domingo, 11 de dezembro de 2016

Por que ler o “Guia prático do feminismo”?

Fernanda Valente
10 de dezembro de 2016
Rosa Luxemburgo disse em uma de suas frases célebres que “quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. Em pleno século XXI, continuamos assistindo inúmeros casos de feminicídio, que nada mais são do que reflexo dessa sociedade machista, misógina e patriarcal. Ainda assim, por mais complicado que seja perceber e procurar sair dessas amarras, as mulheres estão cada vez mais abertas para o diálogo sobre as correntes que as prendem. E para fazer deste um debate realmente efetivo e que abrace cada vez mais mulheres, cabe acrescentar uma palavra-chave nesse mar desconhecido: o feminismo.
O movimento, que luta pela equidade de gêneros, está em ascensão hoje talvez com mais fervor do que nunca esteve. Um tanto porque as mulheres estão lutando mais por seus direitos, outro tanto porque a mídia percebeu que ignorar a presença delas (a nossa presença) em todas as esferas é besteira total. No entanto, ao mesmo tempo em que pautas sobre assédio, representatividade, aborto, empoderamento e igualdade são amplamente debatidas, cresce paralelamente o conservadorismo e a reprodução de estereótipos como o de que a mulher deve ser “bela, recatada e do lar”. Abre parênteses. Que atraso, hein? Fecha parênteses. E tudo bem se a mulher quiser adotar e viver esse estilo, mas aqui vale uma ressalva: a escolha cabe a ela e somente a ela.
Pensando nisso, Marcella Rosa – mulher, feminista e filósofa – procurou sintetizar os principais pontos sobre o movimento, explicando tudo ‘tim tim’ por ‘tim tim’ em seu livro “Guia prático do feminismo – como dialogar com um machista“.
De forma simples, o livro funciona realmente como um guia para o leitor, seja homem, mulher ou transgênero, que pretende entender desde a opressão que as mulheres sofrem todos os dias, física e psicologicamente, até o momento de emancipação feminina – e a importância disso. Marcella apresentou em um capítulo alguns tipos de machista como o machista feministinha, machista old school, machista piadista, machista sensível, machista cão-guia etc. Joana D’arc também ganhou um capítulo para que sua história não seja só conhecida, mas sirva de inspiração no debate sobre o mito da beleza, por exemplo.
Há também duras críticas à indústria da reprodução de imagens – que coloca mulheres brancas como fragéis, mulheres negras como produtoras de desejo e mulheres lésbicas como objeto de fetiches, por exemplo -, culpabilização da vítima e ainda uma pincelada em relacionamentos abusivos.

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Falando sobre tudo isso, acredito que inúmeras foram as vezes que Marcella ouviu algo como “ah, você é feminista”. Ouso dizer que não foi em um tom de elogio que esse comentário se fez. Nas palavras otimistas da autora, “apesar de difícil, a mudança é possível e toda a sociedade e suas pessoas e instituições precisam participar”. Ela cita ainda a campanha HeForShe (em português #ElesPorElas), criada pela ONU Mulheres, em 2014, como um esforço mundial para que mudanças sejam não só pessoais, mas que atinjam grandes escalas e saiam da “bolha cômoda” onde esse tipo de conversa é acolhida com facilidade.
Neste debate sagaz, o livro parte também de experiências pessoais para propor o que ainda precisa ser feito visando que mulheres conversem entre si, engrossando o caldo com empatia e sororidade e assim, parem de anular, consciente e inconscientemente, a personalidade de outras.
“A competição é uma das maiores armas do patriarcado, postas em competição, as mulheres não se unem o suficiente. Simone di Beauvoir já disse isso muito bem que ‘a força do opressor está na cumplicidade de alguns oprimidos'”.  
Nesse sentido, a competição entre as mulheres acaba por fazer a manutenção de um discurso machista – e é justamente o que Marcella se debruça a estudar e buscar formas de lutar para que não continue a acontecer.
O livro dá voz também ao que tantas mulheres tem vontade de dizer e está engasgado: precisamos de meninas em todos os ambientes; precisamos que mulheres sejam respeitadas independente da roupa que estão vestindo; precisamos de representatividade; faltam políticas públicas no que diz respeito ao aborto; precisamos que homens entendam que não estão “ajudando” ao cuidar dos filhos numa madrugada ou ao lavar a louça do jantar: isso é uma tarefa deles também. A lista é enorme.
Se você é homem e está pensando duas vezes antes de se aventurar na leitura deste livro, o recado de Marcella é que “não é que depois de ler isso você precisa agir de outra forma. Mas suas ações não nascerão da ignorância”. Aliás, um dos “pedidos” da autora é para que mulheres e homens conversem sobre feminismo, afinal, não vivemos em constante dicotomia. E assim como a premiada autora nigeriana Chimamanda Adichie explicou, “a questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos.”
Já passou da hora de repensar privilégios. Cá entre nós, homens e mulheres, “ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”, já disse o grupo Racionais MCs. Guia prático do feminismo é leitura essencial para quem se importa em dialogar horizontalmente sobre um futuro – que torço para que esteja bem próximo -, onde meninas possam circular na rua sem medo, possam estudar e trabalhar sem ter a preocupação de se “provarem” boas o suficiente e, mais ainda: um futuro em que não seja necessário explicar o porquê dessas mulheres terem o direito de escolha.

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