Ministério Público investiga denúncias feitas por ex-fiéis; associação nega irregularidade e diz que ajudará autoridades
Agência Patrícia Galvão, 10/03/2020
D.M.R. tinha oito anos quando o cunhado, ancião nas , abriu as calças e ordenou que ela segurasse seu pênis. À noite, confusa, sem entender muito bem o que havia ocorrido, contou o caso para a sua mãe. “Para de falar bobagem, ancião não faz uma coisa dessas”, foi a resposta.
O relato acima é só o começo do depoimento dado por D.M.R, hoje com 64 anos, ao Ministério Público de São Paulo, que investiga a associação religiosa por suspeita de ter acobertado .
O relato acima é só o começo do depoimento dado por D.M.R, hoje com 64 anos, ao Ministério Público de São Paulo, que investiga a associação religiosa por suspeita de ter acobertado .
Segundo ela, durante anos, o marido de sua irmã, pessoa importante na igreja, violou seu corpo. “Eu era uma menina, não tinha a lucidez que tenho hoje”, afirmou.
Quando começou a ter mais clareza sobre a violência que sofria, aos 14 anos, reclamou com outros dois anciãos da associação, mas nada foi feito, segundo seu depoimento.
Ancião é o nome que se dá na organização religiosa a membros experientes e maduros, responsáveis por supervisionar as congregações. Um deles, um homem que costumava chamar a atenção dela por qualquer deslize como, por exemplo, usar sombra nos olhos, deu-lhe uma resposta seca quando ela começou a fazer um relato sobre as agressões. “Não tem conversa”, ouviu do ancião.
D.M.R. é um das mulheres encaminhadas ao Ministério Público pelo coletivo Vítimas Unidas, fundada por Vana Lopes, uma das vítimas do médico em sua clínica de reprodução assistida em São Paulo.
Vana fez a ponte das vítimas com a Promotoria após ser procurada pelo escritor lusitano António Madaleno, ex-ancião, que conhecia vítimas brasileiras, mas não sabia a quem deveria encaminhá-las.
Ela diz conhecer dezenas de casos, mas afirma que muitas pessoas preferem não levar as denúncias adiante. “Pode ser tão grave quanto o do João de Deus”, diz, referindo-se ao .
Vana disse não se tratar de um episódio de perseguição religiosa, como a associação argumentou à Justiça, mas uma necessidade de ação para coibir crimes graves. “Não existe padre pedófilo, não existe médico ou Testemunha de Jeová estuprador. O que existe são estupradores, violentadores e agressores que se infiltram nesses locais para pegar as vítimas em suas vulnerabilidades.”
Assim como as Testemunhas de Jeová, a de crianças nos últimos 20 anos, em diversos países do mundo. Na última quinta (dia 5), a Arquidiocese de São Paulo anunciou a criação de uma comissão que vai investigar denúncias contra clérigos e religiosos ligados à instituição.
O inquérito do Ministério Público sobre a suposta omissão das Testemunhas de Jeová corre em segredo de Justiça. Segundo o apurado pela promotora Celeste Leite dos Santos, a organização, em muitas situações, teria não apenas desestimulado mas também constrangido vítimas a não denunciar as violências.
Em razão disso, afirma, muitos dos crimes já prescreveram. Segundo documento que apresentou à Justiça, a igreja ameaçava desassociar a vítima que levasse acusações ao conhecimento público. A pessoa que é expulsa, segundo a investigação, perde o elo com os parentes que integram a igreja. “Os familiares não podem nem mesmo dar bom dia”, diz uma das vítimas.
A.V. afirma que o então marido foi promovido na associação depois que ela relatou a um ancião o abuso sexual que ele cometeu contra sua irmã. Em seu depoimento, disse também ter sofrido estupros. “Me obrigava a fazer sexo”, afirma. “Dizia que eu tinha de me render a ele, seguindo os ensinamentos da Bíblia.” De acordo com A.V., como a entidade não fazia nada, “ele sabia que podia me bater”.
OUTRO LADO
Procurada pela Folha, a Associação Torre de Vigia de Bíblias, nome da corporação jurídica usada pelas Testemunhas de Jeová, diz que “abomina qualquer tipo de violência, inclusive a sexual e considera como um crime”.
Procurada pela Folha, a Associação Torre de Vigia de Bíblias, nome da corporação jurídica usada pelas Testemunhas de Jeová, diz que “abomina qualquer tipo de violência, inclusive a sexual e considera como um crime”.
À Justiça, a entidade afirmou que não há qualquer prova de ilegalidade ou omissão por parte da instituição. “Pelo contrário, as provas juntadas nos autos pelo próprio Ministério Público indicam que a associação preocupa-se em proteger os menores em seu meio”, afirma;
Em petição ao Tribunal de Justiça, declarou que nunca “houve qualquer orientação para encobrir tais casos ou tratá-los apenas internamente, como se houvesse um tribunal eclesial próprio.”
Por Rogério Gentile e Rogério Pagnan
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