo de seis meses para que a mulher preste a queixa na delegacia. Esse tempo é muito curto para ela entender o que sofreu e ter coragem de denunciar. Se esse período for estourado, o exame de corpo delito não aponta vestígios. Em alguns casos, a violência não chega nem a deixar marca. E aí a vítima acaba sendo desacreditada pela autoridade. Isso sem falar nas perguntas sem cabimento feitas pelos oficiais: ‘Por que estava na rua naquela hora?’, ‘Por que sozinha?’, ‘Por que bebeu?’, ‘Que roupa usava?’.
MR – Falta sensibilidade. O tratamento por parte das autoridades também muda quando a vítima está desacompanhada de um advogado. Mas é quando está sozinha que ela precisa de mais cuidado, de alguém amparando seus direitos.
MC – Qual o primeiro passo que uma mulher deve tomar na hora da denúncia?
AP- É importante saber que não basta fazer o Boletim de Ocorrência neste prazo de seis meses. É necessário fazer uma Representação, que significa expor claramente o desejo de processar o agressor e solicitar que a denúncia seja investigada criminalmente. O problema é que muitas autoridades não informam isso.
MR – Quando você faz só o B.O., essa queixa não segue adiante, vira só uma estatística, não um inquérito policial. Neste caso, ela perde a chance de processar.
MC – Quais outras questões as mulheres ainda desconhecem no sentido de buscar ajuda e denunciar?
MR – É importante saber que a Lei Maria da Penha prevê vários tipos de violência, inclusive a sexual. Isso vale para casos em que o companheiro a obrigada a tomar pílula, abortar ou seguir com uma gravidez quando o aborto é possível, ou seja, invade o corpo ou a intimidade da mulher dentro de uma relação familiar ou conjugal.
AP – A Lei Maria da Penha também não se trata de uma estratégia só contra agressão física. A violência doméstica envolve ainda violência psicológica - da ameaça ao controle de ações, como regular conversas, não deixar trabalhar... Tudo isso é relacionamento abusivo e está protegido por ela.
MC – O que é preciso melhorar no atendimento das vítimas?
AP – Sem dúvida, a humanização do atendimento, do acolhimento. Além disso, a mulher precisar prestar depoimento diversas vezes durante o processo, e isso faz com que ela reviva o trauma inúmeras vezes. É terrível. Em relação à violência sexual, na teoria, a mulher que foi estuprada pode se dirigir ao IML fazer o corpo delito e receber o coquetel retroviral e a pílula do dia seguinte. Porém, na prática, eles vão exigir dela um B.O. Se ele não estiver nas mãos, tem toda a espera prolongada na delegacia. E se ela pular etapas e se dirigir previamente ao hospital por estar machucada, a prova se perde.
MR – Em caso de violência doméstica, a Lei Maria da Penha prevê atendimento multidisciplinar às vítimas. Como é um ato que mexe com a nossa autoestima e psicológico, o Estado tem a obrigação de oferecer profissionais aptos a atendê-las em um tempo hábil. Poucas cidades, no entanto, tem estrutura pra isso, que quando acontece é só seis meses após a queixa ter sido prestada. Fora que é um atendimento previsto apenas em casos de violência doméstica, mas deveria ser estendido a outros âmbitos.
MC – A criação da Delegacia de Defesa da Mulher 24 horas [aberta em São Paulo] é um avanço importante?
AP – Sem dúvida. À noite, numa delegacia comum, a mulher vítima de violência vai disputar espaço com outros crimes. Uma vez eu estava de madrugada prestando queixa de um furto e encontrei uma moça que havia sido vítima de um estupro coletivo. Ela estava há cinco horas esperando sozinha pelo atendimento, porque todo flagrante passava na frente. Só quando decidi acompanhá-la como advogada, os policiais a atenderam.
MC – Como ajudar as vítimas a tomar a iniciativa de denunciar?
MR – O trabalho do convencimento é o mais difícil. O homem costuma minar completamente a autoestima dela, que acaba se culpando pelo ocorrido. Além disso, rola um sentimento por aquele cara que é o agressor, mas também o companheiro dela. O primeiro passo é trabalhar o empoderamento da mulher para que ela perceba que a conduta abusiva não é aceitável, não é amor. Através da denúncia, a gente consegue fazer um trabalho de conscientização de toda a sociedade, para que todo mundo entenda que a violência contra a mulher é inaceitável.
AP - Para isso a gente precisa trabalhar grupos de mulheres mesmo. Quando a gente compartilha e fala sobre as coisas, conseguimos perceber que aquela situação foi violenta. Quando ela ouve relatos de denúncia que foram efetivos, se sente mais estimulada a denunciar. O movimento feminista é importante pra isso.
Marie Claire
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