quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Patinho feio em 
corpo de zebra

Patinho feio em 
corpo de zebra
Personagem ajuda a refletir sobre intolerância
A exemplo do clássico de Andersen, na animação 
sul-africana Khumba nasce “diferente” 
e transforma a vida de todos que o cercam
//Por Sérgio Rizzo*
Os conceitos de tolerância e de diversidade étnica podem ser trabalhados com crianças e jovens de diversas formas, mas poucas terão a mesma capacidade de persuasão do cinema. O resultado, para a reflexão e o debate, pode ganhar mais força quando esses temas são apresentados de maneira indireta pelo filme escolhido, sem que ninguém precise discursar em nome de valores positivos. É o caso da animação sul-africana Khumba – que, para muitos, talvez pareça apenas mais um dos inúmeros longas-metragens infantis com animais como protagonistas, vivendo as mais diversas situações.

O personagem do título é uma zebra que nasce com um “defeito”: apenas metade de seu corpo é coberta por listras. Eis aí uma potencial vítima de bullying, o que se confirma rapidamente. Outras zebras do seu rebanho – principalmente os machos que procuram impor sua virilidade aos demais – fazem piadas com o pequeno Khumba. A situação adquire contornos ainda mais graves quando demora a chover no lugar onde todos vivem e vai acabando a água do lago. De quem é a culpa? Muitos atribuem a seca a uma maldição provocada pela zebra sem listras.

Khumba sente o golpe, mas encontra forças para buscar um sonho duplo, no qual acredita graças a uma espécie de profecia: encontrar uma nova fonte de água – capaz de salvar o rebanho e de redimi-lo em relação a todos – que possa também, em uma chave mística, “devolver” as listras que lhe faltam na comparação com as outras zebras. Na aventura que então se inicia, ele tem a ajuda valiosa de uma gnu maternal, um avestruz impertinente e um cão selvagem espertalhão. Um leopardo representa o seu maior obstáculo.

As coordenadas da trama lembram muito o célebre conto de fadas sobre o Patinho Feio, do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), publicado em 1843. Seu protagonista é um cisne que nasce no ninho de uma pata. Como ele é diferente dos outros filhotes, todos o tratam mal. Depois, a história chega a um desfecho exemplar. A simpatia sedutora de Khumba recorre também a elementos da “jornada do herói”, que o cinema norte-americano popularizou, em especial, a partir do sucesso de Guerra nas Estrelas (1977).

Filmes e livros inspirados nesse modelo narrativo costumam ser protagonizados por alguém que recebe um chamado. Cabe exclusivamente a esse herói a missão de fazer algo fundamental para salvar a sua família, grupo, comunidade ou país. O cumprimento da tarefa exige, em geral, a realização de uma longa viagem, durante a qual enfrenta desafios. A jornada o torna uma pessoa mais madura e sábia. Ao finalmente voltar para casa, ele modifica também, positivamente, a vida dos que o cercam. Como em Khumba, todos se transformam e aprendem. 

*Jornalista, crítico de cinema, doutor 
em Educação Audiovisual pela USP 
e professor universitário
Publicado na edição 60, de agosto de 2014 

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