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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Gloria Steinem: “A Beyoncé apoia os valores feministas”


pingue gloria (Foto: Reuters)
NA ESTRADA
A escritora Gloria Steinem. Ela acha que nada substitui o contato humano e a empatia (Foto: Reuters)

A escritora defende as celebridades que aderiram ao feminismo e apoia a Primavera das Mulheres, mas acha que o ativismo não pode se limitar ao meio digital


TERESA PEROSA
12/01/2016
Ao lado da francesa Simone de Beauvoir e da americana Betty Friedan, a escritora Gloria Steinem é uma das principais figuras da segunda onda do feminismo – aquela que começou nos anos 1950 e provocou uma revolução cujos efeitos se sentem ainda hoje. Sua característica mais marcante é não se limitar apenas ao debate, destacando-se no campo do ativismo. Gloria tornou-se, assim, uma figura importante nos anos 1960, a década dos direitos civis. Ela foi uma das fundadoras da Ms. Magazine, primeira publicação americana assumidamente feminista, para a qual não havia temas que fossem tabu. Aos 81 anos, Gloria acaba de lançar o livro My life on the road (Minha vida na estrada, ainda sem data para chegar ao Brasil). Na obra, ela narra suas múltiplas viagens como militante. Em entrevista a ÉPOCA, ela fala do livro, das contribuições do feminismo do passado e da nova fase do feminismo na era digital.
ÉPOCA – Nos últimos anos, houve um movimento entre celebridades e artistas que começaram a se declarar feministas, como Beyoncé, Taylor Swift e outras. Algumas ativistas e pesquisadoras encararam isso de forma negativa. E a senhora?
Gloria Steinem – Acho que faz muito mais bem do que mal a popularização da palavra feminista. É positivo, levando em consideração que elas não estejam subestimando ou reprimindo outras mulheres, o que não é o caso aqui. A Beyoncé me parece uma apoiadora de valores feministas.
ÉPOCA – O que a senhora acha de campanhas feministas on-line, como as hashtags #everydaysexism e a brasileira #primeiroassedio?
Gloria – Elas são importantes, vitais e não devemos parar de realizá-las. Mas precisamos adicionar o contato pessoal. Seres humanos não conseguem desenvolver empatia uns com os outros, a não ser que estejamos presentes com os cinco sentidos. A forma de comunicação mais eficaz é estar presente, porque isso permite que você produza oxitocina, o hormônio que fabricamos quando seguramos uma criança, por exemplo. Ele permite que tenhamos empatia. Assim como não conseguimos criar um filho na internet, a comunicação depende de que nos encontremos pessoalmente, às vezes.
ÉPOCA – O ativismo feminista dos dias de hoje se concentra muito na internet?
Gloria – Não posso generalizar, eu acho que depende do lugar. Mas acho que precisamos entender que nem toda mulher no mundo tem acesso à tecnologia. Entre os iletrados do mundo, as mulheres são 70%. E muitas pessoas no mundo ainda não têm acesso à eletricidade ou à tecnologia. Então, precisamos lembrar que tecnologia pode ser um fator de divisão, nem sempre união e inclusão. Existem muitas formas de comunicação e precisamos recorrer a todas.
ÉPOCA – Há também quem diga que o feminismo não é mais necessário, que as mulheres já conseguiram todos os seus direitos.
Gloria – As mesmas pessoas que há 30 ou 40 anos diziam que o feminismo era impossível, era ir contra a natureza, contra Deus, Freud etc., hoje dizem que “agora acabou, vocês já venceram”, o que é ridículo. Há tanta violência contra as mulheres... Temos, atualmente, pela primeira vez, menos mulheres do que homens no planeta.
ÉPOCA – Qual é a principal causa para as mulheres hoje?
Gloria – A principal luta é aquela que seja a mais danosa na vida de uma mulher em particular, não cabe a mim escolher para ela. Ela terá mais energia e poder lutando contra aquilo que a afeta mais em sua vida. Em termos estatísticos, o que mais afeta as mulheres é exatamente a violência. Há menos mulheres do que homens no mundo por causa da violência. Fico com raiva porque uma coisa é ser a vítima de uma violência e outra é ser uma vítima invisível. O que acontece com as mulheres é trivializado, ainda que sejam formas básicas de violência, como controlar a reprodução.
ÉPOCA – Quatro décadas depois da primeira reunião da Comissão Política Nacional das Mulheres (na sigla em inglês, NWPC), em 1973, com a possível candidatura de Hillary Clinton, como é pensar nos Estados Unidos governados por uma mulher em 2017?
Gloria – Sinto-me muito bem, não só pelo fato de ela ser mulher, mas ser uma mulher que apoia a maior parte das necessidades das mulheres e que é uma grande defensora de igualdade racial. Do outro lado há Carly Fiorina, que basicamente é contra o que a maioria das mulheres quer. Ela seria um retrocesso. Mais importante que conseguir o cargo para uma mulher é melhorar a vida para todas as mulheres.
ÉPOCA – Por que decidiu escrever um livro sobre suas jornadas?
