sábado, 6 de maio de 2017

A batalha pelo atendimento de saúde às mulheres nos EUA

O governo Trump quer dificultar o acesso aos serviços de aborto legal. Mas isso também atrapalha o acesso a outros serviços médicos

DANIELE AMORIM, COM EDIÇÃO DE MARCOS CORONATO
05/05/2017

Na quinta-feira (4), a Câmara americana aprovou o projeto republicano para o sistema de saúde, já apelidado “Trumpcare”. Se aprovado no Senado, ele substituirá o sistema criado pelo Ato de Cuidado Acessível (Affordable Care Act), apelidado Obamacare, cujo objetivo é estender a cobertura de saúde ao maior número possível de americanos. Na quinta-feira, 217 deputados votaram a favor e 213 contra a mudança. Os republicanos que apresentaram a nova proposta de lei afirmam que ela simplificará o sistema. Seus opositores democratas alertam que ela voltará a retirar a cobertura dos americanos pobres.

Uma das medidas mais polêmicas do novo texto é cortar por um ano o financiamento de uma rede de clínicas que oferece serviços de saúde para mulheres, a Planned Parenthood (maternidade e paternidade planejadas). As clínicas recebem cobertura do governo federal para atender os mais pobres por meio do Medicaid, um sistema de apoio às famílias de menor poder aquisitivo, que foi reforçado pelo Obamacare. A Planned Parenthood afirma que 43% de sua receita vem desses incentivos.

Os republicanos justificam o corte, em público, afirmando que cabe aos estados definir como investir em questões de saúde. Na prática, a medida agrada aos conservadores, que veem a instituição como provedora de acesso ao aborto legal e querem coibir o uso desse recurso. De acordo com o jornal The Washington Post, republicanos admitem nos bastidores que a verba federal poderá voltar a irrigar a Planned Parenthood caso a prática do aborto seja banida de seus consultórios.

Dawn Laguens, vice-presidente da instituição, afirma que os procedimentos de interrupção da gravidez são feitos mediante pagamento particular e não usam dinheiro vindo do governo. Além disso, apenas 3% dos serviços prestados na Planned Parenthood se relacionam ao aborto. A maior parcela do atendimento consiste em exames para tratar e diagnosticar doenças sexualmente transmissíveis e na oferta de métodos contraceptivos (45% e 31% dos atendimentos, respectivamente). Com o corte de verba, a medida republicana impedirá o acesso gratuito de cidadãos de baixa renda a exames essenciais para a saúde da mulher, como mamografia e papanicolau.

O texto republicano foi divulgado em 6 de março e chegou a ser retirado da pauta semanas depois, após divergências entre os membros do partido. Na época, a ação foi considerada o primeiro fracasso do governo Trump.

Os republicanos atacam em outras frentes para coibir o aborto legal. Em 24 de janeiro, a Câmara aprovou o projeto de lei do republicano Christopher Smith (Nova Jersey), que impede que planos de saúde que ofereçam o serviço usem créditos de impostos a que têm direito. 

Em seu primeiro decreto, assinado em 23 de janeiro, Trump interrompeu o financiamento federal a organizações não governamentais americanas que divulgam informações sobre o aborto e realizam o procedimento em países onde a prática é legal. Popularmente conhecida como “gag rule”, a manobra é tradicionalmente decretada por presidentes republicanos e retirada por presidentes democratas logo no começo de gestão.

No começo da gestão de Trump, a cidade de Washington já havia sido inundada por um mar de gorros rosas. No segundo dia do governo do presidente dos Estados Unidos, em 21 de janeiro, a “Marcha das mulheres” tomou a capital americana e outras regiões do país para reivindicar direitos de mulheres e minorias, protestar contra comentários e atitudes machistas de Trump durante a corrida presidencial e sua intenção de cortar financiamento da Planned Parenthood.

Protesto contra o aborto legal no estado do Colorado. Manifestações contra o aborto e a favor do direito de escolha se tornaram mais comuns após os primeiros ataques dos republicanos à Planned Parenthood, durante a campanha eleitoral (Foto: Scott Olson/Getty Images )
A legalização do aborto até a 22ª semana de gestação é considerada um problema por muitos dos integrantes do Partido Republicano. A prática se tornou legal nos Estados Unidos em 1973, após a decisão da Suprema Corte no caso que se tornou conhecido como Roe vs Wade.

Em meados de junho de 2016, a Suprema Corte decidiu barrar uma série de imposições para o funcionamento das clínicas abortivas no estado do Texas. Batizado de Lei HB2, o texto foi aprovado em 2013 pelo então governador, Rick Perry, do Partido Republicano, para impor que os locais onde sejam feitos os abortos tenham estrutura médica similar a centros cirúrgicos. A medida resultou no fechamento de metade das 41 clínicas em funcionamento no estado.

A organização Saúde Integral da Mulher (Whole Woman’s Health) entrou com um processo para revogar o HB2 alegando que as leis feriam o direito da mulher de fazer aborto no estado onde vivem, já que, com o fechamento de metade das clínicas do Texas, as restantes não atenderiam à demanda.

A decisão recebeu 5 votos a favor e 3 contra. O jurista Stephen Bayer alegou que nenhuma dessas imposições oferecia benefícios suficientes ao procedimento que justificasse o deslocamento da cidadã pelo Texas para encontrar uma clínica que se encaixasse nas especificações do HB2.

A população americana é majoritariamente a favor do direito da mulher de interromper a gravidez, mas o assunto é bem divisivo. Segundo o Pew Reserch Center, 57% dos americanos se dizem a favor desse direito em todos ou na maioria dos casos, em comparação com os 39% que se dizem contra esse direito (ou seja, pela proibição do aborto) em todos ou na maioria dos casos. Essas parcelas são similares às registradas em 1996.

No Brasil, a opinião popular é majoritariamente contrária à legalização do aborto em todas as situações. Segundo uma pesquisa do Ibope realizada em 2014 com 2 mil pessoas, 79% são contra, 16% a favor e 4% não souberam responder. A criminalização do aborto no país foi decretada nos anos 1940 no Código Civil Penal e consiste na prisão da gestante que cometer o procedimento em si, com pena de até três anos, e do profissional responsável pela interrupção, com pena de três até quatro anos.

Atualmente o aborto no país é autorizado somente em três casos: quando a gestação gera risco para a mulher, a concepção resulta de estupro ou o feto seja anencéfalo (não possua cérebro). O debate, embora morno, continua. Em março de 2016, uma turma de ministros do Supremo Tribunal Federal ordenou a soltura de cinco funcionários de uma clínica de aborto que haviam sido presos. Em março deste ano, o PSOL, junto com a ONG Anis, entrou no Supremo Tribunal Federal com uma ação para legalizar o aborto até a 12ª semana de gestação, alegando que a criminalização da interrupção da gravidez foi estipulada em um período anterior à concepção da Constituição Federal, datada de 1988.

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