segunda-feira, 3 de abril de 2017

Por que (ainda) estou no Facebook

Ele me envia imagens dolorosas e me expõe diariamente às ideias de gente que me detesta. Isso não pode fazer bem

IVAN MARTINS
29/03/2017

Durante o Carnaval, recebi pelo Facebook a foto de uma ex-namorada beijando um cara num bloquinho. A história é antiga e não me diz respeito, mas, ainda assim, me incomodou. Eu tinha parado de seguir a moça para evitar esse tipo de informação indesejada, mas o simpático Zuckerberg decidiu agir por conta própria e me enviou a imagem postada por ela no Instagram. Obrigado pela sensibilidade, Mark.

Ao me queixar dessa invasão de privacidade a uma amiga, ouvi uma história pior: ela acabou de se separar, mudou seu status de relacionamento para solteira, mas o Facebook continua mandando lembretes para ela organizar a festa de aniversário do ex-marido. No dia anterior a nossa conversa, teve uma crise de choro pela manhã, ainda na cama, ao perceber essa intromissão dolorosa.

Trago essas histórias íntimas para enfatizar o seguinte: tanto os sentimentos dela quanto os meus foram manipulados por um software que tem acesso a nossas informações pessoais e as usa de forma insensível, com a finalidade de nos tornar emocionalmente dependentes da conexão digital.

Ao estimular e antecipar fofocas, o Facebook explora uma fraqueza humana: temos propensão psíquica a falar demais de nós mesmos e a desejar saber demais sobre a vida dos outros. Sem esses dois elementos negativos o Facebook não existiria. Por que dividir com centenas ou milhares de pessoas momentos de nossa intimidade? Por que gastar nosso tempo precioso espiando com olhos ávidos a intimidade dos outros? O algoritmo amplifica nossas patologias pessoais e as transforma em doença coletiva.

Contaminadas por uma onda que não para de crescer, as pessoas estão se esforçando para produzir comentários políticos cada vez mais agressivos. Quanto mais ofensivo e insultuoso, mais curtidas e compartilhamentos terá o post, e maiores as chances de que você e eu venhamos a ter contato com ele pelo Facebook. É assim que a espiral de intolerância se amplia e se propaga. Graças a ela, chegam a minha timeline coisas que frequentemente estragam meu dia.

(Há debates enriquecedores nas redes sociais e por elas circulam informações e pontos de vista que não teriam espaço em outros ambientes, evidentemente. Mas o que eu vejo e leio todos os dias me sugere que o Facebook serve à propaganda e à polarização, mais do que ao debate saudável das ideias).

Não quero saber o que as pessoas que amei estão fazendo na atual encarnação afetiva delas e nem deveria receber o lixo que gente de cabeça ruim insiste em compartilhar na internet. Pior: aquela caixinha aberta na tela do Facebook 24 horas por dia – “No que você está pensando” – me convida a virar eu mesmo um difusor de ódio, um fofoqueiro ou exibicionista, postando cada troca de roupa, cada prato de comida e cada cena de “felicidade” na praia ou na balada.

Isso não pode fazer bem à alma.

Temos pouco tempo livre, e usamos cada minuto disponível – mesmo o intervalo de um farol fechado – para espiar no celular o que outros ansiosos como nós estão dizendo, mostrando e compartilhando. Já não damos atenção integral ao ser humano sentado a nossa frente à mesa de jantar. Continuamos a navegar nas redes sociais diante dele porque estamos mais conectados às redes que ao mundo real.

Mark Zuckerberg disse outro dia que o tempo de conexão médio das pessoas no Facebook subiu de 40 minutos por dia em 2014 para 50 minutos diários em 2016. Muitos acharam esse número alarmante, eu achei pequeno. Minha experiência pessoal sugere que o tempo que as pessoas passam conectadas no Brasil é bem maior. Elas ficam no Facebook o dia todo: olhando, curtindo, postando e comentando a cada cinco minutos. O tempo que sobra para refletir ou ler um livro deve ter diminuído dramaticamente. Depois a gente se surpreende com a superficialidade reinante nas redes sociais e na vida pública. Não deveríamos.

Digo essas coisas com a autoridade de quem já se percebeu passando o dedo na tela do celular por duas horas seguidas, lendo e curtindo um post atrás do outro. É viciante, e tem algo de nauseante. A vida precisando ser feita, urgentemente, e o sujeito lá, congelado diante do espetáculo da rotina alheia – ou preso ao mosaico de ideias e opiniões contraditórias que passam incessantemente pela timeline. É uma experiência alienante, que nos afasta do essencial e de nós mesmos.

A escritora americana Jennifer Egan aconselhou as pessoas com ambição criativa a ficar longe da internet. Hoje eu entendo perfeitamente o que ela disse.

Como jornalista e observador social, não posso sair do Facebook. Nele estão informações que me ajudam a escrever e nele se concentra uma parcela importante de meus leitores e de meus amigos. É uma contradição inevitável e insolúvel, mas estou determinado a disciplinar minha relação com essa esfinge.

De agora em diante, serão duas entradas breves por dia, apenas para saber o que está rolando e ler o essencial. Talvez uma entrada baste. O tempo é a unidade mais preciosa da vida e eu não quero doar o meu – já escasso aos 56 anos – para uma empresa fazer dinheiro enquanto espalha angústia e confusão em nossa vida, pública e privada.

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