sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Como a violência doméstica pode afetar o ambiente de trabalho

Um pequeno levantamento europeu mostra que as consequências do abuso doméstico vão além do lar.

Annabel Benhaiem
06/12/2019

A violência doméstica pode ter efeitos significativos na vida profissional, segundo um levantamento realizado com 6.600 europeus e publicado no início de novembro.

A pesquisa, a primeira do tipo, se concentrou em pessoas trabalhando na rede “One in Three Women” (uma em cada três mulheres) – L’Oréal, BNP Paribas, Carrefour, a empresa férrea SNCF e a Kering Foundations ―, comprometida com a detecção de potenciais vítimas de violência doméstica e com o apoio às vítimas. O termo “uma em cada três mulheres” vem de um relatório de 2003 da Organização Mundial de Saúde e é uma referência ao número de mulheres que será agredida, estuprada ou assediada em algum momento de suas vidas.
A pesquisa não oferece dados representativos sobre violência doméstica, mas contém insights sobre os efeitos do abuso no ambiente de trabalho. Os resultados foram publicados cerca de dez dias antes do fim da conferência nacional sobre o tema, realizada na França e batizada de “Grenelle des violences conjugales”. A conferência começou no início de setembro.

Cerca de 16% das mulheres e 4% dos homens que responderam à pesquisa afirmaram sofrer violência doméstica, ou ter sofrido no passado. São números relativamente baixos em comparação com as conclusões de outros estudos, talvez porque alguns sobreviventes de abuso decidiram não participar do levantamento. Segundo um relatório de 2019 da Organização Internacional do Trabalho, da ONU, estima-se que 2 de cada 10 funcionários de empresas sejam afetados por violência em seus relacionamentos românticos. Um terço dos afetados relata ter sofrido agressões por parte do parceiro no curso de suas vidas profissionais.

Outro estudo europeu estima que 22% das mulheres sofreu algum tipo de agressão física e sexual por parte do parceiro atual ou de algum ex, e 43% sofreram abuso psicológico. O European Added Value Assessment calculou que, em 2011 o custo anual da violência contra as mulheres na União Europeia chegou a 228 bilhões de euros.

Abuso no ambiente de trabalho, perto dele, ou nas redes sociais – incluindo ameaças de contatar os colegas – são as principais maneiras pelas quais a violência doméstica se estende ao mundo profissional, segundo a pesquisa.

Os dados da violência contra a mulher no Brasil
Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha estabeleceu que é dever do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres e que todas elas, “independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião”, devem gozar dos direitos fundamentais, “oportunidades e facilidades para viver sem violência”. 

Apesar dos treze anos da existência de uma legislação como esta no Brasil, é crescente o número de mulheres assassinadas no País. Segundo o Atlas da Violência de 2019, 4.963 brasileiras foram mortas em 2017, considerado o maior registro em dez anos.

A taxa de assassinato de mulheres negras cresceu quase 30%, enquanto a de mulheres não negras subiu 4,5%. Entre 2012 e 2017, aumentou 28,7% o número de assassinatos de mulheres na própria residência por arma de fogo. 

A Defensoria Pública de São Paulo, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), disponibiliza cartilhas com orientações de atendimentos à mulher vítima de violência, além de endereços de delegacias especializadas.

O abuso sofrido durante o horário de trabalho pode levar a perda de produtividade ou faltas. No total, 55% dos entrevistados que sofreram algum tipo de violência afirmaram ter sentido o impacto no trabalho: atrasos, faltas, presenteísmo (estender as horas no escritório sem aumento de produtividade). As principais razões citadas incluem controle psicológico, ameaças e lesões e confisco de chaves ou outros itens essenciais para o desempenho das funções profissionais. Um número limitado de participantes relatou altercações físicas e violência sexual.

Metade dos entrevistados que relataram esse tipo de violência afirmou que sua produtividade caiu e que eles se sentiam distraídos, cansados e angustiados.

Cerca de um terço das vítimas afirmou ter conseguido falar do problema com colegas, superiores ou profissionais de recursos humanos.

A violência doméstica afeta até mesmo pessoas que não são vítimas diretas. Mais de um entre dez entrevistados conhecem um colega que sofreu violência doméstica, e cerca de um em cinco dizem que seu trabalho foi afetado pela situação de um colega. Eles relatam sentir estresse e preocupação com a vítima e afirmam ter visto o colega ficar tenso ou até mesmo ouviram conversas com parceiros abusivos.

A pesquisa “One in Three Women” foi enviada pela internet para 40 000 funcionários, com o método de disseminação determinado pelas empresas. Ela foi realizada entre 13 de maio e 22 de julho de 2019. O relatório também incluiu uma pesquisa online para gerentes de recursos humanos e diversidade, bem como entrevistas com os chefes desses departamentos. Os pesquisadores determinaram que as pessoas que responderam ao levantamento não representam o total dos funcionários das empresas e pareciam ser “predominantemente mulheres, mais jovens, mais educadas e com maior probabilidade de ocupar cargos executivos, em relação à população de funcionários a quem a pesquisa foi destinada.”

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost França e traduzido do inglês.

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