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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O Brasil no topo de um ranking vergonhoso

Governo americano aponta o Brasil como um dos que mais dificultam o retorno para os EUA de crianças retidas ilegalmente no país por mãe brasileira

Sete anos após a resolução do emblemático caso do menino Sean — a dramática disputa de um pai americano pela guarda do filho trazido ilegalmente para o Brasil pela mãe brasileira –, um caso semelhante volta a mobilizar políticos americanos e a ganhar contornos de conflito diplomático. O enredo é o mesmo: americano tem filho com brasileira, que traz a criança para passar as férias no Brasil e decide não voltar. Para reaver o filho, o pai é obrigado a recorrer à  Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, a chamada Convenção de Haia, da qual o Brasil é signatário desde 2000, e litigar em diversas instâncias da Justiça brasileira em processos intermináveis.

A disputa atual gira em torno do destino de N., filho de 6 anos do médico americano Christopher Brann com a brasileira Marcelle Guimarães. Marcelle, que se separou de Brann em 2012,  trouxe o menino para passar as férias em Salvador em julho de 2013, obteve a guarda do filho na Justiça da Bahia e por lá ficou.

Em julho deste ano, após perder um recurso na Justiça Federal, e diante da perspectiva de uma longa batalha judicial, Brann recorreu ao Congresso americano, pedindo sanções contra o Brasil por descumprimento da convenção de Haia. O pedido de Brann tem base no Sean and David Goldman Act, uma legislação aprovada pelo Congresso americano em 2014 que prevê punições contra países que não se empenham na resolução de casos de sequestro internacional de menores envolvendo um de seus pais. Entre as sanções possíveis estão o cancelamento de reuniões, cooperação e visitas bilaterais, além da suspensão de assistência nas áreas de segurança e desenvolvimento.

Brann disse ao Opinião e Notícia que procurou o escritório do senador Ted Cruz, republicano que chegou a disputar a nomeação do partido à presidência este ano, e que Cruz tem pressionado o Departamento de Estado dos EUA a tomar medidas mais duras contra países que não respeitam a convenção de Haia. Brann também tem mobilizado outros pais americanos em situações semelhantes e, junto a outros seis, enviou no mês passado uma carta ao secretário de Estado, John Kerry, pedindo uma postura mais contundente do governo Obama no enfrentamento desses casos.

Durante uma coletiva de imprensa sobre sua luta no Brasil, em novembro do ano passado, Brann recebeu o apoio de David Goldman, protagonista do caso que serviu de inspiração para a passagem da lei americana. Na ocasião, Goldman, que levou quase cinco anos para reaver o filho, Sean, acusou o Brasil de ser “um buraco negro para o sequestro de crianças”. “O tempo passa com recursos intermináveis, enquanto a criança está crescendo e perdendo metade de sua identidade. Isso é um crime”, afirmou Goldman.

Buraco negro 
O Departamento de Estado americano divulga um relatório anual listando os países que dificultam o cumprimento da Convenção de Haia sobre sequestro parental de menores. O último relatório, com dados de janeiro a dezembro de 2015, coloca o Brasil em uma lista de 11 países que, embora tenham ratificado a Convenção de Haia, não cumprem suas obrigações enquanto signatários. Nessa lista de países que ratificaram o acordo mas não o respeitam, o Brasil registrava, entre janeiro e dezembro de 2015, o maior número de casos de “sequestros parentais” denunciados por americanos no Brasil – 25 no total–, além de ter o maior o número de casos sem resolução: 59%. A maioria dos casos denunciados no Brasil estão pendentes na Justiça por pelo menos dois anos.

Um porta-voz da embaixada americana em Brasília destacou ao Opinião e Notícia que o Departamento de Estado dos EUA considera esses casos de alta prioridade e confirmou a possibilidade, prevista na legislação que leva o nome de David Goldman, de aplicar sanções contra países faltosos.

“Citamos o Brasil repetidamente por falhas no cumprimento de suas obrigações dentro da Convenção de Haia sobre Sequestro Internacional”, disse o porta-voz. “Continuamos preocupados que os atrasos nos tribunais estejam impedindo o Brasil de cumprir com suas obrigações diante da Convenção e continuaremos a instar as autoridades brasileiras a aprimorar o processo de Haia”.

O relatório de 2015 aponta a demora do judiciário brasileiro em resolver as disputas como o quesito mais problemático no país. Além da demora, muitos juízes ignoram o acordo internacional e decidem em prol da mãe brasileira, mesmo quando reconhecem que a transferência do menor foi ilícita, sob o argumento de que a criança está feliz e adaptada à vida no país. Vale lembrar que o Brasil, uma sociedade historicamente patriarcal onde cuidar das crianças sempre foi visto como papel da mãe, uma lei priorizando a guarda compartilhada quando não há acordo entre pais separados só foi aprovada em dezembro de 2014.

Segundo a carta enviada a John Kerry por Brann e outros pais, a única vez que o Brasil devolveu, por ordem judicial, uma criança retida ilegalmente no país pela mãe foi Sean Goldman em 2009, e isso apenas após a morte da mãe e quando o Senado americano resolveu retaliar, suspendendo a votação de uma lei que estenderia por um ano a isenção de tarifas para algumas exportações brasileiras. A isenção sobre 10% do total exportado para os EUA está prevista no Sistema Geral de Preferências (SGP), programa que precisa ser renovado anualmente pelo Congresso americano e que rende ao Brasil uma economia de cerca de US$ 2 bilhões por ano.

Sem fim à vista
Brann diz que tem esperanças de que seu governo empregue todos os instrumentos à sua disposição, incluindo a suspensão da isenção de tarifas comerciais, para pressionar o governo brasileiro a agilizar seu processo. Ele conta que uma das medidas tomadas pelo Senado foi postergar a nomeação do novo embaixador dos EUA para o Brasil, Michael McKinley — indicado pelo presidente Obama em maio deste ano. O Senado confirmou a nomeação de McKinley apenas na última quinta-feira, 8, após o Departamento de Estado prometer medidas mais contundentes contra países que não respeitam a Convenção de Haia, segundo Brann.

Ele não acredita, porém, que vai obter uma decisão favorável e reaver o filho ainda neste ano. “A probabilidade de que eu possa trazer meu filho de volta antes do final do ano é 0%. Sua mãe vai continuar a recorrer, mesmo que a decisão venha do STF, e o Brasil não parece disposto a impôr uma ordem de devolução enquanto a mãe brasileira estiver lutando ativamente na Justiça”, diz.

Brann já veio ao Brasil 16 vezes para visitar o filho desde 2013. Quando está no país, por determinação da Justiça, suas visitas são monitoradas por guardas armados. Ele calcula uma despesa de US$ 15 mil a cada viagem, custo que está se tornando proibitivo, diz. Além disso, uma decisão judicial o obriga a pagar pensão de R$ 11 mil por mês à ex-mulher.

“A Justiça brasileira quer que eu financie o sequestro do meu próprio filho”, lamenta. “Mas, não há nada que eu possa fazer a não ser continuar lutando. Acredito que o meu filho tenha o direito de ter ambos os pais em sua vida e é para isso que estou lutando”.

Entre 2013 e 2015, houve 161 pedidos de restituição de crianças entre Brasil e EUA, dos quais dois terços diziam respeito a crianças  americanas trazidas para o Brasil.

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