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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Livro sobre Maria Bonita mostra que, no Cangaço, estupro era arma de dominação feminina

Marie claire

03.09.2018 - POR MARIA LAURA NEVES

Obra desmistifica a trupe de Lampião. Violentar mulheres era dos crimes mais praticados pelo bando

Gera era o nome popular dos estupros coletivos no sertão do Nordeste, em meados do século passado. Era também um dos crimes mais frequentemente praticados pelo bando de Lampião em suas incursões pelo sertão nordestino na década de 30. No recém-lançado Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço (Objetiva, 296 págs., R$ 49,90), a jornalista Adriana Negreiros joga luz sobre a dura realidade das mulheres que acompanhavam o grupo – ou que simplesmente tinham a pouca sorte de topar com os cangaceiros.
Maria Bonita - A casa em que ela nasceu (Foto: Divulgação)
As motivações dos geras eram diversas e, muitas vezes, supérfluas. O primeiro estupro coletivo descrito no livro é o de uma jovem casada com um homem de 80 anos. Inconformado com a união, Lampião degolou o marido e, na sequência, estuprou a menina. Foi seguido por seus asseclas, em um ritual que se repetiria com as mulheres, mães e filhas de inimigos e delatores, muitas vezes na frente deles, como instrumento de humilhação. Lampião, o chefe, era sempre o primeiro a penetrar as vítimas.
Maria Bonita - A rainha  do cangaço em trajes  de festa (Foto: Divulgação)
Às companheiras dos cangaceiros, as únicas mulheres que faziam parte do bando, restava um papel semelhante: o de subserviência sexual, além dos habituais afazeres domésticos. Algumas entravam para o grupo por amor, mas outras eram sequestradas ainda crianças. A rotina era errante e violenta. Em comum, não podiam deixar a vida bandida. As que tentavam fugir eram assassinadas. As que ficavam viúvas logo eram destinadas a outro “dono” entre os cabras. 
Maria Bonita - Com o marido, Lampião (Foto: Divulgação)
As duras regras valiam também para a mulher do capitão, Maria de Déa, que depois de morta ficou conhecida como Maria Bonita, em um apelido dado pela imprensa admirada com sua beleza. “Todas as cangaceiras, Maria incluída, eram tratadas como inferiores aos homens”, diz Adriana. “Ela viveu uma existência marcada pela violência – e uma das mais fortes certamente foi entregar a filha recém-nascida, Expedita, para um casal, visto que as cangaceiras não tinham o direito de criar os próprios filhos”, completa.
Maria Bonita - Ela, o marido  e os cães de estimação (Foto: Divulgação)
Amplamente retratada e muitas vezes glamurizada, a história do cangaço ainda não tinha sido contada do ponto de vista feminino. “Em dois anos de investigações sobre o tema, nenhuma dessas terríveis cenas me chocou tanto quanto a mais incômoda das constatações: a de que os relatos das cangaceiras são geralmente desacreditados em relação à extrema brutalidade da qual foram vítimas”, escreve Adriana.
Dadá, uma das mais importantes do bando, foi raptada pelo marido, Corisco, aos 12 anos e estuprada na sequência. Anos depois, ela descreveria as cenas, em que teria gritado pelos pais quando foi agarrada por dois capangas. Depois, amarrada ao lombo de um burro. No meio de uma mata, o homem a jogou no chão, levantou seu vestido, abriu suas pernas e debruçou-se sobre elas, “feito um animal”. Seu relato foi considerado “exagerado” por historiadores homens. Sobre outra cangaceira, chamada Sila, raptada aos 11, um jornalista escreveu que ela acompanhou o bando “porque quis”. Maria Bonita vem para fazer justiça a essas mulheres, repetidamente maltratadas pela história.
Maria Bonita - A capa do  livro (Foto: Divulgação)
Maria Bonita - A capa do livro (Foto: Divulgação)

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