sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Mulheres que desenham mulheres em quadrinhos

13 de agosto de 2014
Carolina de Assis 

No fim de junho, o sensacional Lady’s Comics lançou uma campanha no Catarse para bancar a realização do “1o Encontro Lady’s Comics – Transgredindo a representação feminina nos quadrinhos”. Ontem, sete dias antes do fim da campanha, a vaquinha virtual alcançou a meta de 16 mil reais, quantia necessária para a realização do evento. O encontro vai juntar pessoas maravilhosas em BH para conversar sobre a representação das mulheres nos quadrinhos, como quadrinistas e como personagens. Portanto, no dia 25 de outubro, nós que amamos quadrinhos e amamos mulheres e ajudamos a fazer o encontro acontecer estaremos sendo imensamente felizes no coração das minhas Minas Gerais (#êgalo).

A iniciativa das mulheres do Lady’s Comics é mais do que apropriada: a indústria de quadrinhos,no Brasil e no resto do mundo, é dominada por homens brancos (assim como a indústria do cinema, como já comentei algumas vezes por aqui). Um dos problemas que a falta de representatividade das mulheres como criadoras de quadrinhos acarreta pode ser visivelmente constatado: muitos quadrinistas homens frequentemente hiper-sexualizam os corpos das mulheres em seus desenhos, representando-as em formas e posições pouco realistas, beirando o humanamente impraticável. Quando mulheres desenham mulheres, o resultado são quadrinhos que apresentam corpos muito mais próximos àqueles das mulheres que vemos todos os dias nas ruas e no espelho.

A escritora e ilustradora Kristen Radtke entrevistou 23 mulheres sobre a experiência delas em desenhar seus próprios corpos nos quadrinhos que elas produzem. Nos depoimentos, a certeza de que a diversidade nas representações dos corpos das mulheres não só promove uma autoimagem positiva entre as mulheres, como possibilita uma maior exploração das variadas possibilidades que os quadrinhos oferecem como arte e discurso cultural. Traduzo aqui embaixo meus trechos preferidos:


“Somente para olhos queer”

“É desafiador ser parte de uma indústria em que mulheres cartunistas ainda são uma novidade… Todas as pessoas merecem se ver refletidas nas mídias que elas consomem.”



“Os quadrinhos são uma mídia perfeita para capturar um desconforto bem real, mas invisível a outras pessoas… Eles têm sido parte de um processo emocional de aceitar o que o meu corpo enfrentou na busca de uma perfeição imaginária, e ao sobreviver e se recuperar de uma violência.”



“Quero ver corpos de mulheres retratados de uma maneira não-gratuita, não-objetificada, e honesta… Acho importante ver mulheres nos quadrinhos que não sejam commodities ou objetos sexuais, mas seres humanos complexos com seus próprios desejos, vontades, amores, tesão.”


“Como fas?”

“O que me incomoda sobre os corpos das mulheres que eu vejo em muitos quadrinhos é que eles parecem separados das próprias mulheres. A função primária deles é se exibir para o leitor… Isso é ruim não só a partir de uma perspectiva sexista, mas também do ponto de vista da própria narrativa.”


 ”Enquanto me vestia hoje de manhã, me lembrei de quando eu tinha 16 anos e sofria por causa do meu corpo, e me lembrava de quando eu tinha quatro anos de idade, com minha mãe: ‘odeio minha bunda! Ugh!’ ‘Eu amo a sua bunda, mamãe!’”

“Precisamos de corpos de mulheres em nossas histórias, fazendo sexo, menstruando, comendo e fazendo tudo aquilo que corpos fazem, para que as coisas que nossos corpos fazem sejam normalizadas e presentes – para que garotos não cresçam pensando que mulheres são nojentas ou vadias ou porcas ou qualquer outro terrível epíteto.”


“‘Mas assim que você envia a mensagem pra ele, a obsessão vai embora. Você se sente um pouco envergonhada, depois você esquece.’ ‘Ai meu deus o que você acabou de fazer?’”

“Adoro qualquer desculpa para olhar para corpos nus em um contexto não-sexual.”



“É desafiador ser qualquer tipo de mulher nesse mundo, e é desafiador ser qualquer tipo de cartunista… Mulheres precisam criar quadrinhos, do contrário nossas realidades serão apagadas, ignoradas, ou distorcidas.”


“Você pode por favor se cobrir!”

“Você está perguntando a uma mulher de meia idade se uma indústria que tradicionalmente apoia e promove as ideias de homens brancos e jovens já lhe apresentou desafios durante os quase 40 anos em que ela tem produzido quadrinhos. Por onde eu começo?”


“É o tipo de pensamento produtivo que eu geralmente só consigo alcançar no chuveiro. Apenas curiosidade, prazer, e tempo.”

“Na melhor das hipóteses, histórias autobiográficas nos permitem experienciar empatia por outras pessoas, e talvez aprender algo novo sobre nós mesmas. Se é empoderador para jovens mulheres falar abertamente sobre suas vidas (com relação a sexo e a outros aspectos também), ótimo. Se isso abre uma janela para o diálogo sobre a experiência das mulheres no contexto de um campo dominado por homens brancos, bom também.”


Espero que eu não entre em trabalho de parto”

“Há tão poucas oportunidades de ver representações de sexo não-heterossexual e centrado nas mulheres… Como uma pessoa gay, conheço bem o desespero de acreditar que você é a única pessoa que se sente de tal maneira, de não ser capaz de imaginar ter uma vida sexual – porque você nunca viu nada parecido.”

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