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terça-feira, 11 de junho de 2019

Afinal, você sabe o que é estupro?

O estupro é considerado um dos crimes mais violentos e, por isso, é crime hediondo. Mas qual a linha divisória entre o que é estupro e o que não é?
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De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

O estupro é considerado um dos crimes mais violentos, sendo considerado um crime hediondo. O crime pode ser praticado mediante violência real (agressão) ou presumida (quando praticado contra menores de 14 anos, alienados mentais ou contra pessoas que não puderem oferecer resistência). Logo, drogar uma pessoa para manter com ela conjunção carnal configura crime de estupro praticado mediante violência presumida, pois a vítima não pode oferecer resistência.
Atualmente, a pena no Brasil é de 6 a 10 anos de reclusão para o criminoso, aumentando-se de 8 a 12 anos, se há lesão corporal da vítima, ou se a vítima possui entre 14 a 18 anos de idade, e de 12 a 30 anos se da conduta resulta em morte.
Antes de 2009, a lei definia estupro como "constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça". Assim, se deixava implícito que apenas a mulher poderia ser a vítima desse crime, e somente o homem poderia ser o agente ativo. Com a Lei 12.015/2009, o artigo 213 do Código Penal foi alterado, substituindo a expressão "mulher" por "alguém". Logo, o homem também pode ser vítima de estupro. A alteração também coloca a mulher como possível autora do crime, deixando de ser um crime "bi-próprio", em que é necessário uma condição especial para o sujeito ativo (homem como criminoso) e passivo (mulher como vítima) para um crime "comum", em que homens e mulheres podem ser sujeitos ativos e passivos.
Em alguns trechos, o termo "violência" foi substituído por "conduta", visando ampliar a atuação da lei. Também foram removidos por completo os termos "mulher honesta" e "virgem".
O uso de arma, possivelmente pelo princípio da consunção ficará absorvido, sendo o agente punido apenas pelo estupro ou atentado violento ao pudor, mas isto ocorrerá desde que não sejam as condutas autônomas e independentes entre si.
O elemento subjetivo do crime de estupro é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Trata-se de crime comum, visto que o tipo penal não exige que o agente possua características específicas para cometer o ato. Ainda, podem-se tirar duas conclusões a respeito do referido fato típico: tanto a conjunção carnal quanto qualquer ato libidinoso consumam o delito.
Objeto jurídico: é a liberdade sexual da mulher e do homem; o direito de escolher com quem deseja ter contatos íntimos, sexuais. Em nenhuma hipótese alguém poderá ser submetido a ter relação sexual contra a sua vontade. Se a prostituta, mesmo após o pagamento do “programa”, decide não fazer sexo com o cliente, a sua vontade deverá ser respeitada. Outro exemplo é o dos casados. Ainda que casada, a pessoa não poderá ser obrigada a ter relações sexuais com seu cônjuge. Portanto, o marido que obriga a esposa, mediante violência ou grave ameaça, a fazer sexo, pratica o crime de estupro. Nas relações sexuais, o consentimento dos envolvidos deve ser tido como condição absoluta, não existindo qualquer possibilidade de que o ato ocorra, licitamente, sem a sua existência.
Objeto material: é a pessoa, homem ou mulher, contra quem se dirige a conduta criminosa.
Núcleo do tipo: é o verbo “constranger”, ou seja, coagir alguém a algo. A vítima perde a liberdade de escolha e se vê obrigada a se submeter a ato sexual contra a sua vontade. O estupro é semelhante ao crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP), pois, nele, a vítima também é obrigada a fazer algo que a lei não manda. Contudo, no art. 213, o “fazer” diz respeito a ter relações sexuais sem consentimento. Por força do princípio da especialidade, havendo violência sexual, aplica-se o art. 213, e não o art. 146.
Sujeito ativo: qualquer pessoa, homem ou mulher. Se o autor da conduta for menor de idade, a prática será considerada ato infracional, regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Na conjunção carnal, o autor deverá, obrigatoriamente, ser do sexo oposto da vítima.
Coautoria e participação: antigamente, antes da Lei 12.015/09, havia grande celeuma sobre a possibilidade de a mulher ser sujeito ativo do crime de estupro, que só podia ser praticado por homens – afinal, o crime consistia em introduzir o pênis na vagina da vítima (conjunção carnal), contra a sua vontade. Concluiu-se, afinal, que seria possível a mulher atuar como partícipe, quando auxiliasse o homem a praticar o delito. Com a reforma do Título VI do CP, a discussão perdeu força, pois o estupro passou a ser não só a conjunção carnal, como qualquer outro ato libidinoso diverso. Portanto, atualmente, pode existir a coautoria entre mulheres, entre homens ou entre homens e mulheres, pois qualquer deles pode ser autor do delito.
Mulher como sujeito ativo do crime de estupro por conjunção carnal [1]:
Excepcionalmente, na hipótese de o sujeito ativo da cópula carnal sofrer coação irresistível por parte de outra mulher para a realização do ato, pode-se afirmar que o sujeito ativo do delito é uma pessoa do sexo feminino, já que, nos termos do art. 22 do Código Penal, somente o coator responde pela prática do crime. (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 3, p. 195).
