sexta-feira, 31 de agosto de 2012


Quando o amor é doença – Parte 5

MARTHA MENDONÇA
  
Ao longo desta semana, estamos apresentando uma série sobre amor patológico, um transtorno do comportamento que afeta a vida de milhares de homens e mulheres. Serão cinco posts, um por dia, com depoimentos de quem vive ou já viveu esse drama e explicações de especialistas. Os nomes apresentados na matéria foram trocados.

“Passei a vida me sabotando. Fui maltratada por todos os homens com quem me relacionei. Mas a culpa foi minha, que aguentava. Talvez eu até já procurasse quem tivesse essas atitudes. Não é possível ser coincidência. E, mesmo humilhada, eu sempre vivi a vida deles, nunca a minha.”

A carioca Mara, 39 anos, arquiteta, apaixonou-se “perdidamente” aos 15 anos. O relacionamento era sua prioridade, acima dos estudos, das amigas, da família, de seus próprios gostos. Quando ele foi para a faculdade e ela continuou no ensino médio, gostava de segui-lo de manhã cedo pelas ruas, quando ele saía de casa para pegar o ônibus. Um dia, ele terminou o namoro. Mara não se conformou. Telefonava chorando todos os dias, fazia chantagens emocionais. Ameaçava se matar. Terminaram e voltaram inúmeras vezes.

“Uma vez, ele disse que o fim era definitivo e eu tomei o vidro de Gardenal da minha mãe. A quantidade não foi suficiente para me matar – mas o susto fez ele voltar pra mim. Cada vez que a gente reatava, ele me tratava pior. Dizia que eu era burra e feia. E eu não me importava, só me interessava que ele ainda fosse meu namorado. Como se não bastasse, eu ainda comecei a fazer um enxoval para casar.”

Quando Mara tinha 24 anos, o namoro chegou mesmo ao fim. O namorado, sua obsessão, tinha uma noiva e estava de passagem marcada para São Paulo, onde a moça morava. Passou meses sem sair de casa, largou o trabalho numa loja e seu único passatempo era descobrir a melhor forma de se matar. Metrô, ponte, remédios? Só parou quando um rapaz amigo dos vizinhos pulou os obstáculos que ela construíra em torno de si mesma.

“Ele forçou a barra, aguentou minhas negativas, insistiu. Era engraçado e atencioso. No fim de alguns meses, desisti de um curso no Canadá, larguei o emprego e casei com ele. Tivemos um filho. Mas, em poucos anos, a lua-de-mel acabou. Não sei se ele cansou de mim, mas passou a me tratar mal, chegava bêbado em casa, não me dava bola. E eu só queria aquele homem. Não tinha amigos, não olhava pro lado. Acho que nem me olhava no espelho. Engordei muito.”

Aconselhada por uma vizinha que tinha feito uma dieta-relâmpago, Mara começou a tomar anfetaminas. Emagreceu vinte quilos. Mas, depois de um tempo, as crises de ansiedade começaram. Ela parou os remédios e começou a ganhar peso novamente.Voltou às anfetaminas – e se tornou dependente da euforia causada por elas. Há cerca de seis anos, teve síndrome de pânico. Não conseguia mais sair à rua. Foi abandonada pelo marido. Hoje, faz psicoterapia e frequenta o Mada.

“Eu digo que estou em recuperação, mas esta semana mesmo tive uma recaída. Estou com um namorado novo e, mais uma vez, esqueço de mim para pensar apenas nele. Não há um só minuto do dia que eu não esteja imaginando o que ele está fazendo, se está me traindo, se vai me telefonar, se está pensando em me deixar. Eu tenho me esforçado para fazer algo por mim, pelo meu prazer. Acho que vou comprar um cachorro, que é algo que sempre quis, mas nunca tive oportunidade. Se eu descobrir que me amo, vou conseguir largar esse relacionamento que me faz tão mal. Não posso mais viver assim.”

Transtornos psiquiátricos nascem em um traço genético. Mas o nível que patologia vai alcançar depende da cultura e da educação. “As pessoas já vêm em um determinado formato de como viver a vida. Mas a família, a escola, os amigos, o meio vão favorecer ou suavizar aquela tendência”, diz Ana Beatriz Barbosa. A harmonia familiar na infância, assim como a atenção dos pais, podem dar a segurança necessária a quem nasceu com o traço de transtornos do impulso como o Amor Patológico, criando um escudo de autoestima de importância vital. Da mesma forma, a ausência do amor paternal no começo da vida, quando se forma a identidade, pode transformar um traço brando em transtorno grave.

Uma vez instalado, o Amor Patológico só pode ser rompido com tratamento – psicológico, psiquiátrico ou ambos -, sendo que os grupos de apoio, como o Mada, têm se mostrado também bastante importantes no processo. Cerca de um terço dos pacientes precisa de remédios. Mas a maior parte consegue se equilibrar com terapia – o que não significa cura, mas autocontrole. O problema do Amor Patológico é de diagnóstico. Desde que o amor romântico foi inventado, as loucuras dos apaixonados foram institucionalizadas. Com o tempo, isso passa, é o que se pensa – até que o padrão comece a se repetir. O reconhecimento da doença, sua divulgação e as oportunidades de tratamento são grande passos para se salvar vidas – no sentido figurado e literal.

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