segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Meditação ou testosterona?

Existem mulheres que trabalham e malham quase como se fossem homens, com ajuda de hormônios (Foto: Ilustração de Mike Deodato)

Na 'Visita' de hoje, Claudia admite que não é super mulher - nem deseja ser

31/08/2014

Um mês e meio sem ajuda em casa. Minha ajudante, braços direito e esquerdo há 10 anos, resolveu tirar merecidas férias - de um mês e meio. Tinha de ir ao Pará visitar a família que não visitava havia 12 anos. Combinamos e lá se foi ela, malas e tudo, enquanto eu garantia que dava conta, e que a vida de mãe solteira que trabalha fora, com uma filha de 11 anos, pode perfeitamente ser levada adiante sem empregada, e vambora.

TIve ajuda em casa desde o dia em que a minha filha nasceu. Val esteve comigo desde os cinco meses da Ju, com toda disponibilidade do mundo, exceto finais de semana - porque eu sempre fui contra esse negócio de folguista. Afinal, se você tem pouco tempo para ficar com seu filho durante a semana, e nos fins de semana contrata uma babá, quando afinal de contas fica com ele(s)?

Bom, mas o fato é que Val é quase minha alma gêmea: mesma idade, mesmo signo, me completando nas coisas em que me sinto menos capaz, enquanto eu compenso suas idiossincrasias, e assim passaram-se muitos e muitos anos, nem sempre de harmonia, mas com a plena certeza de que uma mulher separada com uma filha pequena e família morando longe simplesmente não tem vida profissional - e pessoal - sem ajuda. Vale o investimento, e  não há PEC capaz de mudar isso.

Me chateiam um bocado as críticas da junta de mães xiitas que, acima do bem e do mal, olham torto para quem contrata babás. Respeito quem não tem dinheiro para contratar uma boa ajuda, porque de fato é caro. Mas nunca vi uma mulher ter vida profissional ativa e cuidar de filhos sem ajuda.  Geralmente as críticas vêm de mulheres com trabalhos bem flexíveis ou inexistentes, ou que contam com a ajuda de mães, sogras, tias. Não existe super mulher.

Ou melhor...recentemente, descobri que elas existem. E elas são muitas e estão por toda parte. Uma verdadeira legião de mulheres que decidiram viver suas vidas de um jeito mais...masculino. Buscam a força em aditivos hormonais que as tranformam em verdadeiras máquinas de libido, músculos, disposição e bom-humor. O segredo são implantes de gestrinoma e testosterona, que estão sendo usados com objetivos diversos: combate à TPM, anticoncepcional (no caso da Gestrinoma), aumento da libido e da disposição, emagrecimento. 

Os efeitos são semelhantes aos das "bombas", bem como os possíveis efeitos colaterais como aumento dos pelos, mudança da voz, inchaço das glândulas, acne, insônia, queda de cabelos...e riscos maiores que chegam a câncer no útero. Não existe almoço grátis.

Os depoimentos do lado positivo são incríveis: você trabalha muito, malha feito uma louca e ainda encara a noitada feliz. E não vê uma celulite no corpo. A pele fica firme, a vida segue linda. Outra pessoa que ouvi me relatou que passou a se sentir mais masculina no jeito de ser: menos sentimental, mais objetiva e prática nas decisões, no jeito de pensar. Algo reservado, em geral, aos homens. Nós mulheres convivemos, em geral, com uma profusão de progesterona que nos embota a perspectiva.

Colocando tudo na balança, me pergunto em que momento a saúde deixa de importar realmente e o desejo de ser super mulher fala mais alto. Deve ser em fases assim, como a que eu vivi nas últimas semanas, quando se tem a sensação de não dar conta de si mesma, e os hormônios femininos - sempre eles - confundem a autoestima, a consciência, a sapiência.

Nesse último mês e meio, me senti frequentemente fraca demais para dar conta de "tudo": cuidar bem da minha filha, ter uma alimentação saudável, me exercitar, dormir horas suficientes, cuidar bem da casa, do jardim, manter vida profissional em dia, ser uma companheira atraente, bacana e agradável para o parceiro, enxergar a vida de um jeito leve, bem-humorado. 

Quando, no meu aniversário, o marido me deu de presente um curso de meditação, tive a certeza de que os sinais do meu stress estavam por toda parte.

Mais que meditação, de repente a ideia de um pouco de hormônio masculino pareceu perfeitamente aceitável para me salvar do fundo daquele poço. Talvez um pouquinho de testosterona fosse exatamente o que estivesse me faltando para que o mundo ao meu redor parecesse menos ameaçador e os desafios, simples e corriqueiros. Essa força tornou-se mais do que  meu sonho de consumo, virou obsessão.

Pesquisei o telefone do médico dos implantes, um bambambã que só vem ao Rio de vez em quando e é recebido por filas de espera imensas. Mas, no lugar de discar para ele, liguei para a Val, minha fiel escudeira, e pedi que por favor voltasse logo. Seus últimos 10 dias de férias acertamos depois. Naquela altura, eu faria qualquer oferta para convencê-la. Pronto.

Aliviada com a perspectiva de voltar à vida normal, deu vontade de rir de todo o episódio. E confesso que, de tudo, o que mais senti falta nessas últimas semanas foi justamente do senso de humor.

O fato é que não tenho mesmo talento para ser super mulher. E sinceramente não quero ser capaz de dar conta de tudo, porque me parece insustentável. Saber respeitar os próprios limites costuma ser a chave de uma vida equilibrada e saudável - valores que me são mais caros do que manter o corpo sarado e a disposição de Red Bull.  Me sinto capaz de viver com meus defeitinhos, fraquezas e acho graça desafiá-los. Fazem parte da minha história e do meu jeito, me tornam única. O que me incomoda vou tentando compensar aqui e ali com esforços possíveis.

Lembro a primeira vez que entrei numa sala para fazer ioga. Senti falta dos espelhos. Pensei, comigo:  como me corrigiria "no espelho"? Aos poucos mudei o foco do olhar e da mente e me dei conta de que eu tinha era que olhar para dentro, tomar consciência do meu próprio corpo, e me desconectar não só da sua aparência no espelho e de sua  imagem refletida, mas da imagem das demais pessoas ao meu redor, em constante estado de comparação. É um exercício e tanto.

Semana que vem começo o curso de meditação. Alimento pra alma, diz o marido. Bom ter por perto alguém que se preocupa, afinal de contas, com o que realmente importa e cria sentido pra vida. Bom domingo!

perfil Claudia Penteado - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)

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