Para Rogério Greco, em seu “CP Comentado”, por não ser possível a autoria mediata em crime de mão própria, o mais correto ao caso é a aplicação da intitulada “teoria do autor de determinação”: “Podemos, dessa forma, utilizar a teoria do autor de determinação, preconizada por Zaffaroni, a fim de fazer com que a mulher que determinou a prática do estupro mediante conjunção carnal responda, com esse título especial - autora de determinação -, pelas mesma penas cominadas ao estupro. Assim, de acordo com as lições de Zaffaroni, 'a mulher não é punida como autora do estupro, senão que se lhe aplica a pena do estupro por haver cometido o delito de determinar o estupro'. Tal raciocínio não se afasta das disposições contidas no art. 22 do Código Penal.”.
Mulher como sujeito ativo do crime de estupro por conjunção carnal [2]: a mulher que, mediante violência ou grave ameaça, obriga um homem a, com ela, ter conjunção carnal, pratica o crime de estupro? Sim, embora seja, na prática, difícil imaginar que um homem, nessa situação, consiga ter uma ereção.
Dessa forma, não é necessária a introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal, para consumar o crime de estupro. Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1567801/MG:
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONFIGURAÇÃO DO CRIME NA MODALIDADE CONSUMADA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O exame da alegada violação do dispositivo infraconstitucional em que se almeja o reconhecimento da modalidade consumada do crime não demanda imprescindível revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento vedado em recurso especial, a teor do Enunciado Sumular n. 7 do Superior Tribunal de Justiça, mas, sim, revaloração dos elementos já delineados. 2. Considerar como ato libidinoso diverso da conjunção carnal somente as hipóteses em que há introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal da vítima não corresponde ao entendimento do legislador, tampouco ao da doutrina e da jurisprudência, acerca do tema. 3. No caso, a conduta realizada pelo recorrido se amolda ao crime de estupro na modalidade consumada, por representar ato libidinoso, considerando que, conforme conduta descrita no aresto, o réu estava em cima da vítima, forçando a penetração vaginal. Recurso especial provido para reconhecer a apontada violação do art. 213, c/c o art. 14, todos do Código Penal, cassar o acórdão recorrido e, consequentemente, restabelecer a sentença condenatória em todos os seus termos (Processo n. 0521.12.004951-0).
Por conseguinte, o fato de inexistir conjunção carnal de fato não configura a modalidade tentada do crime de estupro. Conforme nos elucida o Ministro Relator da supracitada decisão, Rogerio Schietti Cruz.
Consoante já consolidado por esta Corte Nacional, o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que caracteriza o crime de estupro, ao lado da conjunção carnal, inclui
toda ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico entre o agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso (AgRg REsp n. 1.154.806/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 21/3/2012).
Pode parecer estranho a olhos mais acostumados a uma sociedade machista, mas esposas (e esposos) podem, sim, ser vítimas de estupro. O cônjuge que força uma relação depois de ouvir o famoso ‘hoje não, estou com dor de cabeça’ estará estuprando seu cônjuge. Cônjuges não têm direito sobre o corpo alheio. Sexo, só consentido. Seja dentro ou fora do casamento.
Também não importa se a pessoa pagou pelo sexo com o (ou a) prostituto(a). Se o prostituto recusar-se a manter relação com o cliente e o cliente ‘forçar a barra’, estará cometendo estupro. E o mesmo vale se a vítima aceitar algumas práticas sexuais mas não outras e o cliente forçar a vítima a praticar outra modalidade sexual que ela não deseja.
Por exemplo, o cliente que combina com a prostituta que farão sexo oral mas a força a fazer sexo anal estará cometendo um estupro em relação à segunda prática. Não importa que o cliente tenha pago por sexo (se parece estranho, faça a analogia: se alguém pagar para uma vítima para que ela sirva de alvo de tiro, deixaria de ser homicídio? Claro que não. Da mesma forma, o fato de o cliente ter pago para fazer sexo não dá a ele o direito de cometer um crime).
E também não importa que a vítima tenha inicialmente aceito fazer sexo. Se ela mudar de ideia durante a relação e pedir para parar, e a outra pessoa não parar, seus atos a partir daquele momento constituirão estupro.
É por isso, aliás, que os adeptos de sadomasoquismos têm palavras chaves para expressarem que desejam parar a prática. Como as palavras ‘não’ ou ‘pare’ podem fazer parte da fantasia sadomasoquista, os praticantes adoptam palavras que provavelmente não seriam usadas naquele contexto, como ‘Austrália’ ou ‘peixe-boi’ ou qualquer outra palavra ou frase que jamais se encaixariam naquele contexto de fantasia.
Por fim, vale lembrar que estupro pode ocorrer entre pessoas do mesmo sexo. Um homem pode ser vítima de estupro, e o culpado pode ser outro homem ou uma mulher. E vice versa.
