sábado, 8 de fevereiro de 2020

O caso de J.

Por Fellipe Mion
Sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020
“Eu disse para ele parar, mas ele continuou” – afirmou J. ao me questionar se na minha visão ela sofrera estupro. A dúvida de J. residia no fato do sexo ter sido iniciado de forma consensual. J. sabia a resposta, eu sabia a resposta.

Diante da ausência total de provas físicas, J. tentou no dia seguinte marcar novo encontro com seu violador para, segundo ela, gravar uma possível confissão. A resposta ao convite fora negada – “foi um lance de uma noite só, mas adorei”. J. nunca receberia a confissão, e agora, ainda que o denunciasse, cometera o equívoco de chamá-lo para sair uma segunda vez. Quem iria acreditar nela? 

O prego final no caso de J., que se tornaria mais uma vítima invisível às estatísticas foi a aparência do autor do crime em comparação com a da vítima. Ele facilmente poderia ser um modelo de passarelas e revistas de moda, J. era uma mulher “fora dos padrões” de beleza impostos pelas mesmas passarelas e capas de revistas nas quais o estuprador poderia ser protagonista. 

Para mim, muito embora, a parte mais desconcertante da violência que ocorrera com J. não fora a narrativa, nem mesmo os detalhes do ato vil, mas sim, o fato de que J. é feminista e ativista, e, ainda assim, por motivos que consigo compreender completamente, calou-se. E eu, por outro lado, me lembro de algo que desejaria não lembrar: nada daquilo me surpreendeu.

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