quinta-feira, 20 de março de 2014

Demência epidêmica

Investir em um estilo de vida saudável e inteligente pode reduzir o risco de acabarmos desconectados do mundo que nos cerca

por Drauzio Varella 

Difícil encontrar alguém que não conheça as agruras de um caso de demência na família. Chamada de “epidemia silenciosa” no passado, a demência dos mais velhos transformou-se em problema de saúde pública. A explicação é simples: as demências costumam se instalar depois dos 80 anos, estrato populacional que não para de crescer no mundo inteiro. Embora o número dos que chegam aos 80 explique o aumento do número absoluto de casos, estudos mais recentes sugerem que a prevalência de quadros demenciais começa a diminuir entre aqueles nascidos em datas mais próximas da metade do século XX.

Em 2005, Manton e Ukraintseva publicaram o artigo Declining Prevalence of DemenTia in the U.S. Elderly Population, no qual analisaram um inquérito conduzido por eles no período de 1982 a 1999. Nesses 17 anos, os autores mostraram que a prevalência foi de 5,7% para 2,9%, queda atribuída à melhora do nível educacional, à redução do número de derrames cerebrais e a outros fatores.

Em 2008, Langa e colaboradores publicaram o estudo U.S. Retirement Study, realizado com americanos acima de 50 anos. Em 1993, foram documentados 12,2% de declínios cognitivos na população com mais de 70 anos, prevalência que diminuiu para 8,7% em 2002. A conclusão foi a mesma: educação, estilo de vida mais saudável e cuidados médicos exercem papel protetor.

Três estudos europeus reforçaram essa visão otimista. No Rotterdam Study foi analisada, em 1990, uma coorte (conjunto de pessoas que têm em comum um evento que se deu no mesmo período) com 55 anos ou mais. Em 2000, foi reavaliado um subgrupo dessa coorte que mostrou prevalência mais baixa. Curiosamente, nesse subgrupo a ressonância magnética revelou maiores volumes de cérebro e menos lesões vasculares cerebrais.

O segundo estudo foi realizado entre habitantes de Estocolmo, capital da Suécia, com pelo menos 75 anos, em dois períodos: 1987-1989 e 2001-2004. Os resultados também sugeriram redução da prevalência, atribuída aos fatores já citados.

O estudo mais contundente foi publicado na revista The Lancet, no ano passado: Cognitive Function and Ageing Study (CFAS) I and II. Foram dois inquéritos populacionais conduzidos na Inglaterra, que envolveram mais de 7,5 mil participantes de 65 anos ou mais, entre 1989 e 1994 (CFAS I) e entre 2008 e 2011 (CFAS II).

Em CFAS I, a prevalência de quadros demenciais foi de 8,3%, ante a de 6,5% encontrada no mais recente CFAS II. Os autores concluíram que os participantes nascidos mais tarde apresentavam risco mais baixo de demência, graças à melhora do nível educacional e da prevenção de doenças vasculares, mesmo na presença de fatores adversos como o diabetes.

Esses estudos reforçam a ideia de que a demência é uma síndrome (conjunto complexo de sintomas com causas múltiplas), o que a torna semelhante à maioria das doenças crônicas que se instalam nas idades mais avançadas. Investir em valores intelectuais, na atividade física e na adoção de estilos de vida mais inteligentes reduz o risco de acabarmos os dias desconectados do mundo que nos cerca.

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