Quais são as empresas que não só contratam mulheres, mas oferecem a elas caminho aberto para a ascensão profissional – e como fazer isso, segundo a pesquisa do GPTW
MARIANA QUEIROZ BARBOZA
12/05/2017
Jennifer Wendling, diretora de RH da Bristol-Myers Squibb. Ela lembra que, há uma década, celebrou com as colegas quando uma mulher assumiu um cargo-chave. O fato era, então, uma novidade (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA) |
Há pouco mais de dois anos, a administradora Jennifer Wendling comunicou a seus chefes que tinha planos aparentemente conflitantes. Queria ser promovida a diretora de Recursos Humanos da multinacional em que trabalha, o que a tornaria responsável pelo departamento no Brasil, na Argentina, no Chile e no Peru, e exigiria que ela se deslocasse entre esses países. Ao mesmo tempo, ela, então com 38 anos, pretendia engravidar de seu segundo filho.
Ao combinar licença-maternidade e férias, ficaria sete meses longe da empresa após o nascimento da criança. Em boa parte das companhias, mulheres que revelam essas duas ambições sofrem congelamento na carreira. Em outras, veem-se obrigadas a abrir mão de um dos dois desejos. Com Jennifer foi diferente. Estava grávida de quatro meses quando recebeu a notícia da promoção. “Disseram que havia anos me preparavam para assumir aquela função e que a gravidez não tinha impacto naquele plano de carreira”, afirma a executiva.
A promoção de Jennifer reflete o efeito de duas forças. Mulheres bem formadas e bem treinadas vêm ganhando força para negociar com seus empregadores. Cada mulher que comete uma “ousadia” bem-sucedida – como a da executiva que engravida e mesmo assim mostra alto desempenho no trabalho – facilita a negociação das que vêm depois. “Quanto mais as mulheres atingirem posições de poder, menos pressão haverá para se conformar e mais elas farão por outras mulheres”, afirma Sheryl Sandberg, diretora de Operações do Facebook, no livro Faça acontecer. Jennifer se lembra de ter estourado uma garrafa de espumante com as colegas, em janeiro de 2005, para celebrar a primeira mulher a conquistar o cargo de gerente de vendas na companhia. Naquele momento, foi uma novidade. Hoje, felizmente para todos, seria uma novidade banal.
A segunda força a contribuir para a mudança é o empenho das organizações. A farmacêutica Bristol-Myers Squibb, empregadora de Jennifer, investe há uma década em obter melhor equilíbrio entre os sexos. Há pouco mais de dez anos, as mulheres compunham apenas 37% do total de funcionários. Hoje, elas são mais da metade e ocupam mais da metade dos cargos de chefia. Pelo bom trabalho ao abrir caminho para a ascensão profissional feminina, a farmacêutica foi uma das 30 empresas premiadas, na semana passada, no GPTW Mulher, uma iniciativa da consultoria GPTW (Great Place to Work), que há 25 anos avalia ambientes de trabalho. A evolução, além de justa, atende à lógica econômica.
Ao empregar e promover mais mulheres, a farmacêutica aproximou seu quadro de funcionários do perfil diverso dos grupos com que lida, médicos e pacientes. Também constatou o crescimento de índices de engajamento e orgulho entre os funcionários, segundo pesquisas internas de clima. As notícias se espalham pelo mercado: cresceu o número de candidatos interessados em trabalhar lá, o que aumenta as chances de a empresa contratar profissionais melhores. “Estudos em vários países mostram que a presença de mulheres na diretoria melhora o clima na organização e eleva a rentabilidade”, afirma Nadine Gasman, representante do Escritório da ONU Mulheres no Brasil.
