quarta-feira, 7 de junho de 2017

Shiza Shahid: “O empreendedorismo pode mudar o mundo”

Depois de batalhar pelo direito das mulheres no Paquistão, a cofundadora do Fundo Malala quer mudar a cultura das novas empresas

GABRIELA VARELLA
06/06/2017 

Quando a paquistanesa Shiza Shahid, de 28 anos, conheceu Malala Yousafzai, a jovem laureada pelo Nobel da Paz tinha apenas 11 anos e já lutava pelo direito das mulheres de estudar em Islamabad, capital do Paquistão. Assim como Malala, Shiza Shahid nasceu e cresceu em Islamabad, cidade controlada pelo grupo extremista Taleban. Deixou a cidade quando ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Mesmo morando fora, Shiza nunca deixou de acompanhar o que ocorria em seu país. Quando Malala foi baleada pelo Taleban, Shiza voou até Birmingham, onde a amiga ficou hospitalizada na Inglaterra. Em 2013, Malala pediu ajuda a ela para criar o Fundo Malala, cujo intuito é dar suporte para iniciativas voltadas à educação de meninas. Shiza esteve à frente da fundação como diretora executiva até o ano passado, quando criou o Now Ventures, plataforma de negócios sociais. “Queremos apoiar empresas que, além do lucro, tenham como missão encontrar soluções sociais e ambientais transformadoras”, disse ela em entrevista a ÉPOCA.
Shiza Shahid  (Foto:  Julia Rodrigues/ÉPOCA)


ÉPOCA – Quando você sentiu a necessidade de ajudar sua comunidade?
Shiza Shahid – Quando ainda era criança. Há muita coisa indo mal no Paquistão faz bastante tempo. É difícil não pensar em alternativas para ajudar quando deparamos com pessoas passando fome. Minha primeira experiência prática foi numa organização que cuidava de crianças em campos de refugiados, dirigida pela mãe da minha melhor amiga.
ÉPOCA – Quando você começou a ter uma preocupação com questões de gênero?
Shiza – 
Houve um tremendo terremoto no Paquistão em 2005 e foi algo devastador. Passei um ano trabalhando com voluntariado para ajudar em várias frentes. Como mulher, eu sempre acabava tendo mais contato com as meninas. Comecei a me engajar porque foi natural perceber que eu deveria ajudar outras mulheres.
ÉPOCA –  O feminismo é importante para meninas que vivem em situações de risco?
Shiza  O movimento feminista luta pela igualdade de direitos e tem realizado muitas coisas boas em todo o mundo. O próximo passo é incluir todas as mulheres, e não apenas aquelas com certo poder aquisitivo ou certa cor da pele. Algumas mulheres estão muito à frente das outras. Trazer todas as mulheres à frente é o verdadeiro desafio agora. 
ÉPOCA – Qual é sua opinião sobre a intolerância religiosa?
Shiza – 
Não acredito que seja um problema especificamente da religião, mas sim porque metade dos países está numa pobreza profunda, sem acesso à educação. A religião está sendo utilizada como uma ferramenta [para a intolerância]. A Malala causou um impacto apenas por cobrir-se com um lenço, mesmo defendendo a educação e lutando por ela.
ÉPOCA - O que você acha sobre o aumento do conservadorismo em países como Estados Unidos e Reino Unido?
Shiza – Há um aumento do populismo e no sentimento anti-imigrante, anti-muçulmanos, anti-negros, anti-gay, anti-mulheres, anti-qualquer mudança. É um passo atrás para as mulheres, para a educação e para os direitos humanos. Isso fica claro com o surgimento de pessoas como [Donald] Trump. É realmente muito preocupante e, por isso, temos de participar da política. Os jovens da minha geração enxergam o governo de maneira tão frustrante, onde nós não temos mais espaço.
ÉPOCA – O que fez com que você se sentisse envolvida com a história da Malala?
Shiza – 
Fiquei envolvida com o que estava acontecendo naquela área [no Vale do Swat, meninas foram impedidas pelo grupo extremista Taleban de frequentar a escola]. Queria muito ajudar. Era tão perto da minha antiga casa! Tive acesso a uma educação excelente e senti que seria injusto não ajudar essas meninas que não tinham acesso a escola. Pensei que a melhor forma de ajudar seria fazer com que aquelas histórias fossem ouvidas. Organizei então um acampamento de verão para meninas cujo foco era educação. Vinte e seis garotas participaram dele.
ÉPOCA – Como foi estar à frente do Fundo Malala?
Shiza –   
A missão do Fundo Malala é contar histórias, defender os direitos e promover o desenvolvimento das meninas. As doações arrecadadas visam promover o acesso a educação. Isso é urgente: temos 130 milhões de garotas fora da escola.
ÉPOCA – O que é este seu novo projeto, o Now Ventures?
Shiza 
 O Now Ventures, por outro lado, é um fundo de capital e nós investimos no que chamamos de “negócios sociais”. São startups que, além de ser um bom negócio, também trazem soluções transformadoras que podem tornar o mundo um lugar melhor. Há muito trabalho a fazer, é preciso levar as pessoas a acreditar no potencial dessas pequenas empresas com missões transformadoras.
ÉPOCA – Quais são os maiores desafios do Now Ventures?
Shiza – 
O Now é um fundo, e os maiores desafios são mudar a cultura no mundo dos negócios. As pessoas acreditam que as empresas existem apenas com o propósito de ganhar dinheiro. Várias políticas com base no Pacto Global da ONU estão sendo estabelecidas [alguns dos compromissos das empresas que aderiram ao pacto das Nações Unidas são de sustentabilidade e transparência]. É um olhar míope enxergar que o lobby tem o propósito único de servir aos acionistas das empresas. Demanda uma responsabilidade com o planeta, com as comunidades, com seus funcionários, com os clientes. Nós podemos mudar a forma como pensamos os negócios. Teríamos uma economia muito mais saudável para criar um mundo mais igualitário.

Época

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