Além da cópula vaginal (pênis na vagina), são considerados atos libidinosos os seguintes atos:
Todos os atos que implicam contato da boca com o pênis, com a vagina, com os seios ou com o ânus, os que implicam manipulação erótica (por mãos ou dedos) destes mesmos órgãos pelo respectivo parceiro, os que implicam introdução do pênis no ânus ou no contato do pênis com os seios, e os que implicam masturbação mútua.
Beijos na boca, mesmo de língua, ou carícias leves, não são atos libidinosos. Carícias mais fortes serão libidinosas apenas se implicarem qualquer dos atos acima descritos.
A manipulação não erótica, por meio de mãos ou dedos, do pênis, da vagina, dos seios ou do ânus de outra pessoa não configura ato libidinoso. Ela pode se dar, por exemplo, durante um exame médico, na maquiagem profissional de artistas ou modelos (estejam elas vestidas, nuas ou semi-nuas), por contato físico acidental (esbarrão), ou numa brincadeira rápida em público, até mesmo na TV.
Observação: Deve-se levar em conta que qualquer ato cometido com violência ou grave ameaça, com relação aos crimes que protegem a dignidade sexual, são considerados atos libidinosos.
O que vai dizer o que é libidinoso ou não é a intenção erótica daquele ato. Por exemplo, um homem que aperta os seios de uma mulher de forma violenta numa briga. Isso não é ato libidinoso (Nesse caso, se caracterizaria apenas como uma agressão física).
Por exemplo, dar um beijo com violência, pode caracterizar o ato libidinoso para a nova tipicidade do crime de estupro. Deve-se analisar o caso concreto.
Sem testemunhas e em muitas situações, sem vestígios físicos, o crime de estupro tem contra si algo que ganha cada vez mais força em decisões judiciais: a palavra da vítima. A jurisprudência brasileira atualmente concede à palavra da vítima maior valor probatório, em especial nos crimes sexuais.
A consequência desse endeusamento são os inúmeros casos de condenações injustas baseadas em mentiras, falsas memórias, falsos reconhecimentos (reconhecimentos que desrespeitam as regras previstas no Código de Processo Penal) ou até mesmo erros de boa-fé (LOPES JR., 2018. p. 457).
A palavra da vítima deve ser condicionada ao conjunto probatório e não o contrário. Em outras palavras, existe um conjunto probatório harmônico, coerente e capaz de elevar os indícios da autoria de um delito? Se sim, passa a valorar a palavra da vítima. A palavra da vítima é coesa com o resultado anterior? Sim, então se valora devidamente o seu depoimento.
Caso a resposta seja não, então, não se pode fantasiar para tornar o depoimento coerente, como, por exemplo, “já faz bastante tempo entre o depoimento e os fatos, normal não se lembrar direito”, “foi vítima de outros casos, então é normal que confunda”, “embora não tenha reconhecido em juízo pessoalmente, reconheceu por foto há anos na delegacia”, e por ai vai, a cada dia que passa novas sentenças, com novos argumentos para tapar buraco da prova.
O depoimento de vítimas de estupro tem grande valor como prova em uma ação judicial, porque, em geral, são praticados na clandestinidade, sem a presença de testemunhas. Esse costuma ser o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de casos que envolvem os chamados crimes contra a liberdade sexual, fixados no Código Penal.
A corte tem entendido que "a ausência de laudo pericial não afasta a caracterização de estupro, porquanto a palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade, testemunhas ou vestígios".
Aliás, é comum o entendimento de que a ausência de laudo pericial não afasta a comprovação do estupro, desde que a palavra da vítima alicerce a conclusão sobre a materialidade e a autoria:
[…] A ausência de laudo pericial conclusivo não afasta a caracterização de estupro, porquanto a palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade, testemunhas ou vestígios. […] (STJ, Sexta Turma, AgRg no AREsp 160.961/PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/06/2012)
Também sobre o valor da palavra da vítima, o seguinte julgado:
[…] É assente nesta Corte que “nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é importante elemento de convicção, na medida em que esses crimes são cometidos, frequentemente, em lugares ermos, sem testemunhas e, por muitas vezes, não deixam quaisquer vestígios, devendo, todavia, guardar consonância com as demais provas coligidas nos autos”. […] (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 1407792/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/11/2013)
Por exemplo, o molestador que pratica atos libidinosos ao passar a mão pelas partes íntimas da vítima pratica estupro. Porém, tal conduta raramente deixará vestígios, dificultando a obtenção de prova material do delito.
O estupro é um crime que prescreve e é inafiançável. Ainda, é considerado crime hediondo. Ou seja, alguém enquadrado nesse crime possui dificuldade maior de responder em liberdade e obter progressão de regime.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral, Rio de Janeiro: Impetus, 2002.
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 15. Ed. São Paulo, Saraiva, 2018.
MASSON, Cleber. Código penal comentado. Rio de Janeiro : Editora Forense, São Paulo,2014.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 3, p. 195.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl, BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Volume I. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006.

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