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terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Igualdade laboral? A autorregulação é uma utopia


PAULA COSME PINTO

02.01.2018

A Islândia acaba de se tornar no país o primeiro país do mundo a legalizar a igualdade salarial entre homens e mulheres. Por cá, também esta semana entra em vigor a lei que obrigada as empresas públicas e as cotadas em bolsa a quotas mínimas de género nos seus conselhos de administração e órgãos de fiscalização. Antes de começarem a atirar pedras a estas medidas, lembrem-se deste número avançado pelo Fórum Económico Mundial: por este andar, vamos demorar 217 anos até que a igualdade laboral entre homens e mulheres seja uma realidade. 217 anos, leram bem.


Claro que num mundo onde o chamado “clube de cavalheiros” ainda fala mais alto, é impossível mexer na estrutura viciada das hierarquias instaladas sem que estas medidas não sejam contestadas e questionadas em praça pública. Principalmente por aqueles que estão acomodados aos cargos de poder que lhes foram atribuídos por vias que não passam propriamente pela meritocracia. E são tantos. Mas se durante muito tempo este jogo de deturpação e intimidação funcionou, hoje está a começar a perder terreno.

Diz o Global Gender GAP Report 2017 do FEM que “o progresso na educação não se tem traduzido em ganhos equivalentes para as mulheres no que diz respeito a oportunidades, independência económica e liderança”. Se olharmos para o que se passa em Portugal (que ficou no 33º lugar deste ranking), percebemos exatamente o que estas palavras querem dizer: já há mais de duas décadas que existem mais mulheres licenciadas do que homens em Portugal, e com mais mestrados e doutoramentos concluídos. Contudo, e embora o sexo feminino represente mais de metade da força laboral país, elas continuam a receber, em média, menos 16,7% que o sexo masculino (o que corresponde a menos 61 dias de trabalho remunerado por ano). De acordo com dados da CIG, as discrepâncias salarias aumentam precisamente nos altos quadros (26,4% na remuneração base).

Na Islândia, esta nova lei prevê que todas as empresas privadas e agências governamentais que tenham mais de 25 funcionários passem a ser obrigadas a obter uma certificação oficial das suas políticas de igualdade salarial de género, sob pena de serem multadas pelo Estado. Uma medida que faz parte do objetivo claro do país de erradicar completamente as desigualdades salariais até 2020. Por cá, a situação não é a mesma e a caminhada é mais lenta, mas caminhada faz-se precisamente na mesma direção. Como? Através da eliminação dos obstáculos à igualdade de tratamento, de oportunidades e de resultados. E tal como noutros países europeus (França e Alemanha, por exemplo), a lei tem um papel importantíssimo na promoção de alterações a tais desigualdades estruturais.

SÃO AS MULHERES MENOS COMPETENTES, CAPAZES OU EFICIENTES?
A nossa nova lei destina-se às empresas públicas e às empresas cotadas em bolsa, que a partir deste mês ficam obrigadas a cumprir uma quota mínima do género menos representado nos conselhos de administração e nos órgãos de fiscalização. Ou seja, e pensando nas realidade atuais destes universos nacionais, um mínimo de 33,3% terão de ser ocupados por mulheres. Para as cotadas, essa percentagem é de 20% e sobe para os 33,3% em 2020. Para que fique claro, esta não é uma lei feita estritamente paras mulheres, caso o género sub-representado nos quadros de administração destas empresas fosse - ou algum dia seja - o masculino, a lei prevê exatamente o mesmo. A questão é que esse cenário nem se coloca e estas continuam a ser empresas/organizações totalmente dominadas pelo sexo masculino.

Tal como já por aqui escrevi aquando da aprovação desta lei, tanto a chamada discriminação positiva como a anulação do mérito que tantos apregoam não são uma questão porque esta lei não pretende tornar menos rigorosos os critérios de seleção das mulheres, mas sim normalizá-los entre os candidatos de ambos os géneros. Uma mulher não vai passar a ter acesso a um alto cargo só porque é mulher, mas sim porque reúne uma série de critérios que a tornam válida para tal posição, como as suas capacidades profissionais, qualificações e experiência. Basicamente, é mudar o paradigma nos processos de seleção para tais cargos.

São as mulheres menos capazes, eficientes ou qualificadas, mesmo que os números mostrem os contrário? Ou será que têm simplesmente mais dificuldade em chegar a cargos de poder, independentemente do seu mérito individual? É importante percebermos que esta obrigatoriedade de quotas só é imposta como parte da solução porque existe uma discriminação totalmente enraizada, que não vai desaparecer só com apelos ao bom senso e à igualdade. Aliás, as propostas de acordos voluntários feitas no últimos anos mostram que a autorregulação é uma utopia.

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