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terça-feira, 17 de março de 2020

Casamento sem machismo: uma reflexão sobre tradições e o amor

Hypeness
por: Bruna Rasmussen
Elas escolhem se querem se casar de branco, rosa ou azul. Escolhem se vão jogar o buquê, se vão se casar na igreja, se vão se casar com um homem ou com outra mulher e se vão, pra começo de conversa, casar-se.
O Chá de Panelas deixou de ser um evento exclusivo da noiva, o pai nem sempre leva a moça ao altar e piadinhas como o famoso “ME AJUDE”, escrito à caneta na sola do sapato do noivo, estão arrancando cada vez menos risadas. Os tempos mudaram e o machismo presente no ritual do casamento (e no relacionamento em si) está perdendo a vez. Isso não quer dizer, contudo, que a “instituição do casamento” esteja falida – reclamação que é feita desde os Roma Antiga, pasme. Ela só mudou um bocado.

Há algumas décadas, na cultura ocidental, meninas brincavam de noiva desde cedo, enquanto sonhavam com príncipes encantados e com o grande dia. Na adolescência, guardavam-se para o futuro marido e aguardavam ansiosamente o dia em que seriam pedidas em casamento – com a devida anuência do pai, claro. Festa de despedida de solteiro para ele, geralmente regada a álcool e excessos. Para ela, um Chá de Panelas – afinal, uma longa vida em frente ao fogão a aguardava. No dia do casamento, o vestido branco e o buquê estavam impecáveis na noiva, que era levada pelo pai até o altar de uma igreja e, entregue ao futuro marido, que deveria cuidar dela na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separasse.
O que antes era tido como a única sequência possível de vida “digna”, hoje é encarado por muitas mulheres como apenas mais uma das opções. Afinal, há muito mais para se fazer nesse mundão além de cuidar somente da casa e do marido. O que as leva a dizer “sim” não é mais a promessa de segurança, pressão social ou necessidade de aumentar a família, mas critérios como o amor, o companheirismo, gostos e ambições em comum e, por que não?, a vida sexual.
Mas nem sempre foi assim. Aliás, estamos vivendo em uma rara época da humanidade em que as necessidades emocionais dos indivíduos são motivo de união e casório. A paixão em si não é invenção nossa, ela sempre existiu, mas raramente foi razão para que duas pessoas levassem uma relação de casamento. Durante a maior parte da existência humana, os motivos para uma união oficial eram mais relacionados à sobrevivência: conquistar uma família maior, aumentando a força de trabalho, e conseguir estabilidade financeira (e esta ainda é um objetivo real, ainda que de maneira diferente).

Grana, trabalho e poder: o casamento através dos tempos

Antes de falarmos sobre o “sim” e demais tradições que permeiam o ato de se casar, vale entender um pouquinho sobre como a união de duas pessoas se deu através dos tempos. Tente imaginar como era a vida lá no início da humanidade, há mais de 10 mil anos antes de Cristo. A união era uma forma de juntar indivíduos com habilidades diferentes e complementares, a fim de que a dupla conseguisse se alimentar e viver satisfatoriamente. Enquanto um deles caçava, o outro plantava, fazia utensílios domésticos e cuidava das crianças. E essas tarefas não eram exclusivamente masculinas ou femininas. Ter um parceiro era questão de sobrevivência.
Como pontua Stephanie Coontz no livro Marriage, a History: How Love Conquered Marriage (Casamento, uma História: como o Amor conquistou o Casamento, em tradução livre), o casamento costumava ser uma forma de consolidar riquezas e estabelecer alianças políticas, especialmente entre a aristocracia da Europa Medieval. Não era amor, nem cilada: era pura estratégia! Já para quem não era dono de um castelo e de moedas de ouro, casar-se significava unir propriedades rurais e, principalmente, aumentar o time de trabalho. E nessa época, subir ao altar nem ao menos era necessário. Até o século XVI, a Igreja Católica entendia que se um homem e uma mulher decidiram no privado que estavam casados, eles eram considerados casados e ponto final.
A monogamia, que por sua vez já vem intrínseca à ideia de casamento ocidental hoje, não é tão tradicional quanto pensamos. Durante muito tempo, na China, uma mulher quando se casava levava consigo suas irmãs como co-esposas. Já entre os esquimós, manter relações sexuais com outros casais era tão normal quanto é hoje ir a um barzinho com um casal de amigos. Segundo Stephanie Coontz, a monogamia se tornou padrão nos relacionamentos ocidentais em algum momento entre o século sexto e nono depois de Cristo. Mas entre ser um padrão social e ser de fato praticada, bem, aí é outra história!
“Provavelmente, a função mais importante do casamento durante a maior parte da história, embora seja quase que irrelevante hoje, era o papel de estabelecer relações de cooperação entre famílias e comunidades, afirma a autora.
E quanto mais próximos os noivos estivessem, melhor. Exceto por grandes alianças políticas, ninguém viajava para longe em busca de um partidão. Não à toa, pesquisadores norte-americanos que estudaram uma árvore genealógica composta por mais ou menos 13 milhões de pessoas chegaram à conclusão de que as pessoas só pararam de se casar com seus primos no finzinho do século XIX. A evolução dos meios de transporte teve sua parcela de influência nisso.
Após milhares de anos de casamento como uma medida de sobrevivência, ato político ou movimento econômico, foi somente no século XVIII que começou-se a cultivar a ideia de que o amor tinha um importante papel na escolha do parceiro de vida. E até mais ou menos a década de 1970, a submissão da mulher na relação conjugal era praticamente inquestionável – em alguns estados dos EUA, a opressão era tamanha que era considerado legal um homem estuprar sua esposa, desde que fossem legalmente casados.
Em tempos de independência econômica, democracias, globalização, amor-próprio e Tinder, as pessoas que buscam uma parceria amorosa esperam viver suas vidas em uma relação que cumpra requisitos emocionais e não em uma instituição rígida. E quanto à oficialização do casamento, perante o Estado ou a Igreja, isso é opcional, bem como outras tradições da celebração da união.

“Quer casar comigo?”

Vocês saem para jantar e, entre espumantes e pratos com nome chique, ele fica de joelhos e te pede em casamento. Essa cena já foi repetida em trocentos filmes, desenhos animado e séries, bem como na vida real. Basta digitar no YouTube “pedido de casamento” e prontamente você pode assistir a diversos deles – alguns mais criativos, outros mais tradicionais.
Mas por que as mulheres precisam ficar esperando ansiosamente por esse pedido, sem ter muito controle de quando e como isso vai acontecer?
Para Hayala Cristina Cavenague de Souza, 28 anos, não houve tabu quando decidiu que era hora de dar um próximo passo em seu relacionamento. “Eu tenho um limite mental e, se você não me pedir em casamento até esse ponto, eu vou te pedir em casamento”, disse ela ao Paulo, seu namorado. Algum tempo depois, o pedido acabou acontecendo por parte dele.

Imagem: Cinthia Cardoso/Acervo Pessoal
Já para a engenheira civil Cinthia Cardoso, 32 anos, o casamento foi uma conclusão natural do relacionamento.
A gente já mora juntas há sete anos e ao longo desse tempo a gente passou por várias coisas e conquistou coisas juntas. Então a gente decidiu, por uma razão de direitos civis mesmo, casar, explicou.
Vale lembrar que o casamento homoafetivo só foi regulamentado no Brasil em 2013. Antes disso, casais homossexuais não tinham acesso a uma série de direitos que casais heterossexuais sempre tiveram. Com isso, cada vez mais lésbicas e gays têm buscado o casamento como forma de fazer valer seus direitos e, claro, comemorar! Este ano, por exemplo, o tradicional Copacabana Palace ganhou ares novos quando sediou, pela primeira vez na história, o casamento de duas mulheres.