Gloria – Percebi que escrevia sobre problemas individuais ou pessoas que encontrava no caminho, mas não sobre como eu passava meu tempo. Também percebi que movimentos sempre precisam de organizadores que estejam na estrada. Claro, nós temos a internet agora, que é ótima, mas não é um substituto para estar em um mesmo ambiente. E a estrada tem sido um domínio masculino. Por essas razões, eu pensei que escrever sobre minha experiência poderia tornar visível uma forma de trabalhar, de se organizar, de que nós precisamos mais. E também dar às mulheres uma posse mais igualitária da estrada.
ÉPOCA – Por que a estrada ainda é um domínio masculino?
Gloria – Qualquer coisa fora de casa é percebida como um lugar mais masculino do que feminino, especialmente a estrada, vista como perigosa e, de muitas maneiras, não acolhedora às mulheres. Enquanto eu escrevia o livro, percebi que, estatisticamente, era menos seguro para as mulheres ficarem em casa, local onde elas têm mais chances de ser espancadas ou até assassinadas. Sei que essa não é uma comparação justa, porque não há tantas mulheres na estrada, mas ainda assim é surpreendente. Pensei que dizer isso poderia nos tornar mais conscientes e nos levar a sair de nossas casas e tomar o mundo como nosso.
ÉPOCA – A senhora dedica seu livro ao médico que a atendeu na Inglaterra, quando decidiu fazer um aborto em uma época em que o procedimento ainda era ilegal no país. O que a fez dedicar seu livro a ele tanto tempo depois?
Gloria – Ir a uma audiência, no fim dos anos 1960, na qual as mulheres falavam sobre terem realizado abortos, antes de isso ser legal nos Estados Unidos, me fez consciente e levantou questões sobre por que era ilegal se uma em cada três mulheres americanas precisou de um aborto em algum momento de suas vidas. Percebi que era importante agradecer às pessoas. Achei que estava mais do que na hora de agradecer a ele.
ÉPOCA – Os Estados Unidos vivem um momento de retrocesso em relação a direitos reprodutivos. Por que isso está acontecendo agora, quando esses direitos pareciam já assegurados?
Gloria – Precisamente porque houve avanço. A maioria nesse país apoia os direitos reprodutivos. E isso significa que a minoria, vendo que a maioria se voltou contra ela, se torna mais desesperada e violenta. As religiões monoteístas lutam para que as mulheres não tenham o controle dos direitos à reprodução. Querem colocar o controle desses direitos nas mãos dos homens e determinar que qualquer forma de expressão sexual que não vise à reprodução é imoral.
ÉPOCA – Em entrevistas recentes e em diferentes passagens do seu livro, a senhora faz referências à cultura e sociedade indígena nativo-americana. Qual seu interesse no tema?
Steinem –  As nações que estavam aqui antes dos europeus eram muito mais frequentemente igualitárias do que a cultura europeia, extremamente hierarquizada, monoteísta e racista. Nós somos levados a acreditar que é inevitável, é natureza humana ter uma hierarquia baseada em sexo, raça ou afins. Se Deus se parece com a classe dominante, então a classe dominante é Deus. É muito útil saber que existiam e que ainda existem culturas sobreviventes que foram baseadas em um círculo, não uma pirâmide. A ideia era de que as pessoas estavam ligadas, não ranqueadas.
ÉPOCA –  A senhora discorre no livro sobre o tema dos estupros no meio universitário. Estatísticas que dizem uma em cada cinco universitárias nos Estados Unidos será agredida sexualmente durante seus anos de estudo. O que falta para solucionarmos esse problema?
Steinem –  Precisamos parar de culpar a vítima e de pensar que se trata de natureza humana. Precisamos entender que não é só uma questão de “garotos serão garotos” e as mulheres são culpadas por tentarem os meninos seja porque estejam vestidas de alguma forma ou estejam bebendo. Colocar a ênfase no agressor, não na vítima. Os primeiros colonizadores da América do Norte escreviam cartas para suas casas chocados e surpresos, porque os nativo americanos “não estupravam nem seus prisioneiros”. As sociedades eram matrilineares, as mulheres controlavam a agricultura, os homens caçavam e todos tomavam decisões conjuntamente. As mulheres aqui do País Indígena (território que abrange reservas indígenas nos EUA) fazem piadas sobre isso: “o que Cristóvão Colombo considerava primitivo? Igualdade para mulheres”. 
ÉPOCA – Em uma das passagens de seu livro, a senhora conta como, durante um momento de trabalho, o jornalista Gay Talese se referiu à senhora como uma “garota bonita” que “fingia ser escritora”. A senhora é uma das fundadoras da New York Magazine. Em algum momento,  confrontou seus colegas sobre o machismo no ambiente editorial?
Gloria – Nós, juntos, fundamos a New York Magazine e, embora eu fosse a única mulher naquele grupo na época, eles tinham mentes bastante abertas. Isso ajudava bastante. E eu não precisei trabalhar com Gay Talese. O curioso é que, embora não tenha checado com ele essa frase antes de publicar o livro – porque eu tinha certeza de que ele havia dito –, a New Yorker, quando publicou um perfil sobre mim e mencionou esse incidente, ligou para ele para checar. Ele falou: “Sim, eu disse isso mesmo" (risos). Para ser justa, acho que ele achou que me chamar de “garota bonita” era um elogio.

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