29/02/2020
HuffPost Brasil
Mães ou mulheres que pretendem ser estão mais inclinadas a se candidatar. Para pesquisadora, mais mulheres na política representa impacto real em saúde e educação
Entre as mulheres que responderam que pretendem ou talvez participem de uma disputa eleitoral, o percentual é de 47% entre mães, 48% entre as que veem a maternidade como uma possibilidade e cai para 42% entre as que não querem ter filhos.
Os dados vão ao encontro de outros estudos sobre o tema que apontam que as experiências vividas durante a maternidade motivam a luta por leis que melhorem as condições de vida de quem é mãe. Um exemplo citado na pesquisa é o de Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, “que se baseou em sua própria experiência em criar uma família ao mesmo tempo que fazia faculdade de medicina, para criar políticas públicas que aumentaram o número de creches no país e conquistar o direito das mulheres amamentarem no trabalho”.
Para a cientista política Letícia Medeiros, pesquisadora e cofundadora do Elas no Poder, os resultados mostram que a maternidade pode ser usada como ferramenta de engajamento para candidaturas femininas. “O que a gente interpreta é que, a partir do momento em que você é mãe, você cria uma espécie de missão do futuro, que você quer deixar para aquele filho. O que a pesquisa aponta é que a maternidade pode ser um grande gatilho para trazer as mulheres para a política se a gente conseguir explorar esse senso de responsabilidade com o futuro”, afirmou.
De acordo com a especialista, uma das estratégias é explorar espaços de diálogos já criados por mães, por exemplo, nas redes sociais, para falar de política.
Como a pesquisa foi feitaForam coletadas respostas, por meio de um questionário online, de 4.111 participantes de todos os estados brasileiros entre 4 de novembro e 20 de dezembro de 2019. O banco de dados estará disponível para consultas.Foi solicitado que as mulheres respondessem a pesquisa e que passassem a mesma adiante para amigas, familiares, conhecidas e grupos de WhatsApp, em uma técnica de amostragem conhecida como bola de neve.A amostra não tem uma distribuição perfeitamente comparável com a distribuição da população geral pelos estados, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019. Mas, apesar disso, conseguiu porcentagens próximas da realidade em diversas regiões.
Por outro lado, há pesquisas que apontam como um dos responsáveis por desmotivar a participação feminina na política o fato de os cuidados com os filhos ficarem, majoritariamente, a cargo das mães. Na avaliação de Medeiros, apesar de o tempo gasto com trabalhos domésticos dificultar a ascensão feminina no mercado de trabalho, a dinâmica partidária pode ser mais favorável devido à regulação.
Desde 2009, a Lei Eleitoral obriga os partidos a destinar 30% das candidaturas para cada gênero. A cota já existia na legislação anterior, mas era apenas uma reserva. Na prática, muitos partidos deixavam essas vagas vazias. O mesmo percentual também deve ser usado, de forma proporcional, em relação aos recurso financeiros para essas campanhas. Outra exigência legal é destinar 5% do Fundo Partidário para promoção e difusão da participação política das mulheres.
Segundo o estudo, é quase unânime (98%) a concordância de que são necessárias mais mulheres na política e entre 82% e 87% das participantes concordam com a reserva de vagas para gênero nas eleições do Legislativo, com a reserva de 30% do Fundo Eleitoral e de 5% do Fundo Partidário.
Por que mulheres não se candidatam?
A pesquisa testou hipóteses sobre ambição política e quais entraves para a participação feminina nos espaços de poder a fim de subsidiar estratégias de campanhas femininas e de recrutamento por partidos políticos. Uma parte considerável das mulheres que participaram da pesquisa não tem intenção de se candidatar (54%). Entre as participantes da sondagem, 6% já disputaram uma eleição e 1% foi eleita.
Embora as mulheres representem 52% do eleitorado brasileiro, quando se mede a presença nos cargos de poder, os números são bem menores. Elas são 15% dos deputados federais e dos senadores e 14% dos vereadores. No Executivo, apenas um estado é governado por uma mulher e 12% dos municípios têm prefeitas.
Esse cenário coloca o Brasil na lanterna dos rankings de presença feminina no poder. Estamos na 152ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada pela Inter-Parliamentary Union. Já entre os cargos no Executivo, ocupamos a 161ª posição na comparação entre 186 países, de acordo com o Projeto Mulheres Inspiradoras.
