domingo, 4 de novembro de 2018

Barbara Gancia: "[no Brasil] parece que famosos não bebem. Existe uma enorme hipocrisia nesse meio"

A Marie Claire, a jornalista conta como largou o vício no álcool e, ainda, como o preconceito ainda reina no tema - na sociedade e na TV, entre as celebridades

29.10.2018 - POR ROBERTA MALTA

Ela tem 61 anos, 30 de alcoolismo e há 11 está abstêmia. Com texto bem-humorado, leve e com passagens tragicômicas, a jornalista Barbara Gancia conta como largou o vício no recém-lançado "A Saideira: Uma dose de esperança depois de anos lutando contra a dependência" (Planeta do Brasil, 304 págs., R$ 49,90).

Marie Claire: Por que esse livro neste momento?
Barbara Gancia: Porque comecei a perceber que, no Brasil, ninguém admite que tem problemas. O rei da canção popular, Roberto Carlos, não tem uma perna e não toca nesse assunto. Poderia ajudar um monte de gente, se falasse disso. Mas não. A gente só fica sabendo que alguém é dependente químico quando a pessoa dá piti. Foi assim com o [Walter] Casagrande, o Fábio Assunção, o Felipe Camargo... 
Barbara Gancia  (Foto: Eduardo Knapp / divulgação)
MC: Você fala das celebridades?
BG: Sim! Nos Estados Unidos, o Michael J. Fox tem uma organização filantrópica de pesquisa sobre Parkinson, doença que nunca escondeu. Aqui, parece que os famosos não bebem, não usam drogas, já nascem magros. Ninguém toma bola, anfetamina. Ninguém cheira pó. Existe uma enorme hipocrisia nesse meio, porque se você revela suas falhas não é chamada para dar palestra, apresentar festa de debutante. É preconceito mesmo! 
MC: Mas você dava palestras para a Ambev...
BG: Sim! Porque, quando me dei conta de que tenho esse dom de falar, de escrever, me pus na frente de um bambambã da Ambev [o então diretor Milton Seligman] e disse: “É tempo de sustentabilidade, toda indústria tem de reciclar seu lixo. Eu sou o lixo que a sua indústria cria, e vocês vão ter de lidar com isso”. Aí eles compraram minhas palestras sobre alcoolismo, durante quatro anos.
MC: Você é conhecida por não ter travas na língua. Acha que o álcool ajudou a talhar sua personalidade?
BG: Não tenho a menor ideia de quem eu teria sido se não tivesse sido viciada. Porque a gente é uma soma das nossas vivências. Socialmente, sempre fui muito livre. Meus pais eram liberais, modernos, corriam de automóvel... Ninguém ficava me vigiando. Mas, provavelmente, teria tido uma vida particular (coisa que não tive porque me expunha o tempo inteiro) e me machucado menos.
MC: O álcool a levou a outras drogas?
BG: A bebida é definitivamente minha droga de escolha. Só comecei a usar cocaína quando achei que o álcool não estava fazendo mais efeito. Tinha uma função específica. Mas detesto! Sou hiperaflita, agitada, ansiosa. Cheirar sem tomar nada nunca me passou pela cabeça. Com a maconha só parei porque engorda (risos). Também não bate mais como antigamente – fora que o que a gente hoje compra não é maconha, é bosta de cavalo turbinada.
MC: Em que momento você percebeu que era alcoólatra?
BG: O [biógrafo] Ruy Castro, que não dirige, me ligou pedindo que o levasse até a clínica onde havia passado 28 dias tratando o alcoolismo. Na verdade, queria aproveitar e me levar para conhecer o programa. Lá, um médico me perguntou se eu topava responder às perguntas que classificam um alcoólatra [como “nos últimos 12 meses, você faltou ao trabalho por causa da bebida?”]. Eram mais de 20, e quem diz “sim” a quatro deve se preocupar. Minha resposta foi positiva para todas.
MC: Você se sente curada?
BG: Não que eu não me sinta. Estou totalmente sóbria, e segura quanto a isso. O problema é que se eu beber amanhã, meu metabolismo vai entender que não precisa produzir mais endorfina. E aí, volto a ficar angustiada e compenso com mais bebida. Em um mês, posso voltar ao meu grau de alcoolismo máximo. Comparo isso a uma vela que, se você acende mais de uma vez, continua a queimar do ponto onde havia parado.
MC: Há muitas mulheres no Alcoólicos Anônimos?
BG: Cada vez mais! Inclusive porque temos mais água no corpo, mais gordura que se transforma em glicose, o metabolismo mais lento... Não sou especialista no assunto, mas sei que, em média, homens levam dez anos para se tornarem dependentes, e nós, cinco ou menos.
MC: Qual a sua expectativa com o lançamento desse livro?
BG: Estou com medo. Do jeito que está o pensamento conservador neste país, muita gente vai me chamar de louca, de filha da mãe. Mas, de verdade, espero que sirva pra alguém. Se uma pessoa parar de beber porque leu o meu livro, estou feliz.
MC: Qual é a sua saideira hoje?
BG: Atualmente, saio bem pouco. Deixei de ser a cigarra e virei a formiguinha que faz geleia de avental e etiqueta cada vidro. Minha saideira é um pouco meus livros, bastante minha mulher [a empresária Marcela de Castro Bastos] e as séries de televisão.

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