Uma dessas pesquisas foi feita em 2016 pelo Instituto Peterson, dos Estados Unidos, com 21.980 companhias em 91 países. O estudo confirmou a correlação entre representatividade feminina e prosperidade: empresas com mulheres na cúpula tendem a ter 15% a mais de receita líquida. Isso não significa que as mulheres trabalhem melhor que os homens, e sim que grupos com diversidade trabalham melhor que grupos muito homogêneos. Equipes com diversidade criam um ambiente mais ético, inovador e flexível no enfrentamento de problemas. Além disso, estimulam profissionais talentosos de todos os tipos a se esforçar para ascender – o que eleva a produtividade geral.
Mulheres com mais poder, responsabilidade e dinheiro ocupam espaços de poder antes exclusivamente masculinos, mas oferecem aos homens outros tipos de ganho. Eles se sentem menos pressionados por não ser os únicos provedores da família e mais motivados a se tornar pais presentes. A consultoria McKinsey calcula que, se as mulheres tivessem a mesma participação que os homens no mercado de trabalho, a produção mundial ganharia US$ 28 trilhões até 2025. Restringir oportunidades para as mulheres empobrece o espírito e o bolso.
Neste ano, pela primeira vez, o GPTW aplicou a metodologia que desenvolveu com a ONU Mulheres. Criou um ranking para identificar as organizações mais inclusivas para as mulheres e mais eficientes na busca do equilíbrio de gêneros em cargos estratégicos. Neste primeiro esforço, 144 empresas se inscreveram. Ao fazer isso e submeter suas políticas à análise externa, mesmo as 114 organizações que não entraram nos rankings mostraram compromisso com a evolução em curso.
A iniciativa confronta uma realidade ainda adversa. Segundo dados do IBGE divulgados em março, mulheres, que são pouco mais da metade da população, ocupam atualmente 37% dos cargos de direção e gerência no país e apenas um décimo dos assentos nos conselhos executivos de grandes empresas. Mesmo no universo das empresas interessadas em melhorar e que participam da avaliação pelo GPTW há muito a fazer. Entre as 30 premiadas, apenas cinco têm presidentes mulheres. Para entrar no ranking, cada empresa identificou falhas na representatividade feminina e traçou metas para corrigi-las. As quatro práticas mais comuns são estabelecer métricas para contratação e ascensão de mulheres, flexibilidade de horários, estímulo ao networking entre as funcionárias e oferta de orientação e auxílio mais atento às gestantes.
Em 1º lugar no ranking aparecem o Laboratório Sabin, entre as companhias com mais de 1.000 funcionários no Brasil, e a Ford Credit, líder entre as médias. “Premiamos quem realmente implementou iniciativas para acelerar algo que naturalmente demoraria muito”, afirma Daniela Diniz, diretora no GPTW Brasil. “Nunca se falou tanto da importância da diversidade de gênero, orientação sexual, cor, religião e idade como agora, e sentimos que era o momento de nos debruçarmos sobre o tema.”
Tratar seriamente do avanço das mulheres no mercado de trabalho exige discutir, de imediato, flexibilidade dos horários. E, adicionalmente, o incentivo das empresas e chefes para que homens assumam metade das responsabilidades com a casa e os filhos. Isso porque, por mais que elas já tenham ultrapassado os homens em nível médio de escolaridade no Brasil, ainda acumulam parte maior dos cuidados com filhos e das tarefas domésticas não remuneradas. “A participação feminina no mercado cai conforme o número de crianças na casa sobe, enquanto a participação masculina permanece constante”, diz a economista Míriam Muller, especialista em questões de gênero no Banco Mundial. “Como as tarefas não são divididas de maneira igual, sobram menos tempo e disposição para a mulher trabalhar fora. Isso tem consequências óbvias na capacidade de ela ganhar o próprio salário e crescer na carreira.”
Não se trata apenas de ganhar mais, mas também de viver melhor. “O interesse em ter vida familiar de qualidade cresce no mundo todo”, afirma Myra Strober, professora da Escola de Negócios da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Nos escritórios da Procter & Gamble, gigante dos bens de consumo com 42% de mulheres na diretoria e bem colocada no ranking GPTW Mulher, há políticas liberais de licença não remunerada e trabalho em casa (home office). Os funcionários definem seus horários, desde que cumpram oito horas diárias.
