A morte quase sempre coincide com o fim do período de fertilidade. Mas não nos seres humanos
por Drauzio Varella — publicado 27/12/2015
Se a vida na terra tem algum sentido é o crescei e multiplicai-vos. A maioria dos vertebrados morre quando o vigor reprodutivo chega ao fim. Seres humanos são uma das raras exceções.
Sob a perspectiva evolucionista, qual seria a explicação para que as avós, mulheres já estéreis que pouco contribuem para a produção de alimentos, permaneçam vivas e com a cognição preservada?
Um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) propõe uma explicação genética para esse fenômeno.
Em 1998, um trabalho de campo havia mostrado que no grupo Hazda, de caçadores-coletores da Tanzânia, sobreviviam mais crianças nas famílias com avós que ajudavam a alimentá-los e lhes transmitiam tradições culturais e ensinamentos ecológicos. Graças a essa atuação, seus genes levariam vantagem na passagem para as novas gerações, teoria que ficou conhecida como “a hipótese das avós”.
A deterioração da capacidade cognitiva associada ao envelhecimento, entretanto, compromete essas vantagens e torna-se onerosa aos membros do grupo.
No estudo da PNAS, o grupo de Ajit Varki e Pascal Gagneux, da Universidade da Califórnia, avaliou a contribuição de um gene (CD33) envolvido no controle das respostas inflamatória e imunológica às infecções e na doença de Alzheimer, enfermidade característica da fase pós-reprodutiva.
Pesquisas anteriores haviam documentado que o CD33 tem duas variantes (alelos), uma das quais predispõe à doença, enquanto a outra protege contra a proteína que se acumula no cérebro dos pacientes com Alzheimer.
Para elucidar o papel do CD33, o grupo comparou essas duas variantes com as dos chimpanzés e dos bonobos, nossos parentes mais chegados.
Verificaram que seres humanos e chimpanzés apresentam níveis semelhantes da variante deletéria, enquanto a protetora atinge níveis quatro vezes mais elevados entre nós.
Esse achado sugere que os chimpanzés, primatas em que a morte costuma coincidir com o fim do período de fertilidade, nunca viveram o suficiente para usufruir as vantagens da variante protetora. De fato, entre eles não são encontrados os transtornos cognitivos típicos do Alzheimer.
Pesquisando em bancos de dados do Projeto Genoma, os autores encontraram a variante protetora em etnias africanas, americanas, europeias e asiáticas.
O CD33 protetor, no entanto, não está presente em todas as pessoas. Conhecê-lo em profundidade pode levar a medicamentos que mimetizem seus efeitos.
De qualquer forma, é muito interessante descobrir que nossa espécie selecionou uma variante para nos proteger de uma doença que somente se instalará na oitava ou na nona década de vida, fase distante da seleção reprodutiva. Esse mecanismo seletivo operaria no sentido de maximizar as contribuições de indivíduos em idade pós-reprodutiva, para a sobrevivência dos mais novos.
Os autores concluem que “as avós são tão importantes, que nós evoluímos genes para proteger suas mentes”.
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