sábado, 8 de novembro de 2014

Fonavid aborda experiência guatemalteca com a criminalização do feminicídio e o desrespeito aos direitos reprodutivos

Data: 07/11/2014
Com o tema “Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e Feminicídio”, a terceira mesa da VI edição do Forúm Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar, realizada nesta quinta-feira (06/11), uniu a experiência da Guatemala no enfrentamento ao feminicídio à reflexão sobre a trajetória internacional em defesa dos direitos das mulheres e as mortes decorrentes da omissão do Estado para a questão dos direitos sexuais e reprodutivos.
Na Guatemala, violência contra a mulher é o crime mais denunciado
Com uma população de mais de 15 milhões de habitantes, a Guatemala ocupa o 3º lugar noranking de assassinatos de mulheres, com uma taxa de 7,9 assassinatos para cada 100 mil mulheres, de acordo com o Mapa da Violência de 2012.
Procuradora da Guatemala trouxe experiência do país, o segundo a tipificar o feminicídio na América Latina (Foto: TJMS)
Procuradora da Guatemala trouxe experiência do país, o segundo a tipificar o feminicídio na América Latina (Foto: TJMS)
Em 2008, em um esforço para dar visibilidade aos assassinatos de mulheres e puni-los de maneira eficaz, o Estado sancionou a Lei contra o femicídio e outras formas de violência contra a mulher, que estabelece a pena de 25 a 50 anos para aqueles que cometerem femicídio. A legislação guatemalteca define o crime como “morte violenta de uma mulher, ocasionada no contexto das relações desiguais de poder entre homens e mulheres, no exercício de poder de gênero contra as mulheres”.
Em sua apresentação no VI Fonavid, a procuradora geral da Guatemala, Thelma Esperanza Aldana Hernández, destacou essa desigualdade como fator marcante na realidade das mulheres, que se tornam vítimas de uma cultura machista, em homicídios precedidos por violência sexual e mutilação. “O feminicídio é a forma mais cruel do patriarcado de mostrar quem domina na sociedade”, destacou a procuradora.
Se analisada a realidade das mulheres indígenas, a situação no país mostra-se ainda mais grave, o que reforça a necessidade de sensibilização do Judiciário. “As mulheres indígenas sofrem discriminação por serem indígenas, mulheres e pobres. São esquecidas pelo Estado e a Justiça precisa chegar a esses lugares. Uma política criminal de Estado tem que se pautar pelos direitos humanos e atenção às pessoas menos favorecidas”, ressaltou a procuradora.
Na avaliação de Thelma Hernández, ainda há muito a fazer para se chegar a um cenário de igualdade entre homens e mulheres. Seis anos após a tipificação do feminícidio, a violência contra a mulher tornou-se o delito mais denunciado na Guatemala e a luta do Ministério Público do país tem se voltado para a implementação de Juizados Especializados para julgar os crimes em todo o território nacional.
“São milhões de dólares para levar juizados a todo o país, mas para salvar a vida das mulheres vale à pena. Juízes e fiscais têm que aplicar a metodologia de gênero. Isso quer dizer que, no momento de dar a sentença, é preciso analisar todo o histórico de violência contra a mulher”, destacou.
Direitos reprodutivos das mulheres seguem desrespeitados
Na mesma mesa, o juiz de Direito de São Paulo, José Henrique Rodrigues Torres, trouxe o contexto histórico da luta das mulheres por seus direitos, reforçando a importância dos tratados internacionais, ainda hoje não implementados pelos Estados, principalmente o que se refere à interrupção legal da gravidez e ao atendimento integral às vítimas de violência sexual.
Juiz José Henrique Rodrigues Torres, de São Paulo, destaca Convenções Internacionais e desrespeito aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres (Foto: TJMS)
Juiz José Henrique Rodrigues Torres, de São Paulo,
destaca Convenções Internacionais e desrespeito aos direitos
 sexuais e reprodutivos das mulheres (Foto: TJMS)
Torres destacou a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento realizada no Cairo, em 1994, como “um marco na história das mulheres pela igualdade ao afirmar o compromisso com os direitos reprodutivos” e ao reconhecer a autonomia das mulheres para decidir sobre o controle da própria fecundidade, e ressaltou o fato de apenas na Conferência de Beijing, realizada no ano seguinte, os direitos das mulheres terem sido afirmados como direitos humanos.
Apesar de reafirmados pela Convenção de Belém do Pará – como ficou conhecida a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994, – esses direitos ainda encontram diversas barreiras para avançar na sociedade.
“As medidas que queremos são as promocionais e transformadoras, como a efetivação de programas de saúde familiar e atendimento às mulheres, assistência integral ao aborto legal, acesso a meios contraceptivos seguros e políticas públicas emancipadoras que promovam o afastamento da ideologia patriarcal”, lembra o juiz.
Torres lembrou o recente recuo do governo na política de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual, pelo uso do termo “profilaxia da gravidez”, interpretado por congressistas como legalização do aborto, e chamou a atenção para os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), que apontam que a cada ano são 20 milhões de abortos inseguros, gerando a morte de 70 mil mulheres em todo o mundo. “A ONU afirma que negar o acesso ao aborto legal é uma das violações mais graves ao direito da mulher. A questão do aborto precisa ser tirada do campo da criminalização e levada para o campo da saúde pública”, defendeu.
Sobre o Fonavid
O VI Fonavid teve início na noite de quarta-feira (5), com a palestra inaugural “O Poder Judiciário e a Lei Maria da Penha”, proferida pela desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O evento vai até sexta (7), reunindo magistrados que atuam em processos de violência doméstica contra mulheres, além de técnicos de equipes multidisciplinares e servidores que atuam nas Varas Especializadas.
A sexta edição do Fórum está sendo organizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio de sua Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, em parceria com a Escola Judicial (EJUD-MS) e apoio das seguintes entidades: Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República; Governo do Estado de Mato Grosso do Sul; Organização das Nações Unidas para Mulheres (ONU Mulheres) e Instituto Avon.
Géssica Brandino

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