Despedida de Solteiro & Chá de Panelas

Game over! O casamento não-raro é tido para os homens como o fim de uma era de alegria, diversão, amigos, bons drinks e mulheres. E isso não é de hoje. A conhecida despedida de solteiro é um evento que acontece desde a Grécia Antiga, quando os Espartanos costumavam fazer uma festa para o noivo na noite anterior ao casamento. A tradição continuou através dos séculos, sendo considerada símbolo de amizade e um rito de passagem para uma nova fase da vida.
Desde a década de 80, as noivas também aderiram à prática. Com amigas, elas comemoram o último dia de solteirice – seja com festa, assistindo a um filme ou simplesmente tomando um drink. Mas despedidas em Las Vegas à parte, geralmente essa é só uma desculpa para curtir com os amigos antes do dia do casamento.
Para a nutricionista Aline Santana Eiras, 26 anos, a despedida de solteira foi um happy hour tranquilo.
Eu fiz um encontro na casa de uma amiga. Mas foi só o pessoal do trabalho – tinha homem, tinha mulher – e a gente comeu coxinha. Elas me deixaram bêbada com duas garrafinhas de cerveja, contou Aline, que não costuma beber drinks alcoólicos, mas se divertiu celebrando o casório que estava por vir. E o noivo, festou? “Ele não fez nada. Ele odeia sair. Ele tem 100 anos de idade“, brincou.
O Chá de Panelas, por sua vez, festa em que amigas e familiares da noiva a presenteiam com itens para a casa, não tem sido mais exclusivamente feminino. É cada vez mais comum que os noivos também participem. Afinal, as responsabilidades da casa também são deles!
No caso da Hayala e do Paulo, cada um fez a sua despedida de solteiro, mas curtiram juntos o Chá de Panela – hoje também chamado de “Chá Bar”. “A minha [despedida de solteira] foi uma delícia, minhas amigas são muito legais e fizeram várias surpresas pra mim. A gente fez exatamente no mesmo dia. Porque eu achava que era legal cada um desligar do outro no mesmo momento. E o chá de panela a gente fez o que chamam hoje de chá bar. Então fomos nós dois juntos e fizemos uma festa para um grupo de convidados e pedimos coisas de cozinha e tal”, contou ela.

Quem paga a festa?

Você já ouviu falar em “dote”? Essa é uma prática bastante antiga que consiste no pagamento de uma quantia de dinheiro ou bens da família da noiva para o noivo – no caso dos países muçulmanos, é o noivo quem paga pela noiva. O dote tinha como uma de suas funções auxiliar financeiramente o casal que estava começando a vida e, em caso de morte do marido, deixar a esposa com economias suficientes para viver.
Na Índia, essa prática é proibida, mas ainda bastante comum. Por lá, boa parte das dívidas em bancos são contraídas para bancar o dote e, em grau muito mais grave, é fatal para muitas mulheresA tradição é tão enraizada culturalmente que pais que não têm condições de oferecer um bom dote chegam a assassinar as meninas ainda recém-nascidas. Já as jovens que não têm um bom dote a oferecer para o futuro esposo são queimadas vivas ou cometem suicídio. Só em 2010, mais de 8 mil meninas e mulheres foram mortas por conflitos atrelados ao dote.
No ocidente, essa tradição foi se transformando ao longo dos séculos. Entretanto, até hoje, a “etiqueta” estabelece que os pais da noiva são os responsáveis por bancar a festa do casamento. Vestido, jóias, roupas para daminhas e pajens, local, decoração, comida e bebidas, fotógrafos, música… já calculou o rombo financeiro? Enquanto isso, os pais do noivo pagam pela lua de mel e pelo jantar de ensaio, e o noivo custeia as alianças e o casamento civil.
Devido a questões financeiras e também de justiça, é cada vez mais comum que a conta do casamento seja dividida entre os noivos e as famílias. Mas a tradição ainda impera. Segundo uma pesquisa do WeddingWire.com, nos Estados Unidos, 43% dos custos de uma festa de casamento são bancados pela família da noiva, enquanto que 24% são pagos pela família do noivo e o restante é dividido entre os próprios noivos e eventuais familiares. A gente sabe que casar é caro e hoje em dia cada casal tem sua dinâmica de pagamento. O importante é que não pese muito pra ninguém.

“Lá vem a noiva, toda de branco”

O vestido branco da noiva é tradicional, pero no mucho. Até o início do século XIX, era comum as noivas usarem vestidos com cores e detalhes extravagantes – a cor vermelha era uma das favoritas! Foi só em 1840 que a Rainha Vitória ficou conhecida por seu vestido branco, com o qual subiu no altar com o Príncipe Alberto. Logo após o evento, as revistas femininas da época começaram a indicar o branco como ícone da moda para noivas, atrelando a cor à pureza e virgindade da noiva.

Imagem: Hayala e Paulo/Acervo Pessoal
Hoje, o branco ainda é a cor mais pedida – segundo a BRIDE, publicação especializada em casamentos, 93% das noivas vão de branco – mas a aquarela inteira também é uma possibilidade.

