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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

As certezas que mantêm as pessoas unidas

Quando a gente convive com quem tem por nós sentimentos ambíguos, a chance de que nos machuquem é enorme

IVAN MARTINS
05/10/2016

A vida é cheia de ambiguidades. Nem tudo ao nosso redor é certo ou errado, branco ou preto, sim ou não. As pessoas que nos cercam, então, essas são ainda mais complicadas. Elas têm dúvidas e hesitações. Num momento, morrem de certeza; no outro, estão perdidas. Só personagens de filmes exibem sentimentos claros e se comportam de forma coerente. Na vida real, homens e mulheres são confusos e contraditórios, exatamente como nós.

O sujeito que transa apaixonadamente com a moça e depois some, para ligar um mês depois, querendo sair de novo. Qual é a dele? A moça que transa feliz com o cara, mas diz, no dia seguinte, que só deseja ser amiga. Ele tem direito de ficar chateado?

Não há respostas racionais para essas situações. O cara que transa e some por um mês não está emocionalmente envolvido, mas isso não faz dele um canalha. A moça que transou e quer ser amiga sinaliza o óbvio: não ficou apaixonada. Não se pode condená-la por isso. É inútil exigir que as pessoas sejam coerentes com os nossos sentimentos.

“Ah, mas, naquele dia, ele disse...” Melhor não se fiar nessas conversas de alcova. Não adianta usá-las como documento de cartório, para exigir coerência. As pessoas dizem coisas lindas quando tomadas pelo desejo. Mais tarde, quando ele se esvai, as palavras se tornam vazias. Não querem dizer mais nada.

“Ah, se ela transou comigo é sinal de que gosta de mim, como homem.” Não necessariamente. Sua amiga poderia estar carente, ou vocês beberam demais, ou então, naquele momento, na magia daquela noite, ela viu algo em você – ou nela mesma – que a levou para o sexo. Depois que a magia se desfez, ela não quer mais. Tem todo direito, não?

A primeira obrigação de qualquer ser humano é ser verdadeiro consigo mesmo. As pessoas respondem a seus próprios sentimentos, não aos dos outros. É isso que nos confere um grau enorme de liberdade, que esbarra e se confunde com o egoísmo. Não podemos ser tiranizados pelo afeto ou pelo desejo do outro. Somos livres, inclusive para magoar quem nos ama.

Isso não significa que devemos ser tolerantes com as ambiguidades que nos incomodam. Pelo contrário. Se o cara transa e some, e você se sente usada, dê o limite. Diga não. Se a moça às vezes é amiga, nas outras é amante, e você nunca sabe o que esperar dela, dê o limite. Diga não. É provável que não aconteça nada. Mas é possível, também, que a pessoa veja você de um outro modo e resolva agir de outra maneira. Tudo é possível. Mas, em geral, o que a gente ganha quando põe limite à ambiguidade dos outros é contentamento pessoal, que tem a ver com não ser magoado.

Quando se convive com quem tem por nós sentimentos ambíguos, a chance de que nos machuquem é enorme. Uma hora a pessoa quer, depois não quer mais. Uma hora ela aceita, depois muda de ideia. Uma hora ama, depois não sabe mais. Uma hora está, depois some.
Se a gente se afasta, ou limita o dano que o outro pode nos causar, tudo melhora. Já não estamos à mercê da instabilidade alheia. Conviver com a ambiguidade sentimental dos outros debilita.

Se isso é assim tão ruim, por que a gente se enrosca em situações ambíguas?

Porque queremos amor, oras. Porque queremos sexo. Porque queremos conquistar os sentimentos do outro, ou despertar seu desejo. Porque talvez tenhamos uma tendência masoquista a nos interessar por quem nos esnoba. Porque mesmo uma relação ambígua e insatisfatória ainda é algo, e esse algo pode ser melhor do que o vazio. Para alguns de nós, em algum momento, é mais fácil abraçar a ilusão e a esperança do que encarar a rejeição que o outro, ambiguamente, delicadamente, nos oferece.

Lembro-me de uma amiga que planejava morar com o namorado desde a faculdade. Em duas ocasiões, com dois anos de intervalo entre elas, o cara recuou na última hora. Dizia que amava, mas achava uma desculpa para adiar o passo decisivo. Na terceira vez, mesmo apaixonada, ela mandou o moço passear. Decidiu que não o queria mais. Está sozinha e parece feliz. Se ele faz falta, não se nota.

É inevitável que dúvidas, incertezas e ambiguidades pontuem as relações humanas. É normal que as pessoas mudem de ideia e não saibam o que desejam. Acontece de estarem inseguras em relação a seus próprios sentimentos. É normal que a sua namorada olhe para você numa noite de sábado como se você fosse um estranho.

O que não é normal – numa relação – é gente que nunca sabe se deseja continuar, se quer se comprometer, se realmente ama. Não é normal que a ambiguidade e a incerteza sejam a norma de um relacionamento. Em algum momento, as pessoas têm de ser claras e positivas: eu gosto, eu quero, eu topo. Gente que nunca diz isso pode ser uma fonte inesgotável de angústia para o parceiro.

Quando a gente acha alguém que está na mesma sintonia que a gente, tudo muda. As ambiguidades não desaparecem, mas diminuem de importância. Se as duas pessoas se gostam, se decidiram estar juntas e querem fazer planos para o futuro, o essencial está acertado. Sempre haverá ambiguidades e incertezas no interior de um relacionamento, mas elas não devem ser maiores ou mais frequentes do que as certezas que mantêm as pessoas unidas.

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