Entre os fatores apontados como barreiras pelo estudo, o mais recorrente foi “falta de perfil” (40,6%), seguido por “não está no foco” (20,10%) e desinteresse (13,7%). Incompatibilidade com partidos foi citado por apenas 2,5%, o que mostra uma possibilidade de as legendas se mobilizarem.
Na visão de Medeiros, as iniciativas legais chegaram a um limite para promoção da equidade de gênero e agora é o momento de promover uma mudança cultural para que a paridade seja efetiva.
“Essas mulheres existem. As mulheres não são menos capazes que os homens para ocupar o espaço político. Elas são excluídas historicamente desse espaço, mas têm plena competência, disposição e possibilidade”, diz a cientista política.
“Provavelmente a forma de a mulher fazer política vai ser um pouco diferente, e é disso que o País precisa: de novas perspectivas, novas ideias, novos pontos de vista para a gente ter políticas públicas de qualidade, instituições mais bem representadas e uma qualidade mesmo do sistema político.”
Como aumentar a participação feminina na política?
Para a pesquisadora, há três etapas importantes para que mais mulheres sejam eleitas: atraí-las para os partidos, mantê-las neles e investir em cursos de formação para candidatas. Desde 2018, a ONG Elas No Poder oferece cursos presenciais para a capacitação de mulheres nessa área e mais de 500 pessoas participaram.
Pensando nas eleições municipais de 2020, o projeto se mobiliza agora para lançar uma plataforma online, uma espécie de ‘Netflix para pré-candidatas’. “A gente não quer que seja simplesmente uma plataforma de videoaulas, mas um conteúdo efetivo”, diz.
Recentemente, o grupo levou a discussão sobre mulher na política para a cidade de Tiradentes, em São Paulo, no extremo oeste. “Era um público extremamente vulnerável e a gente fez uma série de adaptações [do conteúdo], deixou elas participarem mais e foi uma troca muito incrível. Desde então a gente fala que quer que aquelas mulheres consigam acessar a plataforma e entender o conteúdo ali”, conta.
Um exemplo do material disponível são ferramentas para organizar questões financeiras. “Orçamento de campanha é uma coisa que não precisa começar do zero. A gente vai entregar uma planilha com algumas variáveis que toda campanha tem que orçar. Hoje não tem uma plataforma de formação política que vai entrar em todos esses nichos de aprendizagem que a gente quer entrar”, acrescenta Medeiros.
O projeto Me Farei Ouvir, que elaborou a pesquisa junto com o Elas no Poder, lança a Cartilha Manual da Mulher Candidata no final de março e, em junho, um documentário também sobre a temática.
Para viabilizar o Netflix para candidatas, foi lançado um financiamento coletivo. Entre as modalidades de doações, uma garante o acesso ao portal por três meses por R$ 30. Para doar basta acessar o “Doe Para Elas” até 24 de março. O dinheiro será usado para pagar custos de gravação e edição das aulas e entrevistas com legendagem em libras.
Mulheres são mais de esquerda?
A pesquisa mostra ainda que mulheres são vistas como mais de esquerda do que homens, mesmo fazendo parte de partidos de direita. De acordo com as respostas, as entrevistadas têm maior interesse em políticas de bem-estar, em especial, a pauta da educação, apontada como prioritária por 74%.
“De forma geral são as mães que levam os filhos ou parentes para ficar na fila do hospital, as mães que se organizam para ir numa reunião de escola conversar com professor. Elas usam as políticas públicas que trazem bem-estar social”, afirma Medeiros. “Quando elas chegam na política, tendem a se engajar mais nessas pautas porque elas têm mais conhecimento de causa, por serem usuárias. E quando elas conseguem melhorar essas políticas públicas, elas impactam na qualidade de vida da população de maneira geral.”
Por esse motivo, a cientista política afirma que aumentar a participação feminina é importante para haver um impacto real na melhoria do sistema público de saúde e de educação. “Não é só uma questão de representatividade. Está fazendo falta, porque as mulheres vão dar conta de corrigir esses problemas históricos do País.”
Em relação a possíveis dificuldades eleitorais de candidatas de siglas de direita que apoiem pautas sociais, a especialista entende que a saída é “conseguir mergulhar mais na ideologia”. “Que valores, crenças e ideias me colocam nessa posição ideológica? E trabalhar isso de forma estratégica na mensagem de campanha.”
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