segunda-feira, 23 de março de 2020

Amor ou cilada? Cartunista lança manual de como lidar com homem "feministo"


Barbara Calache
Colaboração para Universa
23/10/2019

Na internet, o novo termo da moda é o homem "feministo" (assim mesmo, no masculino). O erro de gramática é um jeito de fazer graça com a postura de rapazes modernos que se mostram sensíveis, antenados com causas atuais como direitos das mulheres e aceitação.
Tudo seria muito bom, não fosse um detalhe: eles defendem tais causas só no discurso. Na prática, seguem exercendo o machismo de sempre — seja na hora de (não) executar trabalhos domésticos, seja nas opiniões a respeito das roupas que a namorada usa. Identificou algum boy que você conhece nessas características?

A cartunista Bruna Maia, que produz charges na página do Instagram "Estar Morta", aproveitou o tema em novas tirinhas. Lidar com as suas emoções e as do companheiro; postar nudes, desde que não seja por vaidade, mas pela sua libertação; aceitar e amar seu corpo, mas manter as curvas dentro do manequim 42 e outros exemplos de como se portar atualmente em relacionamentos heterossexuais são ironizados na tirinha "Tornando-se a Esposa Pós-Moderna Perfeita para seu Homem Feministo".
Mais que uma crítica ao comportamento masculino, o objetivo do manual é despertar questionamentos nas próprias mulheres.

Bruna Maia, cartunista da Estar Morta: o homem feministo em pauta - Juliana Fonseca/ Divulgação
Bruna Maia, cartunista da Estar Morta: o homem feministo em pauta
Imagem: Juliana Fonseca/ Divulgação

Com seu trabalho, Bruna buscou promover a autoconsciência feminina sobre determinados padrões ainda reproduzidos pelas próprias mulheres em anos de patriarcado nas relações heterossexuais. Atitudes como agradar, cuidar das questões emocionais dela e do companheiro, se cobrar para ser sexualmente liberal, mesmo que não seja sua vontade, podem acabar prejudicando as próprias mulheres.
"Elas foram incentivadas desde cedo a cuidar de todos e, os homens, a receberem cuidados. Vão reproduzindo essa situação sem questionar muito, achando que é uma característica feminina", explica Bruna.
Segundo ela, esse cenário — fruto de anos de patriarcado — geralmente é exaustivo para as mulheres, dado o acúmulo de funções e agrados, e inclusive pode prejudicar o crescimento na carreira, visto que o excesso de zelo toma boa parte do tempo. Para a criação do manual, no sábado (19), ela se inspirou nos manuais para esposas da década de 1950, com um toque pós-moderno, como tatuagens. "A gente só está com o look moderno, mas o comportamento ainda é o mesmo", diz.

Relação com homem "feministo" na prática

O homem feministo está em todos os lugares e é conhecido entre as mulheres como aquele engajado nas causas feministas e que se intitula "desconstruído". No entanto, muitas vezes o discurso encantador no momento da conquista pode não acompanhar as ações na prática, no dia a dia. Este exemplo ocorreu com a produtora Camila Manoel, 30, que se relacionou com um homem engajado sobre empoderamento feminino, mas cujo discurso acalorado nas redes sociais não era refletido na relação.
Camila conta que, durante os encontros, ele, que discursava veemente sobre pautas feministas no Facebook, não a deixava falar, voltando sempre a atenção somente para as questões, objetivos e vontades dele. "Quando eu tentava me pronunciar, ele não ligava muito ou interrompia e voltava a atenção só para si. Ele levantava tanto a bandeira de dar espaço para a mulher, mas não fazia o mesmo comigo. Apoiar o feminismo vai muito além de não bater ou desrespeitar mulheres", pontua.
Sob outra ótica, o homem retratado no manual de Bruna não caracteriza necessariamente um relacionamento abusivo ou o "boy embuste raiz", como aparentou ser o de Camila. "Claro que há os abusivos, mas às vezes ele é só um mimadão. Pode ser seu amigo, seu irmão. Vocês podem até ter um relacionamento legal, em que ele te trata bem, não te critica, mas em que você se sente muito sobrecarregada", comenta a cartunista.
Nestes casos, em que o homem feministo tem proatividade e está disposto a melhorar, vale a autoconsciência de cada um e o diálogo. Essa é a dinâmica do relacionamento de sete anos entre a professora de yoga Bruna Gimenes, 29, e o publicitário Daniel Bagdade, 29. Bruna morava sozinha e, Daniel, com os pais, quando o casal decidiu morar junto.
"O Dani é de família árabe, predominantemente machista, em que a mãe faz tudo. Então desde o início conversamos e fizemos acordos sobre dividir todas as funções", conta Bruna. Hoje, ela passa mais tempo em casa, por conta de seus horários de trabalho, mas nem por isso é sobrecarregada.
"Eu vejo a Bruna como minha parceira e a gente conversa muito e divide tudo", diz Daniel. Eventualmente, alguns toques sobre diversas questões são expostos, mas por meio desse diálogo, o casal vai melhorando junto.
Parece que o homem "feministo" tem cura. E ele pode virar um feminista muito bom de conviver.

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