sábado, 17 de dezembro de 2016

Dilema: nos seus relacionamentos, você é mãe ou namorada?

15.12.2016 | POR DOLORES OROSCO

É você quem decide o que seu parceiro vai jantar, vestir ou fazer? Costuma organizar a agenda dele, dar conselhos e paparicá-lo como um filho? Então cuidado: embora pareça excesso de carinho, esse comportamento é o inimigo número 1 do romance

Após um sofrido mês de separação, a secretária Eliane de Oliveira Rezende, 50 anos, percebeu que o amor ainda era maior que a mágoa e resolveu dar uma chance ao ex, o empresário Ivo Moscatelli Júnior, 44, com quem estava havia cinco anos. Por iniciativa dela, foram à terapia de casal tentar acabar de vez com a crise que levou ao rompimento da relação. No divã, Eliane desabafou. “Sempre cuidei mais do Ivo que de mim. Se ele precisa de alguma coisa no trabalho, resolvo tudo com uma pesquisa no Google e mensagens de WhatsApp. Quando entra no banho, já deixo a roupa que vai usar separadinha. Organizo as contas, os remédios, decido o que vai comer... Enfim, sou uma parceirona!”, gabou-se, até levar uma dura do analista. “Quer mesmo resgatar seu casamento? Então pare com tudo isso. Agindo assim, você não está sendo parceira, mas a mãe do seu marido.”

Pequenos gestos de carinho e cuidado são comuns em toda história de amor. Mas há mulheres que, como Eliane, exageram. Apesar de trabalharem fora e terem uma rotina corrida, arranjam tempo para cuidar mais da vida do parceiro que da própria. Decidem a alimentação, as roupas, solucionam problemas profissionais e adivinham as vontades do namorado ou marido antes mesmo que ele as tenha. Sempre amorosas e controladoras, como costumam ser as mães, tratam de seus filhos mimados.

Eliane sentiu na pele o pior dos efeitos dessa “maternidade”: quase viu seu casamento – o terceiro – chegar ao fim. “Transformei os cuidados com o Ivo em obrigação. Sem perceber, tirava dele o direito de decidir o que queria, porque já ia resolvendo tudo”, conta. “Meu marido ficou dependente de mim, não fazia mais nada sozinho. Vivia cansada, estressada, dando ordens e sendo autoritária com ele.” Ivo afirma que até o tesão foi diminuindo nessa dinâmica de “mãe e filho” do casal. “A Eli queria que eu a seduzisse, mas fui perdendo o jeito. Como em tudo era sempre ela quem tomava a iniciativa, o sexo acabou afetado”, diz ele.

Segundo a coach de relacionamento Miria Kutcher, autora do livro O que os Homens Querem? (All Print, 160 págs., R$ 35), mulheres que agem como “mãezonas” da relação, em geral, se orgulham da posição de “salvadoras da pátria”. Até o ponto em que se sentem sobrecarregadas. “Relações são feitas de acordos, muitos deles não verbais. Quem assume esse papel maternal e disciplinador não consegue mais ser aquela que também precisa ser amada e protegida”, explica. “Algumas passam a enxergar o parceiro como um peso. E aí o tesão acaba mesmo. Quem quer transar com alguém que só dá trabalho?”, questiona Miria.

Vida mansa
Estar na posição do “filhão”, entretanto, tem um lado positivo para alguns homens. O personal trainer Guilherme Luiz Pinto da Silva, 33, acredita que a relação com a terapeuta ocupacional Luciana Mauricio, 36, o fez amadurecer. O casal está junto há nove anos e tem um filho, Pietro, 3. “Ela foi minha primeira namorada séria e a que me botou na linha. Saí da casa dos meus pais, que faziam de tudo para mim, para nos casarmos”, conta Guilherme. “Quando era solteiro, gastava todo meu dinheiro com bobagens e baladas. Até que a Lu me abriu os olhos: ‘Quando é que você vai pensar no futuro?’. Hoje, deposito o que ganho na conta dela para que administre meus gastos. Alguns dos meus alunos pagam pelos treinos diretamente para ela.”

