domingo, 17 de novembro de 2013

Precisamos falar sobre as lembrancinhas

Dez motivos para você se libertar da obrigação de dar brinde na festa do filho

ISABEL CLEMENTE

1 - Está difícil ser original
A primeira pessoa a ter a ideia de oferecer uma lembrança ao fim da festa foi inesperadamente original. Ela surpreendeu a todos com uma gentileza sem precedentes na história das celebrações. Saiu da curva. Mas ela foi a primeira. Depois dela, viemos todos nós. O que dizer? Que embarcamos na caravana do “tem que fazer“. No desespero da falta de tempo, de grana, de criatividade ou saco, pensamos “vai qualquer coisa mesmo“. E “qualquer coisa mesmo“, por definição, não pode ser algo original.

Não fica assim, vai, eu também já mandei mal. Comprei aqueles quebra-cabeças de papelão que ficam com peças permanentemente empenadas, impossíveis de serem encaixadas, só porque era do Barney, tema da festa de três anos da flha mais velha. E fiquei toda feliz com um monte de buginganga Barney na sacolinha personalizada com o tema "aniversário". As crianças também ficaram muito felizes com o monte de buginganga, que deve ter quebrado, sumido ou ido pro lixo dois dias depois.

Tem gente capaz de inovar sempre. Minha filha mais nova voltou outro dia toda feliz da festa do Antonio. Saiu de lá com uma baldinho e sementes de feijões mágicos. Perfeito para a festa temática João e o Pé de Feijão. Os feijões mágicos brotaram. É um brinde como poucos porque rende frutos. Eu também já acertei, aliás, para me redimir com vocês. Foi numa certa festa do pijama em que ofereci às dez meninas frascos pequenos com xampu, sabonete líquido e hidratante. Eu, o pai e nossa pequena ajudante nos divertimos preparando o brinde, que atraiu grande audiência naquela noite que não teve fim.

Mas precisamos reconhecer que ninguém consegue ser original o tempo todo. Na terceira festa consecutiva você já começa a pensar: isso não, isso também não...e acaba forçando a barra. Pra quê? O que eu quero dizer é "não precisa", portanto, não sofra com isso.

O problema é que, enquanto houver pessoas prendadas ou dispostas a gastar mais para providenciar uma surpresa para os convidados, estaremos todos condenados à execração eterna. Por isso a solução é ou para todo mundo ou continua como está. Voto em parar todo mundo. E apresento mais nove motivos para ajudar na decisão.

2 - Brindes de plástico baratinhos e o fatídico BPA
BPA é um policarbonato comum utilizado na produção de plástico e proibido em diversos países inclusive no Brasil, onde ainda corre o prazo para eliminá-lo de vez das prateleiras. Há pesquisas apontando risco do BPA para a saúde de fetos, bebês e crianças. A comunidade científica preocupa-se com possível relação do BPA com problemas neurológicos e até câncer. Vários fabricantes pararam de usar BPA. Você certamente já viu em vários produtos infantis a etiqueta "livre de BPA" ou "BPA free“. São geralmente mamadeiras e copos de ótima qualidade e mais caros do que os demais. Agora pense naquela garrafinha plástica distribuída a rodo em festas infantis. Pois é... 

3 - O item lembrancinha encarece a festa
Você tem algumas opções. Se for dar a festa em casa, estará baratinada com providências. Abrir as portas do lar é um momento que oscila do divertido ao tenso. Depois de pensar em tudo, você vai se dar conta que esqueceu justo as lembrancinhas. E assim terá arrumado, do nada, um motivo a mais de estresse. Se você for dar a festa no play, vale tudo o que eu acabei de dizer, sendo que você tem que computar aí o custo de alugar o salão. Se a opção for casa de festa, multiplique por cinco o custo inicial e pense que, ao te oferecerem um pacote "que já vem com lembrancinha", eles não estão te fazendo nenhum favor. Apenas embutem no preço o custo de um supérfluo. Se tirar o brinde, exija um desconto. 

4 - A mochilinha com o nome da casa de festas é propaganda gratuita 
E a casa de festas não te dará um desconto por causa disso.

5 - Dá trabalho
Sei de gente que resolveu parar de dar lembrancinha assim como quem decide deixar de fumar. Acordou de manhã, sentiu os efeitos da abstinência, mas se segurou e foi adiante. No final da festa, pediu desculpas e tal, não teve tempo, mas era uma forma de começar a limar uma preocupação da vida.

Entendo que não é uma decisão fácil. Afinal, ninguém bola lembrancinha por mal. Pelo contrário, estamos sempre muito bem intencionados. Mas pra quê, me diz, pra quê?

Muito mais difícil é fazer uma festa sem tema. Festa não-temática é um dos novos pecados dessa geração de crianças. Já cometi essa heresia. Três vezes. E sempre aparece aquela criança fofa que, depois de observar bastante a falta de conexão entre as cores dos balões, os pratos transparentes e o bolo de chocolate, vai te perguntar na maior inocência:

- Tia, qual o tema da festa?
Sugestão: sussurre no ouvido dela:
- O tema é...aniversário!

E encerre a conversa com aquela piscada de olho. Crianças adoram segredos. Mas lembre-se: eu sempre posso estar errada.

