Julio Ottoboni 18/05/2018
Por Reinaldo Canto é jornalista e diretor da Envolverde
O automóvel representava o desejo de consumo de 10 entre 10 jovens no Brasil, mas a realidade tem mudado essa visão por razões diversas
Diferentemente do século passado, a Mobilidade do Século XXI vai muito além do automóvel. O transporte individual reinava soberano e pautava desde às políticas públicas até um protagonismo insustentável na economia das famílias brasileiras tudo para permitir a hegemonia desse meio de locomoção sobre outros transportes, interesses e prioridades. Ao longo do tempo outra realidade vem se impondo e o carro já não alcança mais essa unanimidade. Cidades cada vez mais congestionadas e poluídas estão mudando o modo de se entender esses deslocamentos.
O automóvel foi se tornando mais acessível mas também se foi “descobrindo” que não seria possível continuar indefinidamente apostando no carro como solução para o transporte nas cidades. Mesmo assim durante muitos anos, notadamente no século passado, cidades foram desfiguradas e muito dinheiro foi gasto para permitir que carros pudessem circular com liberdade por nossas cidades e estradas. Espaços públicos foram tomados, ferrovias desmanteladas e até calçadas para pedestres foram sendo colocadas em segundo plano para a passagem soberana dos carros.
Só que a situação vem se tornando insustentável, segundo o Sindipeças em 2016 a frota de veículos, entre carros, comerciais leves, caminhões e ônibus era de 42,87 milhões.
A cidade de São Paulo tem hoje cerca de 6 milhões de carros registrados. Ainda é um número menor do que o de habitantes, mas a quantidade de carros cresce mais rápido que a de habitantes sendo que a taxa anual é de dois carros para cada novo morador. Do total de veículos que rodam na capital 70% do total de 8,3 milhões são automóveis particulares. Os outros são 13% motos, 1,9% de caminhões e apenas 0,5% ônibus, segundo dados do Detran. (apenas 0,5% do total).
Direito fundamental?
Contribui de maneira decisiva para esse crescimento descomunal um fator cultural bastante disseminado em nosso país: o sonho de possuir um carro próprio. Ouço com insistência que o estabelecimento de medidas de cerceamento a venda de veículos, seria uma indesculpável discriminação com as classes C e D que, graças às facilidades do crédito, finalmente podem adquirir carros com prestações que caibam nos seus bolsos.
Segundo essa lógica ser proprietário de um veículo de passeio seria um direito inalienável tanto quanto os direitos à saúde, alimentação, moradia e educação. Mas é preciso, antes de mais nada, levar em conta as necessidades da sociedade como um todo. Aí sim, um dos principais direitos fundamentais fica enormemente prejudicado com o entupimento das nossas vias por esses veículos de passeio, ou seja, o direito de ir e vir. E pelo que podemos assistir, antes de melhorar, essa situação deve piorar ainda mais.
Portanto, devemos esperar congestionamentos cada vez maiores, pessoas estressadas e também o aumento dos casos de doenças provocadas pela poluição que já matam cerca de 20 pessoas todos os dias na região metropolitana, segundo o Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Além de entupir as ruas de nossas cidades e ampliar os níveis de poluição do ar, a cadeia de produção da indústria automobilística é intensiva em uso de energia, água e matérias-primas extraídas sem pudor nem dó da natureza. Isso significa que, do ponto de vista do planeta, essa atividade é totalmente insustentável e, portanto, sem futuro, seja pelo bem ou pelo mal.
Insanidade e quebra de paradigmas
Essa espiral de insanidade que a todos prejudica indistintamente deve ser interrompida.
Possuir um carro, não faz uma pessoa melhor que fique isso bem claro! Conclusões no sentido oposto também devem ser evitadas, a ausência de um carro na garagem não é um inequívoco sinal de fracasso.
Outro ponto a se levar em conta é a busca pela convivência harmônica entre os habitantes da capital. A prevalência do individual sobre o coletivo é um dos fatores que faz de São Paulo uma cidade difícil de viver. Uma cidade deve ser de todas as pessoas que nela residem ou transitam. Ruas, avenidas, calçadas, pontes e viadutos deveriam ser locais mais agradáveis para o deslocamento cotidiano e não de disputa insana pela ocupação de pequenos espaços a qualquer custo.
Qual o verdadeiro DIREITO?
Hoje, direito a mobilidade é cada vez mais subentendido como o ato de ir de um ponto A ao B de maneira rápida, segura, cômoda e barata, portanto, isso pode significar o uso de um transporte coletivo como ônibus, metrô ou trem, uma bicicleta, uma caminhada e, até mesmo ir de carro.
A nova realidade implica também em pensar com maior cuidado a acessibilidade. A cobrança por calçadas em boas condições, rampas de acesso para cadeirantes e transportes adaptados para pessoas com baixa mobilidade, entre outros, começam a deixar de ser exceção para se tornar norma, apesar de ainda precários e insuficientes.
Para esse processo continuar e se tornar mais rápido e eficiente é preciso exigir que as nossas autoridades públicas façam pesados investimentos em transportes coletivos e deixem de gastar dinheiro do orçamento com obras viárias caras que privilegiam e incentivam o uso de carros de passeio. Campanhas e fiscalização maciças para questões como respeito à faixa de pedestres e garantia de acessibilidade representam desafios civilizatórios relevantes na busca por um mundo mais justo, equilibrado e sustentável! (#Envolverde)
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