sábado, 5 de julho de 2014

Transfobia, a epidemia que os movimentos sociais precisam combater

Por Jarid Arraes
julho 3, 2014

(Reprodução/Facebook)
(Reprodução/Facebook)
Basta uma busca rápida na internet para encontrar algumas dezenas de crimes de violência cometidos contra travestis e transexuais, contabilizados só nesse mês de Junho. São muitos os casos pesados que resultaram em morte, envolvendo muito sangue, espancamento e estupro. Apesar de ser uma espécie de consenso social que ninguém merece morrer, muito menos de formas tão cruéis, parece que alguns tipos de assassinatos provocam menos sensibilização e choque do que outros – e os crimes praticados contra pessoas trans fazem parte dessa categoria que não ganha empatia de quase ninguém.

Para entender o que acontece no Brasil não é preciso ter experiência em movimentos sociais e grupos de militância. Travestis e transexuais morrem todos os dias em números epidêmicos, de modo geral, porque nossa cultura considera o feminino inferior e não suporta a ideia de que alguém fuja dos rígidos padrões de gênero. Sendo assim, para quem é preconceituoso, é ultrajante aceitar que uma pessoa designada “homem” quando bebê se “rebaixe” e queira levar a vida como uma mulher. Ou, ainda, que uma pessoa tida como mulher ouse se compreender como homem. Em uma sociedade que estabeleceu e mantém categorias tão fechadas e alienantes, baseadas em uma forte hierarquização de seres humanos, fugir da regra é uma séria afronta.

O problema é que muitas pessoas trans não desejam deliberadamente afrontar a sociedade – o que também não seria um problema -; na maior parte do tempo, travestis e transexuais simplesmente tentam sobreviver e seguir com as tarefas cotidianas da vida. Essas pessoas estão submetidas a um sofrimento imensurável, pois mesmo seus direitos mais básicos, como estudar, trabalhar, ter um documento, comprar roupas ou mesmo ir ao banheiro, lhes são constantemente negados. Essas atividades podem ser questões corriqueiras para muita gente, mas certamente não são para quem é trans.

Embora seja triste e preocupante, as pessoas trans, que já são tão marginalizadas pela sociedade, costumam ser colocadas de lado até mesmo por movimentos sociais que supostamente as incluem, tais como os movimentos LGBT e Feminista. Mesmo dentro de grupos de militantes e ativistas, as travestis e transexuais enfrentam enorme preconceito e discriminação e são invisibilizadas na luta por seus direitos. Ironicamente, por meio de uma percepção comprometida a melhorar o mundo, essas pessoas deveriam encontrar espaço prioritário, já que não possuem acesso a direitos já estabelecidos por quem não é trans, mesmo aqueles que são homossexuais ou bissexuais, entre outros grupos discriminados. Esse é um raciocínio simples; afinal, se há uma pessoa em situação de extrema urgência, é óbvio que a ajuda para ela deve ser colocada em primeiro plano.

É verdade que o movimento LGBT já luta há muito tempo contra a violência heteronormativa, mas muitos militantes parecem esquecer que travestis e transexuais estiveram nessa luta desde o princípio, enfrentando bravamente o preconceito e lidando com estigmas difíceis de transpor. Esquecê-las é também um ato de ingratidão e revela a face misógina de um movimento que fala muito mais em homens homossexuais do que em mulheres lésbicas e pessoas trans. De modo similar, muitas correntes feministas e ativistas parecem esquecer que travestis e transexuais também lidam com o machismo: para as travestis e mulheres trans, a objetificação, hipersexualização e violência sexual é uma triste realidade diária, enquanto para os homens trans, resta a exotificação, que só não se transforma com a mesma frequência em violência devido ao esquecimento de sua existência. É evidente que essas questões são problemáticas de gênero – o Feminismo precisa acolher e buscar solucionar a transfobia, pois rejeitar essa pauta somente colabora com a manutenção do patriarcado.

Esse embate dentro dos movimentos sociais não é nenhuma novidade. As feministas negras vêm lutando para serem incluídas no movimento Feminista “generalizado” desde a década de 70 e, de modo similar, há séculos mulheres de todas as etnias lutam por voz e espaço nos meios políticos. Essas batalhas fazem parte da evolução de nossas pautas e no crescimento humano do mundo. Precisamos compreender esses contextos e trabalhar por movimentos sociais que abracem a diversidade do indivíduo humano.

No fim das contas, a transfobia se faz uma realidade gritante. Não é necessária nenhuma teoria complexa, pois a violência é explícita: há uma epidemia de morte de travestis e transexuais e todos – independente de quem somos ou por quem militamos – precisamos trabalhar para combater esse quadro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário