Ativistas estão começando uma conversa em que as mulheres não são mais mercadorias sexuais, mas consumidoras sexuais
Quando Stephanie Theobald fez uma recente palestra intitulada “Sexo e Julgamento”, na Universidade de Oxford, na Inglaterra, seu novo livro de memórias, Sex Drive, esgotou. Nele, Theobald explora o prazer sexual feminino na condição de ativista de um grupo crescente de feministas sexualmente positivas que desafiam as expectativas culturais. Sua missão comum é permitir que as mulheres se manifestem sobre seus desejos sexuais não revelados.
O fato de a nova loja da atriz Gwyneth Paltrow em Notting Hill, em Londres, Goop, ter uma vitrine de brinquedos sexuais, ao lado de suéteres de cashmere, diz Stephanie, é “um passo na direção certa. Talvez ainda seja necessário o cavalo de Troia do ‘bem-estar’ para deixar o prazer sexual das mulheres entrar na sala, mas é ótimo que se esteja falando disso na corrente dominante”.
Nestes dias pós-#MeToo, quando o sexo é muitas vezes apresentado como imoral, perigoso ou potencialmente ilegal, o prazer feminino tornou-se politicamente importante, segundo Stephanie. “A raiva não vai nos levar a lugar nenhum”, diz, e é por isso que ela convoca uma revolução do prazer. “A primeira revolução sexual foi sobre o desejo masculino”, diz ela. “Nos anos 1970, os homens ainda perguntavam se as mulheres tinham orgasmo, e, se tivessem, quem se importava? O MeToo foi sobre homens impondo seu prazer às mulheres. A revolução do prazer é sobre as mulheres afirmando seu próprio prazer.”
Nestes dias pós-#MeToo, quando o sexo é muitas vezes apresentado como imoral, perigoso ou potencialmente ilegal, o prazer feminino tornou-se politicamente importante, segundo Stephanie. “A raiva não vai nos levar a lugar nenhum”, diz, e é por isso que ela convoca uma revolução do prazer. “A primeira revolução sexual foi sobre o desejo masculino”, diz ela. “Nos anos 1970, os homens ainda perguntavam se as mulheres tinham orgasmo, e, se tivessem, quem se importava? O MeToo foi sobre homens impondo seu prazer às mulheres. A revolução do prazer é sobre as mulheres afirmando seu próprio prazer.”
Em seu livro, uma viagem pelos Estados Unidos numa espécie de Thelma e Louise combinado com Comer, Rezar, Amar, Stephanie Theobald procura a primeira onda de lendas feministas de sexualidade positiva do país, dos anos 1970 e 80, numa tentativa de mapear para si mesma um novo caminho para o prazer sexual, depois do fim de um relacionamento de dez anos. “Meu padrão habitual de relacionamento era me entediar com o sexo, fingir, ser descoberta, provocar o caos”, diz ela. “Então pensei em ser honesta e dizer que eu precisava sair e reencontrar o meu desejo.” Ela leva as leitoras por uma América da contracultura, com pirulitos de maconha, cultos de prazer estranhos e sexólogos “ecossexuais”, em uma jornada que se torna uma viagem por seu próprio corpo.
As mulheres que Stephanie encontra defendem há décadas uma abordagem da sexualidade livre de vergonha. Elas incluem Betty Dodson, 89 anos, saudada como “uma das primeiras feministas” por Gloria Steinem e autora de Sex for One (recentemente, ela reviveu suas aulas de masturbação nos anos 1970); a especialista de 85 anos Joycelyn Elders, demitida por Clinton no auge da epidemia de Aids, em 1994, por dizer que era preciso falar sobre masturbação nas escolas; e Whitney Wolfe, fundadora do app de encontros feministas Bumble. Quando chega à Califórnia, Stephanie é induzida às fronteiras do autoprazer, quando a artista do sexo cult Annie Sprinkle lhe ensina a ter um “orgasmo energético” no estilo tântrico.
A linguagem ainda é um dos últimos tabus da sexualidade feminina, diz Stephanie, citando o neurocientista Barry Komisaruk, da Universidade Rutgers, nos EUA, que estuda o prazer sexual e a dor nas mulheres. Ele soube que poderia ganhar uma verba para seu trabalho acadêmico, “Analgesia Produzida por Estímulo Vaginal”, se ele retirasse a palavra “vaginal” da proposta. “Longe de ser frívolo ou uma ‘indulgência’”, diz Ms. Theobald, “acredito que é positivamente perigoso não falar honestamente sobre a sexualidade feminina. Essa velha história que as corporações adoram usar, o ‘empoderamento feminino’, nada significa se o sexo não estiver incluído na mistura.”
Os “peritos sexuais” de hoje estão pedindo que a linguagem do prazer e sua fonte sejam despidas do estigma. “Nós realmente precisamos começar a usar as palavras corretas para os nossos órgãos genitais”, diz a pioneira Betty Dodson. “Temos uma ‘vulva’, e não uma ‘vagina’; a vulva inclui o clitóris, os grandes lábios, os pequenos lábios, a uretra e a vagina – que só tem sensações por causa dos nervos do clitóris. Quando dizemos ‘vagina’, estamos deixando de fora o principal órgão sexual feminino, que é o clitóris.”
Também se costuma desprezar o fato de que as mulheres têm 8 mil terminações nervosas no clitóris, enquanto os homens têm 4 mil no pênis. No dia do lançamento de Sex Drive, Stephanie Theobald dirigiu por Londres em um Mustang amarelo com um clitóris de 1,20 metro no banco traseiro, porque, segundo ela, “nós temos carros esportivos e os homens têm bicicletas”. A designer de joias francesa Anne Larue também criou um pingente em forma de clitóris em prol da libération sexuelle para o Sex Drive, cuja primeira versão foi usada pela editora da Vogue francesa, Carine Roitfeld.
A atriz vencedora do Oscar Emma Thompson disse que o livro “me inspirou a buscar novas alturas!” . Kate Devlin, cientista da computação e palestrante na Universidade Goldsmiths, de Londres, vê uma tendência semelhante a favor da gratificação sexual masculina na indústria de tecnologia sexual. Quando ela começou a escrever seu livro Turned On: Science, Sex and Robots (Ligada: Ciência, Sexo e Robôs), em 2017, os robôs sexuais eram pouco mais que um piscar de olho de um desenvolvedor de tecnologia. Um ano depois, os robôs sexuais Harmony, da Realdoll, sediada na Califórnia, estão saindo da linha de produção: mulheres plásticas perfeitamente esculpidas. Todas destinadas aos homens.
“Temos esta ideia de uma amante artificial perfeita, que tende a ser uma mulher muito sensual, uma femme fatale, e isso é meio bobagem”, diz a doutora Devlin, que gera ideias que atraem as mulheres, ideias que são mais sensuais, íntimas e pessoais. “Falou-se em criar uma versão masculina de um robô sexual, mas isso ainda está na infância e, para ser franca, não vejo realmente atração nisso – especialmente para as mulheres.”
Kate Devlin lançou a primeira hackathon tecnológica sexual do Reino Unido em 2016, convidando 50 hackersdo mundo todo para pensar novas maneiras de explorar a tecnologia sexual. “Isso realmente abriu a ideia de como podemos fazer tecnologia sexual que não seja parecida com humanos, que não seja algum tipo de mulher artificial”, diz ela.
“O mercado de robôs sexuais está fortemente ligado ao gênero neste momento. Os robôs sexuais estão presos numa vala da engenharia. De modo geral são bonecas com uma cabeça robótica, com um robô de bate-papo de IA como personalidade, e eles objetificam as mulheres. Se pudermos nos afastar de toda essa coisa de gênero”, continua ela, “e fazer tecnologias que sejam imersivas ou incorporadas, ou de tamanho real, mas que não pareçam humanas, poderemos ter tecidos inteligentes e materiais sensuais que reajam ao toque.”
No hackathon de 2017, um grupo desenvolveu um “xale” sensual para acariciar o corpo. “Outro usou realidade aumentada para criar uma ‘nuvem’ sensual de pétalas de rosa com diversos motores vibrantes para estimular a pele enquanto as pétalas a envolvem”, diz ela. “O hackathon produziu um ‘pavão’ que reagia ao estímulo físico com uma cauda que se abria quando a mulher estava excitada.”
Outra zona de prazer da mulher é oferecida no festival anual de música Shambala, em Northamptonshire (Inglaterra), onde os visitantes são convidados a sentar em uma vulva gigante, uma instalação chamada de “Lady Garden”. A instalação ganhou vida em 2016, com a ideia de criar uma representação anatomicamente correta da genitália feminina que estimularia conversas sobre a sexualidade feminina, enquanto também ofereceria um lugar aconchegante para encontrar pessoas. No ano passado, a instalação foi uma vulva “caverna” numa floresta, onde cabiam seis pessoas.
“Você passa pelos lábios, por duas camadas de cortinas de tecido, nós a tecemos com pele e penugem, e ficou realmente aconchegante lá dentro”, diz a artista performática Camilla Mason, 26 anos, diretora criativa da Lady Garden e uma das artistas do grupo responsável pela instalação. Os visitantes também eram desafiados a encontrar o Glitorus, uma escultura anatomicamente correta de um clitóris pendurado entre árvores, que era coberto de glitter ecológico. “A ideia era ver se você conseguia encontrá-lo. Nem todo mundo conseguia, o que aumentava a graça.”
As reações à instalação variavam, dependendo da hora do dia e da idade dos visitantes, diz Camilla. “Quase todo mundo dizia: ‘Oh, que legal’. Ela provocava vários temas de conversa em torno da sexualidade e da genitália femininas, e simplesmente a feminilidade em geral, o que era o principal para mim. Eu também queria que fosse engraçado e divertido, e ligado à ideia de materiais reciclados, assim como educar as pessoas sobre a estrutura da vagina e do clitóris.”
No primeiro ano, meninos de 16 a 18 anos também entravam. “Eles eram um pouco desrespeitosos e grosseiros”, diz a artista, “mas no segundo ano percebi que sempre que um menino ou qualquer pessoa dizia: ‘Oh, que estranho, para que serve isso?’, alguém, geralmente uma menina, dizia: ‘Não diga isso, tenha respeito’. As meninas estavam se manifestando.”
Entre aquela geração, diz Mason, “a anatomia não é discutida ou examinada. Nem eu sabia a forma real do clitóris até que o examinei. Isso não é ensinado na escola. Mas, se você olhar bem, ele parece um pênis e, se você pensar, no feto ou ele vai para um lado ou para o outro. Acho que os meninos acham difícil entender isso, e as meninas também. Além disso, existe um tabu sobre a masturbação, e as meninas não sabem como fazer. O tema é algo de que não comentamos na escola. As meninas têm muito menor probabilidade de descobrir sozinhas como funciona, e elas dependem do menino. Quando uma garota descobre isso sozinha, pode passar o conhecimento para qualquer pessoa com quem faça sexo”.
Para a terapeuta sexual Kate Moyle, uma vulva caverna é exatamente do que precisamos. “Enquanto cultura, ainda temos esse nível de vergonha, tabu e embaraço em torno da sexualidade”, diz ela. Kate Moyle quer que mais mulheres verbalizem seus desejos a seus parceiros e falem sobre seus problemas. “Eu considero uma grande parte do meu trabalho como educação, fornecer informações exatas e ‘normalizar o normal’. Quando as pessoas têm um problema com o sexo – uma incapacidade de ter orgasmo, por exemplo –, elas são corroídas pela vergonha porque acham que são a única pessoa no mundo que se sente dessa forma.”
Só recentemente estamos começando a ouvir falar em disfunções sexuais femininas, diz ela. “Todo mundo ouviu falar em disfunção erétil, mas as mulheres apenas começam a saber de condições como vaginismo e dispareunia (dor durante o sexo). Não ajuda muito o fato de termos sido alimentadas com uma versão sanitizada por Hollywood da sexualidade feminina e que ainda atuamos sob uma nuvem de vergonha e confusão quando se trata do sistema sexual feminino: 25% das mulheres não fazem teste de secreção porque sentem vergonha; para as jovens, esse número é ainda maior.”
Stephanie Theobald também salienta a hipocrisia que cerca a saúde sexual feminina, apontando que a dispareunia só é abordada em um quinto dos estudos, comparada com a disfunção erétil. Segundo a máquina de buscas médicas online PubMed, havia 1.954 estudos sobre disfunção erétil no ano passado, contra apenas 393 sobre dispareunia. A própria cientista começou a sofrer de vulvodínia, ou dor na vulva, quando tinha 40 anos.
A revolução sexual pode ter começado há mais de 50 anos, diz Kate Moyle, “mas nós apenas começamos a captar a ideia de que o sexo tem de ir além do funcional, para o divertido. As mulheres precisam aprender quais as sensações que elas desfrutam, a explorar seus desejos – ouvir audiolivros ou ler literatura erótica”. O problema, segundo ela, “é que estamos brincando de pega-pega em um ambiente onde o sexo está em qualquer lugar que você olhe – todo mundo tem um smartphone, há sexo em quase todos os anúncios de perfumes – e a suposição de que todos os outros estão tendo ótimo sexo”.
