30 agosto 2018
Em 1995, o casal galês Alan e Christine Davies sofreu um acidente de carro.
Após o trauma, ele se convenceu, por uma série de flashbacks e reminiscências, que sua esposa, de 31 anos, tinha morrido. Mas ela tinha sofrido apenas uma lesão na coluna cervical.
Alan estava certo de que a mulher que estava a seu lado era uma sósia, que estava se passando por Christine. E passou a demonstrar pouca afeição pela "impostora".
A síndrome de Capgras é um transtorno raro que faz com que um paciente se convença de que parentes próximos – geralmente pais, cônjuges, irmãos ou filhos – são impostores.
Não há consenso sobre a origem do distúrbio. Mas acredita-se que possa ser causado por danos na conexão entre as áreas do cérebro responsáveis pelo reconhecimento facial e sua resposta emocional.
Quem apresenta a condição é capaz de reconhecer o rosto dos entes queridos, mas não sente a reação emocional que normalmente estaria associada à experiência de estar perto deles.
É um distúrbio difícil de diagnosticar e que pode ser desencadeado por um traumatismo cerebral ou cranioencefálico, doenças psiquiátricas ou abuso de drogas.
Há pacientes que reconhecem o membro da família ao conversar pelo telefone, mas, quando ficam cara a cara com ele, acham que é um impostor.
Outras pessoas se convencem até mesmo que seus animais de estimação foram trocados por sósias.
O primeiro caso registrado
A síndrome tem o sobrenome do psiquiatra francês Joseph Capgras.
Junto ao colega Jean Reboul-Lachaux, ele foi o primeiro a descrever, no início dos anos 20, um caso do tipo.
Era o caso de uma mulher de 53 anos que acreditava que seu marido, filhos e trabalhadoras domésticas tinham sido substituídos por impostores.
Ela chegou a pensar, inclusive, que ela mesma tinha entre duas e três sósias que estavam envolvidas em um plano para roubar sua identidade e herança.
A síndrome também é conhecida como "ilusão dos sósias".
Ambivalência
"Desde 1923, quando a síndrome de Capgras foi descrita, um estudo fenomenológico identificou pelo menos oito variantes dessa identificação equivocada", diz o artigo Capgras Syndrome and Dangerousness ("Síndrome de Capgras e sua Periculosidade", em tradução livre), publicado no Boletim da Academia Americana de Direito e Psiquiatria, em 1989.
"Do ponto de vista psicodinâmico, a síndrome se caracteriza geralmente por sentimentos marcantes de ambivalência com uma falsa identificação delirante em relação a uma ou mais pessoas importantes para o indivíduo", acrescenta o texto.
Os pesquisadores Arturo Silva, Gregory Leong, Robert Weinstock e Catherine Boyer, autores do artigo, explicam que o delírio é apenas um dos componentes de um quadro clínico muito mais amplo e complexo.
Eles afirmam que a síndrome e suas variantes estão frequentemente associadas à esquizofrenia paranoide, transtorno bipolar e esquizoafetivo.
Um homem estranho na cama
A psiquiatra Carol W. Berman também escreveu sobre o assunto.
Em um artigo para o site de notícias e opinião HuffPost, Berman relatou o caso de uma de suas pacientes, Janet, uma jovem de 24 anos que um dia chegou em casa e encontrou um homem estranho, usando os pijamas do marido, deitado na cama do casal.
"Quem é você? Como você entrou no meu apartamento?", perguntou. "Responde logo porque eu vou chamar a polícia", ameaçou.
Janet contaria depois a Berman que o homem era muito parecido com Dave, seu marido. Mas ela sabia muito bem que não era ele que estava ali.
"Como psiquiatra, eu trato de muitas doenças raras, mas este caso foi um dos mais peculiares", diz a médica, que tem mais de 25 anos de experiência em psiquiatria.
Quando a paciente relatou o ocorrido, ela perguntou: "Você tomou seu remédio?"
Ela estava se referindo a um antipsicótico para combater esquizofrenia. Ter delírios, como o de Capgras, faz parte da condição.
Janet, que também chegou a acreditar que os pais tinham sido substituídos por impostores, foi hospitalizada e retomou o tratamento. Ela se recuperou e seguiu em frente.
"Minha paciente sofria de uma variação da síndrome de Capgras, em que os pacientes acreditam que seus entes queridos são substituídos por sósias imprecisos", indicou a médica.
Manifestações violentas
É possível que o paciente tenha atitudes violentas em relação ao "impostor".
Portanto, qualquer comportamento agressivo e hostil é um alerta para familiares e médicos.
Silva, Leong, Weinstock e Boyer citam, em seu artigo, quatro casos comoventes de pacientes com Síndrome de Capgras:
- Um homem que delirava sobre as identidades do pai, irmã, sobrinho, irmão e cunhado. "Ele acreditava que seus parentes reais haviam morrido e que as pessoas que estavam ali eram clones, cujos corpos foram tomados por espíritos". Este paciente matou o pai e feriu gravemente o sobrinho.
- Um paciente achava que a mãe, o tio e outros familiares haviam sido substituídos por sósias. "Ele acreditava que seus parentes verdadeiros tinham sido assassinados por razões desconhecidas, e também manifestava delírios de grandeza, em que era extremamente rico e dizia que os 'impostores' haviam roubado seu dinheiro".
- Outro afirmava que a mãe tinha morrido e havia sido substituída por uma mulher quase idêntica a ela. Ele dizia que "podia detectar a impostora porque sua voz era diferente da de sua mãe. Acreditava que o pai tinha vivido com a impostora sem perceber sua identidade".
- Um homem achava que os pais foram substituídos por cópias idênticas quando ele era bebê. "Ele acreditava que os sósias haviam matado seus pais verdadeiros e que eles também nutriam más intenções em relação a ele, embora fossem frequentemente sutis em sua malícia."
Os quatro pacientes tinham comportamento ameaçador e violento em relação aos familiares. Eles foram hospitalizados e receberam tratamento médico, que costuma envolver antipsicóticos e acompanhamento psicológico.
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