6 - A alegria das crianças dura tanto quanto a qualidade do brinde
Por falar em arrumar qualquer coisa, é preciso reconhecer que a situação não anda boa para ninguém, certo? Daí quando você faz as contas, não pode gastar R$ 10 por criança porque você convidou 40, sempre tem o irmãozinho, daí lá se vão R$ 500 só de lembrancinhas!! Ser criativo, sem dinheiro, é brincar no nível dois de dificuldade. Você não está mais no básico.

Na tentativa de baratear e continuar fazendo bonito, cometemos as maiores bobagens, como dar aquele giz de cera que quebra na primeira tentativa de uso. Não podemos continuar estimulando fabricantes desse quilate, porque eles só servem para dragar nosso dinheiro em coisas inúteis. Por isso, muitos brindes agradam por pouco tempo. Não vale a pena.

7 - Lembrancinha bacana demais constrange convidado que levou um presente simples
Talvez isso não te diga respeito, mas o extremo oposto da lembrancinha baratinha é a competição pelo brinde mais legal em certos círculos sociais. Parecem estar competindo para ver quem dá a festa mais cara, mais produzida, mais exagerada, mais qualquer coisa. Você fica com a nítida impressão de que a pessoa não sabia o que fazer com tanto dinheiro, daí resolveu doá-lo aos convidados. 

Nada contra festas. Sou uma entusiasta de celebrações de maneira geral. E é óbvio que cada um faz o que bem entender com o próprio dinheiro, ainda mais se estiver sobrando. O que eu quero dizer é que você não precisa sofrer para tentar fazer igual. Só isso.

Simplicidade é pré-requisito da elegância. Ostentação é o caminho contrário. Criança costuma ficar feliz com muito pouco. Nós é que enfeitamos demais o pavão.

8 - É charmoso dar uma festa vintage
Por falar em simplificar, lembra as festas da nossa infância? Tinha brigadeiro caseiro, bolo confeitado com granulado ou açúcar e dedinho de criança marcado na lateral do tabuleiro. No nosso tempo, as festas não tinham lembrancinhas. Só balões e língua de sogra. Relembrar esse estilo pode ser a nova festa vintage. O cenário do parabéns deve incluir crianças suadas com cotovelos apoiados na mesa e uma vela com o número da idade. Nada de família posando sozinha para fotos. Fica parecendo que não havia convidados. O aniversariante precisa, de preferência, sumir no meio dos amiguinhos. Quando ele crescer, achará o máximo ter que perguntar: mamãe, esse sou eu?

9- Não precisamos dar doces demais a crianças
Se seu filho for uma criança no strictu sensu da palavra, você saberá, melhor do que ninguém, o quanto o compartimento de doce na barriga dele é maior do que a área exclusiva para salgados. Crianças são predadoras naturais de açúcar, salvo os tipos recessivos e raros. Tudo o que as crianças não precisam é de estímulos para aumentar as doses desse veneno refinado tão apreciado pelo paladar infantil. Pelo contrário, dada a facilidade com que toparão com doces na porta da escola, na cantina do colégio e na festa dos amiguinhos, toda bala deverá ser castigada. Nosso papel, como piores pais do mundo, é controlar este consumo.

Daí, você sabe o que acontece depois daquele fim de semana em que rolaram pelo menos duas festas infantis? Você volta para casa com um suprimento cavalar de açúcar ao alcance de uma criança sem-noção. Quando ela perceber que seu tesouro pessoal foi confiscado por medida de segurança alimentar, estará criada mais uma desnecessária crise familiar, mesmo que passageira.

Não dê doces. Tenha pena dos pais.

10 - Criamos a cultura de recompensa
Crianças agora esperam ganhar presente nas festas. Ensinamos isso a elas. É um hábito que está se enraizando na nossa cultura, banindo as festas simples, subvertendo o sentido de uma celebração que deveria ter por objetivo prestigiar o aniversariante e dividir com ele um momento de alegria. Analisando friamente, a espontaneidade está perdendo para a recompensa. Fiquei chocada, certa vez, ao ouvir um menino de 10 anos presumíveis comentar com outro amigo num shopping. "O cara é chato, mas a mãe mandou bem nos brindes". Cruel em vários sentidos.

Criança nunca nota se fulano ou cicrano trouxe presente. Quem nota são os adultos. É certo que o aniversariante ficaria decepcionado se, numa coincidência improvável, todos os convidados chegassem com as mãos abanando. Mas criou-se a absurda situação do convidado reparar no aniversariante que não oferece brinde. Ficou mandatório. É ou não é uma inversão de valores?

Você pode até achar que estou exagerando, mas nossa sociedade fabrica necessidades e desejos num ritmo sufocante e tem hora que eu respiro fundo e desejo muito o retorno a uma vida mais simples, sem tantas amarras, demandas e expectativas. Há inúmeros benefícios em se resgatar o sentido da felicidade vivida, e não comprada. Dizem que o primeiro tipo dura mais. Mas lembre-se: eu sempre posso estar errada.

Como estou tratando de um assunto que mexe diretamente com as expectativas infantis, fui ouvir o outro lado. Chamei minha filha mais velha para uma conversa, o pai como testemunha.

"Você vai para uma festa achando que vai ganhar um brinde?"
"Sim".
"Fala sério, filha, você fica curiosa esperando uma lembrancinha?"
"Fico", respondeu, rindo.
"E você fica frustrada se não ganhar?"
"Hummm...um pouco?"
Meu marido riu. O mundo está mesmo perdido. Eu não falei que eu podia estar errada?

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