Precisamos de imagens mais realistas do sexo, como o site Make Love Not Porn (Faça Amor, Não Pornô), da executiva de publicidade Cindy Gallop, que celebra #realworldsex, ou a pornografia voltada para mulheres FrolicMe, de Anna Richards. “Mas não se trata apenas de ter imagens mais realistas”, acrescenta Kate. “Tem a ver com compreender a diferença entre o real e o irreal, porque é aí que está a brecha.”
Se há um mito sobre sexo que ela poderia romper é o de que “os homens e as mulheres têm uma expectativa diferente do sexo. Reagimos a um toque ou a algo que lemos ou assistimos, mas há essa ideia de que deveríamos nos excitar espontaneamente, como a mulher que se contorce no sofá no anúncio de perfume”. E ela quer que fique registrado que “não só as mulheres querem ter sexo melhor. Os homens também querem que suas mulheres tenham sexo melhor – estamos nisso juntos.”
A dominatrix Reba Maybury está comprometida com mudar o equilíbrio de poder entre os sexos. A ideia da dominadora como o que ela chama de “um totem de poder” foi o que a atraiu para a profissão. “Fiquei fascinada pela ideia de uma mulher poderosa, e sempre fui fascinada por sexo e ideias de vergonha em torno da sexualidade. Acho ridículo as pessoas serem sigilosas sobre fetiches, porque todo mundo os tem. Alguns são mais radicais que outros. Para a maioria das pessoas, os fetiches são sutis e delicados.”
Reba Maybury, conhecida como Mistress Rebecca, é uma dominadora política com estilo próprio. Ela brinca “com conceitos de humilhação”, usando palavras e jogos mentais em vez de chicotes e fantasias para diminuir seus subjugados. “Estou interessada nas aspirações dos homens, em como eles se sentem confiantes e como essa confiança muitas vezes é fugaz”, diz ela. Ms. Rebecca também dá palestras de política e pensamento crítico na Central Saint Martins, da Universidade de Artes de Londres, e mostra sua arte na Galeria Arcadia Missa, no SoHo. “Tenho um formulário que eu os faço preencher para que possa encontrar seu líder favorito, sua banda e filme favoritos. Quando afasto as aspirações capitalistas, o que fica são seus verdadeiros desejos. A maioria dos homens jamais considera em que se baseia sua masculinidade, o que é assustador. Toda a masculinidade, se olharmos de um ponto de vista histórico, é para dominar as mulheres.”
A dominatrix Reba Maybury quer, com seus artefatos, mudar o equilíbrio de poder entre os sexos
Uma socialista de origem mestiça, Reba Maybury só domina homens brancos, preferencialmente de direita. “Não consigo me forçar a ser nem ficticiamente cruel com qualquer outro tipo de homem. Torna a performance muito mais fácil”, diz ela. “Eu nunca poderia ser má com alguém que não fosse branco, porque o mundo é dirigido por homens brancos, certo?”
Ela geralmente encontra seus clientes na internet, pelo Tinder ou Instagram, ou em seu programa de rádio, Mistress Rebecca’s World, na NTS Radio, uma estação online baseada em Hackney. Alguns “relacionamentos” continuam virtuais, com intercâmbios por webcam e texto. Outros são conduzidos em locais públicos, muitas vezes em restaurantes de fast-food e cafeterias. “Por fora você nunca saberia qual é a dinâmica entre nós – apenas parecemos duas pessoas comuns tomando café”, explica.
Reba Maybury documentou essas relações em uma novela, Dining with Humpty Dumpty – “perto de 75% do livro é real, o resto é ficcionalizado” – e desde então desenvolveu seu trabalho de dominadora em um tipo original de arte de performance. “Eu apenas percebi que posso usar meu trabalho como dominadora para ser a versão de uma criadora corporativa, como uma diretora de arte, em que os estagiários fazem todo o trabalho. A ideia é que eles façam o trabalho por mim e então eu ganhe dinheiro quando for vendido.”
Fiel às suas crenças feministas, ela está doando os lucros do próximo livro, Bints! A Conversation Between Mistress Rebecca and the Elysium Harvester, para o Swarm, sindicato das trabalhadoras sexuais. “O livro baseia-se em minha conversa com um misógino muito estranho. Pedi para um submisso fazer o design gráfico, a outro o trabalho de arte, a outro a capa e outro pagou por tudo, e a renda vai para as trabalhadoras do sexo. Estou tentando usar esses homens para ajudar as mulheres a também ganhar dinheiro.”
Essas ativistas estão começando uma conversa em que as mulheres não são mais mercadorias sexuais, mas consumidoras sexuais. Está na hora da revolução do prazer.
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