domingo, 9 de setembro de 2018

A misoginia virtual e a liberdade de expressão

5 de setembro de 2018
Misoginia é o nome dado para a antipatia, o desprezo ou a aversão às mulheres. A palavra tem origem na junção dos termos gregos miseo, que significa ódio, e gyne, que se refere à mulher. O termo apesar de ser bem antigo, ganhou maior destaque somente nos últimos anos nas redes sociais, com as crescentes discussões sobre os direitos das mulheres, debates sobre questões de gênero e valores do feminino.
Para especialistas e estudiosos, é justamente esse ódio que sustenta o machismo e a ideia de que os homens são melhores e mais capazes do que as mulheres. A misoginia também está por trás do grande número de crimes cometidos contra as mulheres: das agressões verbais e físicas, até mesmo no ambiente virtual, ao feminicídio.

A misoginia na História
O historiador e filósofo Leandro Karnal, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressalta que a misoginia é um dos ‘preconceitos’ mais antigos e mais enraizados da espécie humana. Em uma avaliação da representação da mulher na figura de Vênus, em diferentes períodos da História da Arte, conclui o quanto na visão dos artistas – todos homens – o corpo da mulher era objetificado, e era de maior relevância na figura feminina.
O filósofo também destaca a misoginia e a aversão ao feminino no pensamento de importantes intelectuais dos séculos 19 e 20. Como o alemão Arthur Schopenhauer, que dizia que “a mulher, por natureza, deve obedecer” e que “as mulheres são naturalmente inimigas”. O filósofo alemão Nietzsche disse que “ao sair para o encontro com uma mulher, não se esqueça de levar o chicote”, em um de seus aforismos. Erasmo de Rotterdam, importante nome do Humanismo, disse que “a mulher é um animal inépito e estúpido, embora agradável e gracioso”.
Essa ideia de inferiorização da mulher foram divulgadas com certa naturalidade durante séculos e serviram de base para o pensamento ocidental, fincada em valores patriarcais. A atenção para a forma como a mulher e o feminino eram abordadas na sociedade acontece com força somente em meados do século 20, como obras de feministas como Simone de Beauvoir, Louisa May Alcott, Charlotte Brontë, Mary Wollstonecraft e Virginia Woolf.
A misoginia virtual – liberdade de expressão e o discurso de ódio
Hostilidade e assédio não são novidade para as mulheres que navegam na internet, da mesma forma que não são raras no mundo offline. Mas o número e intensidade do discurso de ódio contra a mulher nas redes, tem causado preocupação.
Em parte, o anonimato é um dos aspectos que mais contribui para o potencial da internet, inclusive como ferramenta de ação política. E se hoje a internet é um canal de produção cultural fervilhante, isso se deve em certa medida ao caráter quase sempre anônimo da cultura do remix.
Todos temos o direito assegurado pela Constituição Federal de expressarmos nossas ideias e convicções,
desde que não ferindo o direito legítimo de terceiros, conforme artigo 5º, IV e IX. O direito de liberdade de expressão é um direito fundamental que se inclui no rol de direitos da personalidade, por fazer parte do direito de personalidade, é indisponível e inato, nasce com a pessoa, sendo o direito de expressar ou não seus pensamentos, haja vista que essa liberdade pode ser fazer ou não fazer.
Porém, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, sendo que nas hipóteses onde o exercício da liberdade de pensamento e expressão fere direito constitucionalmente consagrado de outrem, é necessário a devida limitação e punição. De modo que apesar de ser proibida a censura, deve haver a responsabilização daqueles que praticarem abuso no exercício do seu direito de liberdade de expressão.
O discurso de ódio ocorre quando um indivíduo se utiliza desse direito para inferiorizar e discriminar terceiros baseado em suas características, como sexo, orientação sexual, religião, etc. São duas as características necessárias para o discurso de ódio acontecer: discriminação e exteriorização de pensamento.
Recentemente, o Congresso aprovou a lei de nº 13.642, de 3 de abril de 2018, que busca combater o que, o artigo 1º, inciso VII, da lei classifica como “quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que dinfundam conteúdo misógino, definido como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres.” Nesse rol se enquadra a propagação de imagens, mensagens, sons, ou qualquer outra espécie de conteúdo ofensivo às mulheres. 
Ao atribuir a investigação desses crimes à Polícia Federal, tem-se objetivo de coibir a ocorrência de casos como o da ativista feminista Lola Aronovich, professora de Literatura em Língua Inglesa e autora do blog Escreva Lola Escreva. Ela foi vítima de ataques e ameaças online há algum tempo, sem que a polícia conseguisse identificar os responsáveis.
Na atualidade, esta matéria está prevista no Código Penal de alguns países, nomeadamente, a França, Holanda e Lituânia, em leis anti-discriminatórias, leis sobre igualdade de gênero, leis de violência contra a mulher, entre outros.
Há exemplos de condenações por discurso de ódio sexista, como o caso do autor de um tweet contendo ameaças de estupro condenado em setembro de 2014 a pena de 18 semanas de prisão ou autores de mensagens abusivas no Twitter sentenciados a pena de 12 e 8 semanas, todos no Reino Unido (Conselho da Europa, 2016).

Giuliana Debiazi é estudante de direito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário