segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Experiências na África do Sul são semelhantes às do Brasil quanto à covid-19

A juíza sul-africana e antiga alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos, Navi Pillay, acredita que a crise é o período certo para a revitalização dos direitos humanos


01/08/2020

OHCHR
“Como proteger quem mora em abrigos, favelas e em cabanas nas quais 15 pessoas dividem um só quarto? Como fazer distanciamento social ali?”, questiona Navi Pillay.
Os contrastes da desigualdade social e econômica em países pobres foram ainda mais expostos durante a pandemia de covid-19, sobretudo diante da situação precária de moradia e de acesso a saneamento por pessoas em todo o mundo. “Como proteger quem mora em abrigos, favelas e em cabanas nas quais 15 pessoas dividem um só quarto? Como fazer distanciamento social ali?”, questiona a juíza sul-africana e antiga alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos, Navanethem “Navi” Pillay, em entrevista ao UM BRASIL – uma realização da FecomercioSP.
Na conversa com a jornalista Karina Gomes, Navi analisa os avanços da implementação de políticas em prol dos direitos básicos das pessoas – como educação e saneamento para todos; fala sobre a importância que foi uma definição clara do que é estupro e como esses crimes durante conflitos não podem ser vistos como troféus de guerra; e aborda a situação dos direitos básicos no cenário atual, uma pandemia que mata milhares diariamente no mundo.
“Nossas experiências na África do Sul são semelhantes às do Brasil quanto à covid-19, pois ambos somos grandes países com enormes populações de pessoas pobres. Os problemas socioeconômicos são muito importantes para nós. Mas os direitos humanos estão no cerne desta crise”, comenta. “Precisamos adotar uma abordagem embasada em direitos humanos. É muito alarmante o Brasil ser um de quatro países que são mais seriamente afetados”, enfatiza Navi.
UM BRASIL
Ela acredita que esse momento de crise severa seja o período certo para a revitalização dos direitos humanos. “Creio que essa seja uma das lições pós-pandemia. É preciso prover água, saneamento básico e acesso à saúde gratuitamente. Se começarmos daí, consigo ver benefícios em continuar com esse tipo de abordagem de direitos humanos após a pandemia”, diz a juíza.

Direitos das mulheres

Navi atuou como advogada de defesa de ativistas antiapartheid na África do Sul, expondo torturas e auxiliando no estabelecimento de direitos essenciais para prisioneiros, como Nelson Mandela. Foi nomeada juíza interina na suprema corte da África do Sul na década de 1990. E foi escolhida a juíza do Tribunal Penal Internacional para Ruanda pela Assembleia Geral da ONU, desempenhando um papel jurídico essencial no combate ao estupro e ao genocídio; contribuindo também para a inclusão de cláusulas garantidoras de igualdade social sem discriminações de gênero, orientação sexual, etnia e religião na Constituição daquele país.
Navi, que também fundou uma organização internacional em prol dos direitos das mulheres, a Equality Now, fala sobre o antigo consenso na África do Sul de que mulheres não deveriam ter educação – e como isso ainda persiste em diversos países.
“No meu país tudo isso é passado, graças à clausula de igualdade que inclui educação igual para meninos e meninas na Constituição. Como comissária, observo isso em alguns países, como no Paquistão. Ainda há casamentos forçados, menores de idade sendo casadas. A minha mãe teve educação negada pelo pai dela, que dizia que, se ela fosse para a escola, aprenderia a escrever cartas para garotos. Superamos esses preconceitos, mas ainda há preconceitos culturais e religiosos contra as mulheres. Todos sabemos que ao se educar uma mulher, educa-se toda a sociedade”, ressalta Navi.
*Entrevista gravada em 21 de maio de 2020

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