Mesmo para atividades pessoais, Guilherme “pede permissão” à mulher. “Tenho quatro skates e cinco pranchas de surfe em casa. Sempre quero comprar mais alguns, mas ela não deixa. Então falo com jeitinho e a convenço”, diz, aos risos. Luciana reconhece o amadurecimento do marido, mas garante que ainda falta muito para que Guilherme deixe de ser seu “filho mais velho”. “Quando fomos morar juntos, foi um caos. Ele via a pia transbordar de louça suja e não era capaz de lavar um prato. Parecia que eu tinha adotado um adolescente”, recorda. “Sou eu quem ainda compro suas roupas, mas pelo menos os artigos pessoais, tipo desodorante e escova de dente, ele providencia.”

O psicólogo Fred Mattos, autor de Relacionamento para Leigos (Alta Books, 432 págs., R$ 72) afirma que as “mães da relação” costumam sempre se apaixonar por homens mais imaturos. Enquanto para eles é cômodo ter alguém resolvendo tudo como mágica, elas se satisfazem em seu “vício de controle”. “A mulher que toma decisões pelo parceiro, no fundo, tem medo de lidar com as escolhas dele. A intimidade com uma pessoa madura exporia suas inseguranças e vulnerabilidades,” Por isso, preferem ter ao lado um namorado ou marido que dependa delas.  

A enfermeira Kelly Aparecida de Souza Pereira, 40, conta que assumiu a posição de “mãezona” ainda no início da relação de seis anos com o treinador Luiz Antonio Ribeiro, 47. “O Luiz é jogador de futebol e desde criança viajava muito para os campeonatos. Praticamente viveu em hotéis. Então, quando estava na casa dos pais, era tratado com todo o mimo e não fazia nada”, explica. “Ele levou esse comportamento para o nosso casamento e, sem querer, fui me tornando a ‘segunda mãe’ dele.”

Kelly assume que, no início, gostava de cercar o marido de cuidados. Mas, aos poucos, foi se estressando. “Se peço que pague nossas contas, perde os boletos ou esquece a data do vencimento. Quando quebra algo, sou eu quem sai correndo para arrumar. Já brigamos tanto por isso...” Com o nascimento da filha, Malu, 4, ficou sobrecarregada. “Às vezes, sinto muita vontade de ter outro bebê. Mas aí penso: ‘Pra quê, se tenho meu marido que age como um filho mais velho?’.”

Conflito em todas as idades
As “mãezonas da relação” não costumam ser apenas mulheres mais velhas. Entre os casais de “millennials” – a geração Y, aquela nascida de 1982 até meados da década de 1990 –, também há garotas com esse perfil. Caso da relações-públicas Rafaela Rebouças, 24, e do economista Jonathan Yang, 25, juntos há dois anos. Há um ano, decidiram morar juntos – ele deixou a casa dos pais para viver no apartamento da namorada. “Faço o almoço quase todos os dias. Caso contrário, o Jonathan acaba preparando um miojo. Quando sai do trabalho, me liga para que eu vá buscá-lo de carro”, enumera Rafaela.

Jonathan diz que gosta de se sentir cuidado pela parceira, embora muitas vezes se pegue repetindo frases que dizia aos pais. “Outro dia estava jogando videogame e Rafa me perguntou o que eu queria almoçar. Ficou superbrava porque não respondi na hora...”, conta, aos risos. “Às vezes, fico incomodado e me sinto meio infantil. Não consigo relaxar e aproveitar o momento, porque a Rafa quer que eu faça as coisas na hora em que manda.”

O psicólogo Fred Mattos diz que nem sempre esse comportamento nas relações se resume a um traço de personalidade feminina. “Essas mulheres colocam suas aspirações e desejos embaixo do tapete para viver a vida e os problemas do outro”, afirma o especialista. A coach Miria Kutcher faz coro. “Há muita insegurança. Enquanto estão ali, onipresentes na rotina do namorado ou do marido, elas se sentem poderosas e essenciais para o parceiro. Agem assim como se precisassem corresponder a uma expectativa de serem uma supermulher.”

Eliane e Ivo, o casal do início desta reportagem, retomaram o casamento há três meses. Em comum acordo, decidiram continuar morando em apartamentos separados para que ele ficasse mais independente e ela, menos controladora. Encontram-se de duas a três vezes por semana. “Agora o Ivo tem seu próprio mundinho: é ele quem organiza as contas, o guarda-roupa, a agenda de compromissos”, conta a ex-atual-mulher. “Parece que estamos namorando de novo, está supergostoso. Confesso que às vezes fico angustiada querendo saber se está tudo bem, mas me controlo. Só ligo toda noite pra saber se ele jantou.”

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