A entrada da noiva

“Já sei andar!”, brincou Cinthia, quando questionada se seu pai iria levá-la até o altar da cerimônia no dia do casamento. Ela e a noiva Gláucia acharam estranho a ideia de uma esperar a outra para dar início à cerimônia. A antiga tradição de os pais entregarem a filha ao noivo para a celebração do casamento de longa data. É bonito ver pai e filha, ambos orgulhosos, entrando de braços dados na cerimônia. Mas quando voltamos para o histórico da cena, ela não é tão bela assim. Afinal de contas, há alguns séculos, levar a filha ao altar nada mais era do que um homem levando sua posse no que se tratava basicamente de uma transação. No caso de Cinthia, ela decidiu entrar no espaço da cerimônia de braços dados com sua noiva.
Já Hayala tinha o sonho de entrar com seus pais juntos. “Eu entrei só com o meu pai. E eu acho tão bonito quando a noiva entra com os pais, com o pai e a mãe”, afirmou. Nesse caso, o que pesou na definição da entrada foram duas questões meramente práticas: 1. o corredor da igreja em que se casou era bastante estreito; e 2. ficaria difícil dar as mãos para seus pais e segurar o buquê ao mesmo tempo.

As alianças

A gente sabe que os egípcios adoravam jóias e adereços. Os anéis eram presentes frequentes para os deuses e também acessório da moda na época. Mas foi somente na Roma Antiga que o conceito de aliança de casamento surgiu. Mais do que um anel para celebrar e mostrar à sociedade a união de duas pessoas, a aliança era dada pelo homem à mulher como símbolo de posse, para mostrar que ela “já tinha dono”.

Antiga aliança de casamento do império Bizantino. Século 6 ou 7 d.C. Imagem: MET Museum
O uso de alianças por parte dos homens só foi popularizado na época da Segunda Guerra, quando os soldados tinham o anel de casamento como lembrança de suas famílias. Até hoje, não é raro encontrar situações em que somente a mulher usa o anel. O próprio Príncipe William deixou de lado o uso da jóia, enquanto que sua esposa, Kate Middleton, dispõe no dedo uma aliança de diamantes e safira.

Olha o buquê!

Minutos antes da entrada da noiva, um garotinho entra no corredor com uma placa onde se lê: “Ainda dá tempo de desistir, noivo!”. Na sequência, entra uma garotinha com outra placa, que retruca a primeira: “Foge não! A noiva está linda!”. O noivo decide não fugir, mas quando se ajoelha no altar, lê-se em seus sapatos a frase: “ME AJUDA”. Na falta de ajuda, o noivo não tem escolha a não ser se casar, mas, no bolo há um bonequinho da noiva segurando o noivo, enquanto este tenta fugir. Por fim, no meio da festa, o noivo decide vestir uma camiseta com a frase “GAME OVER”.
Pois bem, houve um dia em que atrelar o casamento à ideia de prisão, obrigação ou fim da diversão pode ter sido engraçado. Hoje, essas brincadeiras, que tem em seu fundo um peso machista, estão cada vez mais sem graça. Afinal, todo mundo é livre para ficar solteiro e curtir a vida dessa forma, caso prefira. Afinal, o Tinder tá aí pra todo mundo se o relacionamento atual não está funcionando e vai chegar a um fim.
A mesma mudança no humor vale para situações como o clássico momento de jogar o buquê e a versão de arremesso masculina, que pode vir na forma de uma boneca adulta, um abacaxi ou um uísque.
A mulher taca o buquê e o homem taca um buquê que é uma “piriguete”. Eu quis muito jogar o buquê, eu acho que é muito divertido. Mas eu fiz questão de na hora de tacar o buquê chamar todo mundo, de falar que não era só pras mulheres. Eu já fui em casamento em que os homens jogaram uísque eu fiz questão de tentar pegar também porque, né, a gente merece!”, afirmou Hayala, que se divertiu jogando o buquê para todos os convidados em seu casamento com o Paulo – ele, por sua vez, não jogou nada, mas divertiu os convidados na cerimônia ao escrever “Vai Corinthians” na sola de seus sapatos.

O sobrenome

O nome é um elemento de personalidade muito importante que, por tradição, acaba sendo alterado quando duas pessoas se casam. Geralmente, a mulher adota o sobrenome do marido, associando-se a uma nova família. A prática, entretanto, vem se tornando cada vez menos comum: além de uma questão de justiça (por que eles também não mudam o nome?), atualizar o nome em todos os documentos é uma dor de cabeça só!
Sobrenome foi uma decisão muito difícil. Porque eu tinha na minha cabeça que eu não precisava mudar minha identidade para casar, eu não ia mudar a pessoa que eu sou” afirmou Hayala, que tomou a decisão de manter seu nome enquanto estava a caminho do cartório. “Acho que é melhor a gente dar o exemplo nas pequenas coisas, se a gente quer ter um mundo mais igual, com menos sensação de que o homem é o proprietário da mulher, acho que a gente pode começar por isso, completou.

Cada uma do seu jeito

Algumas pessoas podem entender essa breve análise das tradições da cerimônia de casamento como desnecessária. Afinal, planejar e decidir o casamento é algo que cabe exclusivamente aos noivos. Nós entendemos, contudo, que é importante compreender de onde vêm as tradições e o que elas representaram através dos anos, mesmo que isso não afete a decisão. Jogar um buquê não necessariamente é um ato que representa o desespero de mulheres para conseguir um marido. A ação pode ser um momento divertido entre todos os convidados, como foi no casamento da Hayala. O mesmo se aplica ao pai levar a noiva até o altar, entre outras tradições aqui mencionadas.
Se usar o vestido branco faz sentido e é um desejo da noiva, ela tem mais é que ir em frente e escolher a peça que mais gostar. Mas se ela preferir usar azul, há zero problema nisso! O ritual do casamento mudou: não há certo nem errado e, a etiqueta que nos perdoe, mas quem manda na cerimônia é o coração.
Para Cinthia, estava claro desde o começo que o casamento não seguiria as regras da tradição. Ela e a Gláucia vão se casar em breve para garantir seus direitos civis, mesmo morando juntas há tantos anos.
Teve uma hora em que a gente se viu planejando uma festa. Acho que ficou mais fácil entrar nessa coisa de festa exatamente porque a gente está de acordo que algumas tradições não vão ser seguidas, que a festa tem que ter o nosso jeito. Mas de certa forma acho que você entra um pouco nessa coisa de tradicional, a partir do momento que você se envolve em um ritual assim”.

Imagem: Paulo e Hayala/Acervo Pessoal
Elas vão se casar de branco em uma chácara, com direito a voz e violão, um festão com duração aproximada de oito horas, brinde com tequila e um staff predominantemente feminino. “Quando começamos a organizar a festa, a gente fez uma assessoria com um cerimonialista. E tem uma lista de coisas que tem que preencher. E a gente foi pensando ‘não, isso não’. Aí ele disse ‘tem que ter um violino’. A gente pensou e pensou e contratou uma voz e violão, porque é mais a nossa cara”, contou ela.
No caso da Hayala, adentrar no mundo dos casamentos foi um tanto surpreendente. “Eu me deparei com vários rituais que eu considerei muito machistas e que de alguma forma alguns eu consegui me livrar ou não seguir, mas outros eu não consegui”, disse ela. Uma das tradições mais sem sentido que viu foi a regra de que o nome do homem deve sempre vir antes – mesmo que o homem em questão seja o novo namorado da sua avó, com quem você mantém zero ou pouco contato.
Mas mesmo levando em conta gostos e escolhas individuais, a pressão da sociedade pela tradição ainda tem seu peso. “Eu acabei fazendo algumas coisas no casamento que eu não queria, mas fiz por conta dessa tradição que minha família tem. E eu fugi um pouquinho, na visão dos meus pais foi meio que um absurdo, só porque eu não casei dentro da igreja. Eu fui criada, assim como a maioria das mulheres, para crescer, ter filho, casar bonitinho, casar virgem”, contou Aline.

Imagem: Aline e Felipe/Acervo Pessoal
Ela cresceu com brinquedos que a ensinavam a ser mãe e esposa, cozinhar e limpar a casa, mas entendeu que a vida é mais que isso. Casou-se com o Felipe vestindo branco, fora da igreja, e acabou seguindo alguns rituais para cumprir tabela. “Faço porque não vai cair a minha mão de jogar o buquê ou colocar o nome delas [das amigas] lá [na barra do vestido] mas pra mim isso tudo é uma questão de apresentação pra sociedade de que eu estou casada, mas não porque era um sonho meu.” Mesmo assim, tudo correu bem no casório e a tradição não foi incômoda. “Não me arrependo, foi um dia muito feliz na minha vida”.
Casar-se não é mais uma questão de aumentar a mão de obra ou de sobreviver, mas de garantir direitos e, sobretudo, compartilhar a felicidade da união amorosa com as pessoas de quem você gosta. Em vez da submissão, o companheirismo; em vez do “até a morte nos separe”, o “queremos fazer dar certo”. Como bem pontuou Cinthia, “A hora em que você resolve se casar numa realidade dessa, você não está indo a favor dessa tradicionalidade. É como se você estivesse redesignando o casamento; como se você tivesse falando para a sociedade: ‘olha dá pra ser de outra forma, dá pra ser do meu jeito, dá pra mostrar a minha relação através desse casamento’”.

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