Na maioria jovens, negras, baixa escolaridade, responsáveis pelo sustento familiar e que exerciam trabalho informal antes do aprisionamento. Muitas são mães. Algumas vivem com seus filhos na prisão. Outras dão à luz algemadas ou sem assistência médica, com a ajuda de outras detentas. Elas não têm acesso a absorventes ou a produtos de higiene e saúde tão essenciais ao gênero feminino.
(Folha de S.Paulo, 17/01/2017)
Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, dentre outros, iniciaram 2017 marcados por rebeliões, fugas, mortes, atrocidades e barbáries no seu sistema prisional.
Nunca esse tema tomou tanto espaço no debate nacional e internacional. É preciso enfrentá-lo permanentemente e não apenas enquanto as chacinas se sucedem. Não se pode mais admitir omissões, conivências, corrupção, repetição de tantos erros.
Um aspecto, entretanto, tem sido pouco debatido. Todas as rebeliões têm ocorrido nos presídios masculinos. E não cabe análise simplista da predominância de estabelecimentos masculinos (75%), contra 18% mistos e 7% femininos.
É preciso falar dos presídios femininos e das presidiárias que não fazem rebeliões. Na maioria jovens, negras, baixa escolaridade, responsáveis pelo sustento familiar e que exerciam trabalho informal antes do aprisionamento.
Muitas são mães. Algumas vivem com seus filhos na prisão. São centenas de crianças nessas celas insalubres, malcheirosas e abandonadas desse tão rico Brasil.
Outras dão à luz algemadas ou sem assistência médica, com a ajuda de outras detentas. Elas não têm acesso a absorventes ou a produtos de higiene e saúde tão essenciais ao gênero feminino.
Somente em 2014 o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) elaborou o primeiro estudo dirigido às mulheres. São mais de 37 mil submetidas às mesmas condições degradantes dos homens. Assim como eles, e apesar de trabalharem e estudarem mais, para elas também não há uma política clara de ressocialização, embora a lei determine e a necessidade humana exija.
E a situação só se agrava. Nos últimos 15 anos, a detenção de homens aumentou 220%, e de mulheres 567% (Infopen 2014). O tráfico de drogas, como colaboradoras (mulas), é o crime cometido por mais de 60% das detentas. São crimes que poderiam ser punidos com penas alternativas ou cumpridas em presídios produtivos e sócio recuperativos.
Se é certo que quem cometeu crime deve pagar, é igualmente certo que o Estado tem o dever legal de recupera-las e reintegra-las.
Esse tema vem sendo debatido pela bancada feminina. Em 2016, a Procuradoria da Mulher no Senado Federal organizou uma audiência pública, com a presença de estudiosos, representantes do poder público e de Nana Queiroz, autora do livro “Presos que menstruam”.
Esperamos que 2017 não seja o ano só de rebeliões e mortes bárbaras, mas do avanço das políticas públicas. Que se inicie uma trajetória de recuperação dos detentos e que se ouça essas mulheres de “gritos esquecidos”.
Vanessa Grazziotin é farmacêutica, senadora pelo PCdoB do Amazonas e procuradora especial da mulher do Senado. Escreve às terças.
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