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sexta-feira, 14 de junho de 2019

O que a violência escolar diz sobre nós?

Zacarias Gama
Quinta-feira, 13 de junho de 2019
Em menos de uma quinzena, a sociedade brasileira assistiu boquiaberta a dois graves atos de indisciplina em salas de aula. Em uma escola pública da cidade de Carapicuíba – SP, estudantes de uma turma hostilizaram uma professora arremessando-lhe livros e vandalizaram a sala de aula quebrando carteiras[1]. Na escola particular da próspera cidade de Simões Filho, no interior da Bahia, alguns estudantes humilharam um professor veterano e o chamaram de fedorento, como se pode ver na gravação que os próprios fizeram[2].
Nas redes sociais, nem é preciso dizer, ambos os casos adquirem grande proporção e suscitam as mais diversas reações e opiniões. É grande a facilidade de adjetivar os estudantes como grosseiros, animais selvagens, vermes e filhos de lares desestruturados, ao que se segue o desejo de os ver mofar na Fundação Casa. A generalização acaba por incluir a todos no mesmo saco, como se não houvesse algum estudante de boa índole, estudioso e incapaz de atos civilizados. De certa forma, querem caracterizar o alunado da escola pública deste modo, nenhum presta.
As reações aos estudantes da escola particular soam diferentes. A generalização cede lugar a outra forma de percepção: uns “vermes”, bando de idiotas e vagabundos, uma reação praticada por alguns. Eles são tratados como tendo outra natureza, os casos de indisciplina são isolados e merecem tratamento especial do tipo “se fosse filho meu iria levar ao colégio para pedir desculpas pra todos e iria bater nele na frente de todos”, “mano se eu pego uns vermes desses que gostam de humilhar as pessoas , eu quebro no pau”.
A escola pública, aos olhos de muitos, não tem salvação: a indisciplina com a qual convive decorre do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – “uma fábrica de marginais”, da pedagogia de Paulo Freire, das práticas didático-político-pedagógicas de “professores comunistas merecedores da violência desses demônios”; os professores são verdadeiros “agentes sócio comunistas insidiosos que agem nas sombras da ignorância que eles mesmos promovem”. Sem a criminalização da violência escolar, supervisão militar diária das escolas, militarização da educação, isto é, dos processos de ensino e aprendizagem e de convívio social, a escola pública não tem salvação.
Em todas as falas de condenação aos atos de violência a presença constante é o preconceito contra a coisa pública e seus agentes. Na escola particular a violência aparece como evento isolado, quase como exceção; na escola pública é o que a caracteriza, juntamente com a baixa qualidade de ensino e os tais professores comunistas e freirianos. Nenhuma se detém minimamente em alguma reflexão mais aprofundada. A condenação sumária está à flor da pele e muitos corações se deixaram inundar de ódio. São incapazes de observar a as diversas formas de violência escolar como aspectos das contradições que são produzidas no trato da educação pública pelas autoridades educacionais e pela sociedade.
A redução dos seus financiamentos, sucateamento generalizado, desvalorização social e salarial dos profissionais de educação, cortes de pessoal de apoio, ao lado da obrigatoriedade escolar, diminuições de exigências de aprendizado, currículos exclusivamente voltados para a formação de mão de obra, prédios escolares malconservados e mal aparelhados, cria espaços de tensões constantes, muitas vezes explosivas. Quem já parou para pensar no que significa colocar trinta estudantes ou mais diante de professores que a sociedade se encarrega de lhes diminuir a autoridade pedagógica indispensável ou simplesmente considerá-los como profissionais fracassados, incapazes de sustentar as próprias famílias com o rendimento dos seus salários? Quem se sentiria confortável e disposto disciplinadamente a receber os conhecimentos de alguém que somente tem como objetivo o proselitismo repudiado por grande fração social, de alguém que, afinal de contas, vem sendo desconsiderado como responsável pela transmissão de saberes construídos historicamente?
Sem qualquer pretensão de passar a mão na cabeça de qualquer estudante indisciplinado ou postergar a necessidade imediata de diminuir os indicadores de violência nas escolas brasileiras, sou de opinião ser urgente à sociedade discutir o tipo de escolas públicas e particulares que temos e que sonha ter, a atual percepção social dos professores, a baixa remuneração de todos os profissionais de educação, a adequação das instalações escolares e o aparelhamento didático-pedagógico delas para a realização de processos de ensino de tempo integral.
Urge ainda que a sociedade se posicione firmemente diante da famosa Emenda Constitucional do Teto de Gastos que congela durante vinte anos os investimentos em educação de todos os níveis e modalidades, das políticas do atual governo que desprezam as metas estabelecidas para serem cumpridas até 2024 que definitivamente garantem a universalização da educação pública, gratuita, laica e de qualidade referenciada socialmente e da hostilidade governamental contra professores e universidades públicas.
Em outras palavras, a sociedade precisa subordinar a educação nacional aos seus interesses de educar os seus filhos para além da condição de simples trabalhadores mal renumerados, como se estivessem predestinados divinamente a serem explorados pelo capital. Para além de futuros trabalhadores os filhos de todos nós precisam ser educados para fruir as delícias existentes no Planeta Terra.
Zacarias Gama. Professor Associado da Uerj. Ex-professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana. Coordenador Geral do Programa Desenvolvimento e Educação – Teotonio dos Santos (ProDEd-TS) e membro do Comitê Gestor do Laboratório de Políticas Públicas (LPP-UERJ).
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[1] Disponível no site: http://g1.globo.com/globo-news/estudio-i/videos/t/todos-os-videos/v/alunos-tentam-agredir-professora-e-vandalizam-sala-em-carapicuiba-sp/7663969/
[2] Disponível no site https://bahianoar.com/professor-e-humilhado-por-alunos-de-escola-particular-em-simoes-filho-assista/

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