Várias ONGs mexicanas levam à Comissão de Direitos Humanos casos de mulheres que tiveram os filhos em condições desumanas por falta de atenção médica
INÉS SANTAEULALIA México
Protesto diante da Secretaria de Saúde em Oaxaca. J. A. PÉREZ (LA JORNADA) |
A foto de Irma López dando à luz seu bebê diante de um hospital foi o primeiro aviso. O México amanheceu em um sábado de outubro passado com a fotografia do recém-nascido sobre a grama, ainda unido à mãe pelo cordão umbilical. Redes sociais, jornais e televisões de todo o mundo retransmitiram a notícia. Os médicos que atenderam Irma, uma indígena mazateca do Estado mexicano de Oaxaca, se negaram a lhe dar entrada no hospital e a mulher se viu obrigada a parir sozinha na rua. Nos últimos seis meses outras sete mulheres tiveram os filhos em más condições, apesar de estarem em centros médicos desse Estado, no sul do país.
O padrão costuma se repetir. Trata-se de mulheres indígenas de comunidades distantes que chegam a hospitais ou centros de saúde de noite ou ao amanhecer. As respostas do pessoal médico são diversas: que não há camas, que não há médicos ou que devem ir para casa porque o nascimento da criança não é iminente. Há crianças que chegaram ao mundo no chão da sala de espera, no banheiro do hospital ou em um carro na entrada do setor de urgências. Parecem histórias de outro século, mas há um fato que recorda que estamos em 2014: em quase todos os casos havia um celular por perto. O afã atual por gravar ou fotografar tudo serviu como motor de denúncias, embora o resultado seja expor ao público um momento que deveria ter sido íntimo. Uma busca no portal de vídeos YouTube (parto em oaxaca) é a prova.
Várias ONGs interpelaram nesta quinta-feira uma delegação do Governo mexicano em uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com sede em Washington. Regina Tamés, diretora da organização GIRE (Grupo de Informação em Reprodução Escolhida), será uma das expoentes do tema. “Terão de nos escutar e responder. Utilizaremos o caso de Irma, cuja foto deu a volta ao mundo, para mostrar o resto”, disse Tamés a EL PAÍS. O escândalo chega a um órgão internacional depois do pipocar de casos registrados ao menos uma vez por mês na imprensa. De fato, foi preciso que se tomasse conhecimento de nove partos na rua para que começassem a surgir movimentos políticos. Este mês, com dois novos casos, o Senado mexicano exigiu do Governo de Oaxaca um informe sobre as políticas públicas e os programas para garantir às mulheres indígenas serviços de saúde adequados.
Oaxaca é a terceira região mais pobre do país e tem 30% de população indígena. A maioria vive em comunidades muito dispersas ao longo dos quase 100.000 quilômetros quadrados que a região ocupa. “Em Oaxaca há zonas muito marginalizadas e de difícil acesso”, disse por telefone o doutor Genaro Villalobos, secretário do sindicato independente da saúde (Sityps).
Ele diz que os problemas de assistência são o resultado da “violação dos direitos trabalhistas” dos funcionários e da escassez de pessoal médico.
Segundo dados de seu sindicato, dos 20.000 profissionais de saúde existentes no Estado, 7.000 têm um tipo de contrato pelo qual só recebem metade de um salário completo. “As pessoas acabam se deprimindo e não prestam uma boa assistência”, afirma. O salário base de um médico na região é de 12.000 pesos (pouco mais de 2.070 reais). Os que recebem a metade às vezes se veem obrigados a cumprir dupla jornada em diferentes centros de saúde.
Às más condições de trabalho se soma a escassez de pessoal. Vários hospitais aos quais as mulheres grávidas chegaram à noite estavam fechados. “A autoridade limitou muito o número de funcionários dos hospitais. A desculpa é que não há dinheiro para cobrir o quadro completo. Mas se não há médicos nos turnos noturnos, obrigam as mulheres a parir fora do hospital”, argumenta o médico.
O Governo de Oaxaca, diante da enxurrada de críticas, anunciou investimento de 7,2 milhões de pesos (1,26 milhão de reais) na abertura de 50 salas de parto no Estado. A primeira foi inaugurada em Huajuapan de León, em fevereiro passado, apenas uma semana depois de Nancy Salgado, de 21 anos, ter seu bebê diante do hospital da localidade porque, segundo testemunhas, na recepção lhe disseram que não havia camas disponíveis. Assim que o vídeo do nascimento do bebê foi postado no YouTube, as autoridades sanitárias do Estado afastaram o diretor do centro.
Em outros casos, a falta de assistência nem sequer foi considerada uma falta. No hospital em que Irma López e Cristina López, indígena mazateca, que pariu na parte de fora em julho de 2013, o pessoal médico foi isentado de responsabilidade pela Comissão Estatal de Arbitragem Médica de Oaxaca, que concluiu que “não há negligência porque são eventos fortuitos que saem da sua competência”.
Mas não se trata apenas de Oaxaca. A organização GIRE dirá nesta quinta-feira perante a CIDH que desde o caso de Irma, em outubro, há registro de 16 partos em condições desumanas por falta de assistência médica em todo o país. O documento que apresentarão ante a Comissão questiona que “o Estado se limite a destituir os diretores e médicos em lugar de implementar medidas para que não haja a repetição desses fatos”. Medidas que impeçam que haja mais mulheres que vejam seus filhos nascerem como viram Ruth, Irma, Nancy, Oricel, Cinthia, Yeimi, Juana, Cristina e Laura em Oaxaca.
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