domingo, 2 de abril de 2017

Itália abre o debate: é necessária uma licença-menstruação?

Madri 
A Itália poderia se transformar no primeiro país ocidental a ter uma política de "licença-menstruação" para as mulheres trabalhadoras. É o que propõe um projeto de lei apresentado há poucos dias por quatro deputadas (Romina Mura, Daniela Sbrollini, Maria Iacono e Simonetta Rubinato) do Partido Democrático. A câmara baixa do Parlamento italiano já começou a discutir a proposta, que, se aprovada, obrigará as empresas a conceder três dias por mês de licença remunerada (com 100% do salário diário) às funcionárias que tiverem dor durante a menstruação. Elas terão que passar por um controle médico anual para certificar que sofrem de dismenorreia, a dor pélvica também conhecida como cólica menstrual. A medida afetaria os contratos por tempo integral e parcial, permanentes ou temporários, em empresas públicas e privadas. Embora a medida, a priori, possa parecer benéfica para as trabalhadoras, tem gerado um intenso debate no país europeu. Poderia levar as empresas a contratar menos mulheres? Devemos partir do pressuposto de que ficar em casa é um direito de toda mulher que tem essa dor?

Contra

revista feminina Donna Moderna considera que a medida poderia fazer com que "os empresários prefiram contratar homens em vez de mulheres". Uma opinião similar à de Daniela Piazzalunga, economista que analisou o lado negativo da proposta para The Washington Post. "As mulheres já estão tendo dias livres por causa da dor menstrual, mas a nova lei permitiria que fizessem isso sem precisar utilizar as licenças por doença ou outras autorizações. No entanto, se for aprovada, a iniciativa poderia ter repercussões negativas: a demanda por mulheres trabalhadoras poderia cair, ou elas inclusive poderiam ser penalizadas em termos salariais ou de promoção", afirma. Segundo a escritora feminista Miriam Goi, da edição italiana de Vice, também existe o risco de que, em vez de romper tabus sobre a menstruação, a medida acabe "reforçando os estereótipos sobre as mulheres e sua condição emocional e hormonal naqueles dias".

A favor
Os defensores da medida a consideram um sinal de progresso, ressaltando a importância de reconhecer a dor feminina num país em que 60% a 90% das mulheres têm cólica. "A proposta é um gesto humano que reconhece a dor que muitas mulheres precisam suportar durante o ciclo menstrual, diz em seu canal do YouTube Irene Facheris, fundadora do site feminista Bossy. A edição italiana de Marie Claire também se posicionou a favor, definindo o projeto de lei como "estandarte do progresso e da sustentabilidade social".
Erika Irusta, pedagoga especializada em educação menstrual e autora do blog El caminho de Rubí, assim como de vários livros sobre o assunto, compartilha sua opinião com S Moda. "A primeira coisa que precisamos esclarecer é que a menstruação, em si, não deveria provocar dor. Quando dói, denomina-se dismenorreia, e sempre existe um motivo por trás que precisa ser averiguado e tratado. Portanto, uma pessoa que sofre de uma doença crônica mensal não merece ter direito a uma licença? Não achamos normal quando um homem que tem algum tipo de doença crônica se ausenta do trabalho?", diz a especialista. "As mulheres enfrentam uma dura dicotomia. O problema não é nosso corpo, e sim que tenhamos de escolher entre dois horrores: ir trabalhar com dor e aguentar a jornada à custa de medicamentos que só anestesiam os sintomas e nem sequer tratam o problema ou enfrentar o fato de que não queiram nos contratar", afirma, contundente.
Segundo Irusta, é "aberrante que o foco seja colocado em nós, mulheres". Ela diz que até mesmo para as empresas seria positivo tomar medidas que ajudassem suas funcionárias a lidar com a dor menstrual. "Tratá-las como seres humanos, em vez de computadores que são substituídos quando estragam, faria com que sentissem mais afinidade pela empresa e melhoraria o seu rendimento."
Yolanda Besteiro, presidenta da Federação de Mulheres Progressistas, confessa a S Moda que é complicado situar-se num dos grupos. "Por um lado, de modo ideal, é sem dúvida uma grande medida. Mas, levando em conta que vivemos num mundo em que podem demitir você simplesmente por ser mãe, é evidente que uma licença desse tipo poderia prejudicar as mulheres", explica. Justamente na Itália, quase 25% das mulheres grávidas são demitidas durante a gravidez ou logo depois de dar à luz (embora isso seja ilegal), de acordo com um relatório do ISTAT, o instituto nacional de estatísticas italiano. Segundo The Washington Post, os empresários do país relutam em contratar mulheres e mantê-las no cargo depois que elas têm filho. Como resultado, a Itália possui uma das taxas mais baixas de participação feminina no mercado de trabalho da Europa. Apenas 61% das italianas trabalham, bem abaixo da média do continente (72%).

Licença menstruação em outros países

Caso o projeto de lei seja aprovado, a Itália será o primeiro país da União Europeia a adotar essa política, muito mais popular nos países asiáticos. No Japão, a lei que regula as licenças trabalhistas desse tipo – seirikyuuka, que significa "direito fisiológico" – data de 1947. Em Taiwan, as mulheres têm, desde 2013, licença paga de três dias por menstruação. A Coreia do Sul aprovou a medida em 2001. Já na Indonésia, as mulheres têm direito a dois dias por mês pelos efeitos gerais (não se diferenciam entre físicos e psíquicos) da menstruação. Até mesmo algumas multinacionais como a Nike, além de empresas menores como a Coexist, em Bristol, adotaram a medida como parte da sua política interna para que as trabalhadoras possam se ausentar do trabalho durante a menstruação.
Será que a Espanha está perto de ter medidas desse tipo? Tanto Irusta como Besteiro concordam que isso é pouco provável e que os espanhóis têm um longo caminho pela frente. "A menstruação é política, mas, depois da complicação com o coletor menstrual e considerando os poucos avanços que existem na higiene feminina, acredito que ainda estamos longe", diz Irusta.

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