Sexta-feira, 22/01/2016, por Andrea Ramal
A morte da menina carioca Micaela, de 4 anos, com mais de 25 lesões e provável traumatismo craniano e edema encefálico, não é um caso isolado. A violência doméstica contra crianças acumula, no Brasil, índices assustadores, fruto da brutalidade e da covardia dos adultos. Chama a atenção que ainda haja pessoas que sejam contrárias à Lei do Menino Bernardo (Lei 13.010/14, conhecida como “Lei da Palmada”), por entender que “apanhar” pode ser educativo. Será mesmo?
De acordo com a Lei, a criança e o adolescente têm o direito de ser educados sem o uso de castigo físico ou de tratamento degradante (como ameaças ou humilhações), como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, seja pelos familiares ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles.
O outro lado da questão é representado pelos pais que dizem: “Que exagero, uma palmadinha não faz mal e é até educativa”. Outros relatam: “apanhei muito na infância e não morri por causa disso”. De fato, a Lei da Palmada, não se refere a “palmadinhas” corretivas. Há uma diferença abismal entre uma palmadinha e um espancamento cruel.
Entretanto, as pesquisas dos últimos vinte anos sobre esse tema, consolidadas no trabalho de J. Durrant e R. Ensom (“Physical punishment of children: lessons from 20 years of research”) mostram que a punição física está associada com aumento do nível de agressividade infantil e pode ter implicações na vida adulta, relacionadas a depressão, ansiedade e desajuste psicológico.
A alternativa é que os pais passem a tratar os filhos como eles gostariam de ser tratados: conceito base da “disciplina positiva”. Nessa linha educativa, acredita-se que controlar os filhos pelo medo não traz resultados e só provoca vergonha e humilhação. Além disso, acaba ensinando às crianças que a violência é a forma de resolver conflitos. Tudo isso compromete as relações de confiança entre pais e filhos.
Na disciplina positiva, em vez de bater, os pais usam técnicas como distrair as crianças e guiá-las amorosamente para que elas deixem de lado uma atividade inadequada. As regras são explicadas e até elaboradas em conjunto, como acordos. Os problemas são resolvidos com diálogo, para que a dignidade de todos seja preservada. Os pais dão o exemplo (pois é com eles que as crianças aprendem), construindo relacionamentos de respeito dentro da família e ao se comunicar com outras pessoas.
Mudar o modo de reagir diante de birras e indisciplina não é fácil, até porque muitos pais foram educados em lares autoritários. Uma ação possível: em momentos de raiva, estresse ou cansaço, é preferível se acalmar antes de partir para cima da criança. Isso tende a contribuir para uma maior conexão entre pais e filhos, na infância e adolescência.
Para quem exagera, ao ponto de chegarmos a ter tantos episódios bárbaros como o de Micaela e Bernardo, resta responder legalmente – e as penas deveriam ser mais severas. A dificuldade é que as crianças que sofrem maus tratos, em geral, não têm como denunciar, nem a quem recorrer. Daí a importância do papel de professores, agentes de saúde e do Conselho Tutelar no encaminhamento das vítimas a programas de proteção e tratamento e na educação das famílias sobre as práticas da “disciplina positiva”.
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