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sábado, 8 de novembro de 2014

VI Fonavid: Juízes debatem importância da compreensão das relações de gênero para enfrentar a violência contra a mulher

Data: 06/11/2014
No primeiro painel da sexta edição do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Fonavid) diversos especialistas falaram sobre as dificuldades de compreensão por parte dos operadores do Direito das relações de gênero estabelecidas na sociedade  e a importância de superar essa realidade para efetivar a aplicação da Lei Maria da Penha. O evento foi transmitido simultaneamente pela web.
A advogada e doutora em Ciências Criminais Carmen Hein de Campos analisou que um dos desafios postos ao campo do Direito é incorporar o “conceito normativo extralegal” de gênero e aproximá-lo da prática jurídica cotidiana. Para isso, a palestrante defendeu que é necessário compreender a formulação proposta pela historiadora norte-americana Joan Scott , de que o gênero é o primeiro modo de constituir relações sociais e dar significado às relações de poder entre os sexos a partir de diferenças percebidas entre o masculino e o feminino, que são também construídas socialmente. “E as doutrinas e práticas jurídicas operam na dimensão simbólica do gênero e das relações de gênero”, destacou a especialista.
Carmen Campos resgatou o caso da agressão à atriz Luana Piovani por seu ex-namorado, o também ator Eduardo Dollabela, para exemplificar “como o Direito constrói e fixa relações e lugares de gênero” e mostrar “os riscos da apropriação inadequada dos conceitos”. Na decisão do recurso impetrado pelo agressor contra a condenação em primeira instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou que a o caso não se enquadrava na Lei Maria da Penha porque a vítima não é hipossuficiente, não vivia em união estável com o denunciado e não seria oprimida. A decisão, que afirmava que o “binômio hipossuficiência e vulnerabilidade em que se apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que inclui relações diversas, movidas por afetividade ou afinidade”, foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça.
“A busca ao Judiciário é uma tentativa da vítima de restabelecer um patamar de equilíbrio nas relações de gênero, e não necessariamente a busca pela ruptura da relação afetiva”, destacou Carmen, ressaltando que os operadores têm dificuldade para entender a dinâmica dessas relações de gênero e seus elementos constitutivos e, em consequência, de responder adequadamente.
Carmen lembrou também que as relações de gênero envolvem as dimensões da sexualidade, étnico-raciais e de classe, devendo ser destacadas no trabalho de enfrentamento à violência contra as mulheres a maior vulnerabilidade das negras, lésbicas e trans.
Valorizar a prevenção e reconhecer as formas sutis de violência
A procuradora Especial da Mulher de Campo Grande, Carla Charbel Stephanini, falou sobre as tipologias da violência contra a mulher. Destacou que, para superar o senso comum de que violência envolve necessariamente o uso de força, é preciso compreender que as práticas violentas se inserem em uma “extensa rede fenomenológica”, manifestando-se também de formas “sutis, como a violência psicológica”.
A palestrante lembrou ainda o significado dos artigos 5º e 7º da Lei Maria da Penha, ao definirem legalmente os diversos âmbitos e modalidades da violência doméstica, e que é importante que todos os agentes do Sistema de Justiça façam uma autoanálise de como suas concepções sobre o lugar das mulheres na sociedade interferem nas sentenças.
A procuradora também falou sobre a importância de informar corretamente as vítimas, para que compreendam que a morosidade do rito judicial não significa impunidade, e que as medidas protetivas, por exemplo, são válidas enquanto o processo estiver tramitando. A especialista abordou ainda a necessidade de não se negligenciar “a outra face da Lei Maria da Penha, em detrimento da aplicação do seu aspecto punitivo”, e defendeu o fortalecimento da rede de prevenção à violência contra a mulher.  “A punição é pedagógica e importante, mas temos que tratar com a mesma relevância o aspecto da prevenção que a Lei Maria da Penha inspira”, concluiu.
Incluir na legislação as formas modernas de crimes contra os direitos das mulheres
Advogada e integrante da Comissão de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Mônica Barros Reis prosseguiu defendendo a tipificação de variantes da violência doméstica que ainda são punidas como crimes leves. Mônica destacou especialmente o fato de a violência psicológica ou o stalking (perseguição persistente) ainda serem enquadrados como ameaça, injúria ou perturbação da tranquilidade, “o que não é suficiente para abarcar o conceito de ofensa psicológica, o assédio constante, repetido, que pode levar a transtornos psicológicos ou psiquiátricos irreversíveis”.
Mônica Barros Reis mencionou ainda que a violência moral também é enquadrada como calúnia, difamação ou injúria, o que no caso específico dos crimes virtuais de vingança (ou “pornô de vingança”) “ainda reforça a visão machista sobre a moral sexual das mulheres, já que elas estariam sendo difamadas por terem feito sexo, quando na verdade o bem que está em discussão não é a honra, mas o direito à privacidade”. “Nesse sentido o Brasil ainda está muito atrasado. Nos Estados Unidos existem esses tipos penais e eles são discutidos há mais de 25 anos”, ressaltou.
Outro questionamento levantado por Mônica foi sobre a necessidade de pacificar a compreensão de que o artigo 7º da Lei Maria da Penha revoga o que chamou de “chancela ao furto nas relações afetivas”, estabelecida nos artigos 181 e 182 do Código Penal, que eximem de punição a violência patrimonial entre cônjuges. “Seria interessante que os operadores do Direito não encarassem a Lei Maria da Penha com tecnicismo, mas como uma ação do Estado para promover a igualdade entre os gêneros”.
As especificidades da violência doméstica contra as mulheres indígenas
Tatiana Azambuja Ujacow (vice-presidente da Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS) falou sobre o aumento da violência doméstica entre as populações indígenas e o consequente aumento da depressão entre as mulheres que não aceitam se submeter a tais práticas por parte dos parceiros. Ela defendeu o cumprimento da Convenção 169 da OIT nas delegacias especializadas que atendem às mulheres indígenas, com a disponibilização de intérpretes. A falta destes profissionais “dificulta o relato e a compreensão e potencializa o sofrimento das vítimas”.
Sobre o painel
A presidente de honra do Painel 1 – Relações Sociais de Gênero foi a juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre (RS) e integrante da Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Rio Grande do Sul,Madgéli Frantz Machado. O painel foi mediado pelo desembargador Coordenador Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Ruy Celso Barbosa Florence.
Sobre o Fonavid
O VI Fonavid teve início na noite de quarta-feira (5), com a palestra inaugural “O Poder Judiciário e a Lei Maria da Penha”, proferida pela desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O evento vai até sexta (7), reunindo magistrados que atuam em processos de violência doméstica contra mulheres, além de técnicos de equipes multidisciplinares e servidores que atuam nas Varas Especializadas.
A sexta edição do Fórum está sendo organizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio de sua Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, em parceria com a Escola Judicial (EJUD-MS) e apoio das seguintes entidades: Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República; Governo do Estado de Mato Grosso do Sul; Organização das Nações Unidas para Mulheres (ONU Mulheres) e Instituto Avon.
Luciana Araújo

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