Empresas que prezam a equidade de gêneros também costumam estender as licenças maternidade e paternidade. A maioria das premiadas pelo GPTW concede seis meses às mães e 20 dias para os pais. Se comparado aos países nórdicos, o tempo total ainda é pouco e muito desequilibrado entre os sexos. As políticas deveriam estimular os homens a passar mais tempo com seus filhos recém-nascidos e dar mais liberdade às mulheres interessadas em voltar ao trabalho. “As mulheres ainda são discriminadas por alguns recrutadores pelo ‘custo-maternidade’”, diz a advogada Paula Tavares, do Banco Mundial. “Como há poucas creches públicas, ser mãe vira uma questão financeira. É tudo tão caro que, para algumas mulheres, não vale a pena continuar trabalhando.” Por isso, a mudança exige novos arranjos familiares.
A engenheira Christiane Berlinck, diretora de Recursos Humanos da IBM Brasil, progrediu na carreira porque o marido aceitou desacelerar a dele. Aos 25 anos, três anos após entrar na gigante de tecnologia, ela recebeu a proposta de trabalhar no escritório da IBM na Cidade do México. Não pensou duas vezes antes de aceitar. O marido, que então era namorado, pediu demissão do emprego e decidiu acompanhá-la. Ele aproveitou o período para fazer mestrado numa universidade mexicana.
Hoje, os dois dividem os cuidados com a filha de 6 anos no Brasil, recém-regressados de uma temporada em Nova York, também por causa de uma transferência de Christiane. “Para o ego de alguns homens, isso pode ser um problema”, afirma ela. “Mas, como família, não faz o menor sentido limitar a carreira da mulher.” Há mais sinais de mudança na IBM. A empresa deu, no mês passado, o título de “distinguished engineer” (algo como “engenheira excepcional”) à carioca Cintia Barcelos. É a primeira vez que uma mulher ocupa o cargo máximo da área técnica da empresa na América Latina.
Quem tem uma empresa ou chefia uma equipe e quiser adotar boas práticas de equilíbrio de gênero encontra outras ferramentas úteis entre as premiadas do GPTW. Fundado há 33 anos por duas bioquímicas e presidido por outra, o Laboratório Sabin garante que o quadro de funcionários majoritariamente feminino se reflita na cúpula – elas ocupam três quartos do total de postos de trabalho e também três quartos das chefias. Não há uso de cotas, e sim de indicadores de desempenho que impulsionam para cima todo funcionário capaz.
Numa área bem mais masculina, a ThoughtWorks, consultoria de desenvolvimento de software, dribla a quantidade pequena de mulheres nas faculdades de exatas para se aproximar do perfil demográfico da sociedade brasileira. Formada em ciência da computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Caroline Cintra, diretora presidente da empresa, foi uma das seis mulheres de um total de 60 alunos da turma de 1996. “Há tanto sexismo que muitas acabam desencorajadas da profissão”, afirma Caroline. “Em eventos de tecnologia, a maioria dos desenvolvedores é homem e branco. É difícil alguém fora do padrão se enxergar naquele lugar.” Segundo Caroline, a mudança passa pela superação de preconceitos por parte das mulheres em relação a algumas carreiras (como as de exatas) e também por uma busca mais empenhada por parte das empresas. Das contratações que a ThoughtWorks fez em 2017, 56% foram mulheres. Metade dos 18 executivos da empresa é mulher.
A leveza nos ambientes bem encaminhados no equilíbrio de gênero se revela em detalhes. Numa quinta-feira de abril, o diretor-gerente da Ford Credit no Brasil, José Muniz Netto, saiu de sua sala com notebook em mãos para ceder espaço a Ana Longhi de França, supervisora jurídica da companhia, dar uma entrevista. Netto é chefe de Ana, mas o ambiente informal os aproxima. “Quando comecei a carreira como operador de vendas, pensava que não podia perder para uma mulher”, diz. “Depois, passei a ter mulheres em minha equipe e vi que elas eram responsáveis pelos melhores desempenhos. Puxavam o time por ser mais exigentes, detalhistas e assertivas. Eu me sinto desafiado ao trabalhar com elas.”
Desde o ano passado, ele responde a uma mulher – Joy Falotico, presidente executiva da Ford Credit nos Estados Unidos –, seguindo um movimento que coloca mais e mais funcionárias na liderança do braço financeiro da fabricante de automóveis. Sempre que se abre uma vaga de liderança na companhia, há ao menos uma mulher concorrendo à função. No Brasil, elas correspondem a 41% dos executivos – uma política inteligente, já que as mulheres correspondem a uma fatia parecida entre os clientes da empresa.
Fóruns femininos e comitês de diversidade dentro das organizações se tornaram peças fundamentais da transformação. Os laços criados e experiências trocadas nessas instâncias levam as mulheres a ganhar autoconfiança e identificar mais facilmente rotas para a escalada profissional. A estratégia de criar comitês e grupos de apoio foi adotada pela Amêndoas do Brasil, fornecedora de castanha-de-caju de Fortaleza.
Num setor em que os empregados têm em média baixo nível de escolaridade, a ideia inicial era investir em educação. A empresa ofereceu cursos de alfabetização, mas logo percebeu que, entre as mulheres, as necessidades eram maiores. “Quando entrei, em 2009, havia muitos casos de violência doméstica”, afirma Sandra Oliveira, assistente social e diretora de RH. “Algumas mulheres faltavam por causa do alcoolismo do marido, outras queriam se separar e não sabiam quem procurar.” A companhia, então, criou uma rede de amparo para auxiliar essas funcionárias. Passou também a realizar palestras sobre igualdade de gênero, saúde, direito da família e planejamento familiar. Formou grupos de orientação profissional e organização pessoal. Aumentou a flexibilidade do expediente. Com essa estratégia, permitiu que profissionais como Ana Paula Miranda, ex-empregada doméstica que entrou na empresa como selecionadora de castanhas, recebessem promoções anuais baseadas em desempenho. Hoje, Ana Paula chefia o setor de seleção. Em sete anos, a produtividade da empresa subiu 59%.
Trazer os homens para a discussão de gênero também é uma prática campeã. A AccorHotels foi uma das companhias que aderiram ao movimento HeForShe, iniciativa global da ONU Mulheres apadrinhada pela atriz britânica Emma Watson e que visa promover o fortalecimento econômico das mulheres. Em dois anos de campanha, o Brasil tornou-se o terceiro país com o maior número de empresas signatárias, atrás apenas de Japão e Turquia (um trio de países longe de ser referência em equidade de gênero – o que torna mais animadora a recepção à campanha).
Orientadas pela ONU Mulheres, as companhias criam métricas para acompanhar o desenvolvimento de suas funcionárias. “O movimento tem sido o impulso inicial para várias empresas fazerem um questionamento interno sobre as condições de trabalho das mulheres e os planos de carreira oferecidos a elas, assim como o impacto que elas podem ter em suas comunidades e cadeias de valor”, afirma Nadine, da ONU Mulheres. Assim que recolhem estatísticas de quantas funcionárias estão na base e quantas chegam ao topo da pirâmide corporativa, as organizações envolvidas desenvolvem estratégias para tornar a gestão mais igualitária.
A AccorHotels assumiu o compromisso de paridade nos salários dos gestores até o fim do ano e de engajar 50 mil homens do mundo todo no movimento até 2018. “Quando pensamos sobre diversidade, acabamos pensando sobre outros temas também”, diz Fernando Viriato, diretor de talentos da AccorHotels na América do Sul. “Avançamos na luta contra estereótipos, acolhemos diferentes pontos de vista, criamos uma empresa mais real em relação ao que existe na sociedade e geramos mais riqueza. É bom para todo mundo, não é?”
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